Cretinismo judicial

 

 

Por Jonatas Moreth*

 

Karl Marx, em seguidas passagens de sua vasta produção, utilizou o termo cretinismo parlamentar para fazer a crítica dos setores que ao centrar suas energias na disputa política no parlamento, se fecham ou desprezavam a luta política travada fora dos debates parlamentares.

Para o filósofo alemão, o cretinismo parlamentar consistia em um delírio que acometia as suas vítimas, que passavam a acreditar que o que mais importante no mundo acontecia na casa legislativa, e “tudo o que se passava fora daquelas quatro paredes muito pouco ou nada significam”. Ainda para Marx, os que eram contagiados pelo cretinismo parlamentar ficavam “firmemente presos a um mundo imaginário, privando-o de todo senso comum, de qualquer recordação de toda compreensão do grosseiro mundo exterior”.[1]

Ainda que passados 150 anos, esta descrição ainda é muito precisa para caracterizar a maioria dos parlamentares brasileiros. Todavia, no Brasil pós Golpe, em momento de acentuada e desproporcional judicialização da política e politização do judiciário, fenômeno similar vem ocorrendo com os membros do aparato judicial, resguardada as devidas peculiaridades.

Talvez a melhor definição deste cretinismo jurídico tenha saído da boca e das mãos do Ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Em palestras e entrevistas, mas em especial no artigo intitulado “A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria”, Barroso tem defendido a tese segundo a qual as “supremas cortes desempenham, ocasionalmente, o papel de vanguarda iluminista, encarregada de empurrar a história, quando ela emperra”.

Em outra oportunidade, desta feita em uma entrevista para Pedro Bial na TV Globo, Barroso afirmou que o descrédito com a política afastou pessoas idealistas desta seara. Assim, os “idealistas” de Barroso param no Judiciário e no Ministério Público em uma tentativa idealista “de transformar o Brasil a partir deste espaço de poder”, se esquecendo, talvez, que isto também é fazer política.

O Ministro Barroso talvez seja o agente público que tenha assumido a tarefa de criar uma teoria que justifique este fenômeno, no entanto, está longe de ser o único a praticá-la. Ora arvorados do espírito iluminista de empurrar a história; ora incumbidos da missão messiânica de combater à corrupção, mandando para as cucuias qualquer compromisso com a imparcialidade, ou mesmo, no caso de um membro do MP em Goiás que afirma que seu trabalho é “a reprodução permanente da luta do bem contra o mal, das brigas de mocinhos e bandidos, ou dos Jedis contra o império Darth Vader”[2], em todos estes casos, vemos facetas do cretinismo jurídico serem aplicadas.

Ocorre que em uma sociedade dividida em classes, aonde o aparato Estatal (em especial a sua faceta não eleita judicial) é dominado e está a serviço dos interesses das elites, a atuação fechada em si mesmo do judiciário, se entendendo moralmente acima dos demais poderes e cidadãos, e sem nenhum controle social externo, vira uma importante arma contra a classe trabalhadora e a esquerda partidária, em especial em momentos de maior acirramento social e político.

Marx, em As Lutas de Classe em França de 1848 a 1850, afirmava que os partidos da ordem só podem conter os avanços dos partidos revolucionários mediante a violação das leis e a sua subversão. A ironia da história é que, apesar de não vivermos um grande avanço das organizações de esquerda como na época deste texto, a elite econômica do século XXI, para retomar a sua ofensiva, utiliza-se do mesmo método, tendo o judiciário como importante braço.

Em sua cruzada moral, instrumentalizada por interesses econômicos das elites, o judiciário subverte as leis, quebra os princípios mais basilares até para o pensamento liberal, destrói o que um dia talvez possa ter sido um Estado Democrático de Direito.

Importante frisar que todo este processo contou com a omissão e conivência, em alguns casos até mesmo ação engajada, da maioria da esquerda brasileira. No que tange ao Partido dos Trabalhadores, a sua fé cega no republicanismo, aliada a completa ausência de debate sobre o judiciário, foi uma combinação destruidora nos últimos anos.

Em 2018, em meio a maior ofensiva sofrida em sua história, tendo como ponta de lança o aparato judiciário, o PT terá nestas eleições mais uma oportunidade de fazer um inadiável ajuste na sua estratégia geral e no programa para o judiciário, que passa por reconhecer o caráter de classe do judiciário, e a imprescindibilidade de o submeter aos anseios populares.

 

* Jonatas Moreth é advogado e integra o Diretório Regional do PT-DF.

 

Notas:

[1] MARX, K. O 18 Brumário de Luis Bonaparte

[2] Disponível em: https://www.jota.info/carreira/ministerio-publico-paixao-e-luta-28122017

 

Fonte: Página 13, n. 180, fev. 2018

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