Desafios socioambientais da Bahia

Por Luciana Sarno (*)

A mineração de ouro na região de Jacobina, realizada pela empresa canadense Yamana Gold, afeta o território do povo indígena Payayá, que reivindica a demarcação de sua terra, de cerca de 54 mil hectares.

A Bahia, conhecida por uma rica biodiversidade e vibrante cultura, é um estado que encanta e é celebrado em verso e prosa por gerações. No entanto, essa beleza não a isenta de uma realidade amarga. Atualmente, a Bahia enfrenta uma série de desafios socioambientais. Esses desafios, que incluem desmatamento, poluição da água e disputas territoriais, ameaçam não apenas a biodiversidade do estado, mas também têm implicações profundas para as comunidades humanas que dependem desses ecossistemas para sua subsistência e cuja cultura está fortemente ligada a seus territórios.

As ações de grandes corporações na exploração da biodiversidade da Bahia são fatores significativos que tensionam a vida nas comunidades tradicionais. Essas ações geralmente estão ligadas a projetos de desenvolvimento, como a construção de grandes empreendimentos turísticos, industriais, agropecuários. Esses projetos muitas vezes impactam negativamente o meio ambiente, deslocam comunidades de suas terras e causam conflitos sociais. Exemplos de grandes corporações que tensionam a vida das comunidades na Bahia incluem empresas do setor agroindustrial, mineradoras, construtoras e investidores estrangeiros. Essas empresas muitas vezes contam com o apoio do governo e de órgãos reguladores que participam do processo de licenciamento ambiental, dificultando a resistência das comunidades afetadas. Surge então um paradoxo: como pode um governo progressista, que tem sua base nos movimentos sociais, pequenos agricultores e comunidades tradicionais, flertar simultaneamente com o grande capital que se apresenta como ator na desestruturação socioambiental dessa base progressista?
Os governos de Wagner, Rui e Jerônimo desempenharam um papel importante na modelagem da situação socioambiental da Bahia. O governador Jerônimo Rodrigues defendeu o modelo petista de governar a Bahia dos ex-governadores Wagner e Rui. Ele afirmou que as eventuais mudanças que acontecerem durante a sua gestão serão “para melhor”. No entanto, apesar dessas promessas, muitos desafios permanecem. A questão da regularização ambiental de povos e comunidades tradicionais ainda é uma preocupação importante.

Nesse contexto, é crucial entender o papel de alguns atores nesse processo e o desempenho destes na fragilidade socioambiental dos territórios e das comunidades. O licenciamento ambiental no estado é realizado pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), que é o órgão executor da Secretaria do Meio Ambiente (Sema). O Inema é responsável por analisar os estudos de impacto ambiental, emitir as licenças, fiscalizar o cumprimento das condicionantes, aplicar as sanções administrativas e monitorar a qualidade ambiental.

No entanto, o licenciamento ambiental na Bahia tem sido alvo de críticas e denúncias de diversos setores da sociedade. Acusam o governo estadual de facilitar e flexibilizar o processo em favor de grandes empreendimentos que afetam de maneira absoluta o meio ambiente e a sociedade que está em seu entorno. Esses empreendimentos incluem, por exemplo, parques eólicos, mineradoras, agronegócios, empreendimentos imobiliários de alto padrão, entre outros.

Esses empreendimentos são considerados estratégicos pelo governo estadual, que tem incentivado e facilitado o seu desenvolvimento por meio de incentivos fiscais, infraestrutura e licenciamento ambiental. O governo estadual argumenta que geram emprego, renda, impostos e desenvolvimento para o estado, além de contribuir para a matriz energética e a segurança hídrica do país.

No entanto, também têm gerado conflitos com as comunidades tradicionais que vivem nos territórios onde eles se instalam. Essas comunidades são grupos culturalmente diferenciados, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. Na Bahia, existem diversas comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, pescadores, marisqueiras, fundo e fecho de pasto, geraizeiros, caatingueiros, entre outras.

Essas comunidades têm denunciado que a instalação de empreendimentos em seus territórios tem provocado violações de seus direitos, como a expropriação de suas terras, a destruição de seus modos de vida, a perda de sua identidade e a contaminação de seus recursos hídricos, a degradação de seus ecossistemas, a violência e a criminalização de suas lideranças. Elas também têm reclamado da falta de consulta prévia, livre e informada sobre os projetos que as afetam, conforme prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Alguns exemplos marcantes dessas denúncias são:

● Usinas eólicas no sertão, entre os municípios de Canudos, Jeremoabo e Euclides da Cunha, que ameaça o território de 12 comunidades de fundo e fecho de pasto, que são famílias de pequenos produtores rurais que dividem uma área comum para criação de animais. O empreendimento da empresa francesa Voltalia Energia do Brasil tem gerado resistência das comunidades, que alegam não ter sido consultadas sobre o projeto, que ocupa cerca de 20 mil hectares de suas terras.

● A mineração de ouro na região de Jacobina, que afeta o território do povo indígena Payayá, que reivindica a demarcação de sua terra, de cerca de 54 mil hectares. A mineração é realizada pela empresa canadense Yamana Gold, que tem sido acusada de causar danos ambientais e sociais, como a contaminação de rios e nascentes, o desmatamento, a poluição sonora, a violação de sítios arqueológicos, a cooptação de lideranças, a divisão da comunidade, entre outros.

● A mineração de quartzito na Serra Grande, no município de Juazeiro, que ameaça o território da comunidade de fundo e fecho de pasto de Caboclo, que ocupa a área há pelo menos 200 anos. A mineração é realizada pela empresa Pedras do Brasil S/A, que alega ter comprado parte das terras, mas os moradores questionam a venda da área por um único posseiro, acusado de forjar documentação. A comunidade conseguiu suspender as atividades da mineradora, por meio de uma ação do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), que exigiu o direito à consulta prévia.

Esses são apenas alguns casos que ilustram a situação de conflito entre comunidades tradicionais e empresas de energia eólica e mineração na Bahia. Há muitos outros casos que não foram mencionados, mas que também merecem atenção e respeito. Esses conflitos revelam a necessidade de uma revisão do modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado pelo governo estadual, que privilegia os interesses de grandes capitais, em detrimento dos direitos e dos saberes das populações locais.

É preciso buscar alternativas que conciliem o crescimento econômico com a justiça social e a preservação ambiental, que valorizem a diversidade cultural e a democracia participativa, que garantam a soberania e a dignidade das comunidades tradicionais. A luta por justiça socioambiental na Bahia é, portanto, uma luta pela sobrevivência e dignidade dessas comunidades.

Para finalizar, acredito ser válido e urgente questionar se os cidadãos têm realmente voz suficiente na formulação e implementação dessas políticas de crescimento econômico, sendo fundamental garantir que o licenciamento não seja apenas um trâmite burocrático, mas sim uma ferramenta efetiva para proteger a sociobiodiversidade e evitar impactos irreversíveis. A eficácia desses processos precisa ser avaliada e com isso garantir o equilíbrio entre crescimento econômico e preservação de culturas e meio ambiente. A transparência e a justiça na resolução dessas disputas são cruciais para evitar injustiças sociais e ambientais. Sem a real participação ativa da sociedade, os métodos continuarão a ser predatórios e destituídos de uma visão progressista relevante, fincada na realidade complexa, sistêmica dessas comunidades.

(*) Luciana Sarno é gestora ambiental e educadora social.


REFERÊNCIAS
1. opendemocracy.net
2. geografar.ufba.br
3. mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br
4. apublica.org
5. cptba.org.br

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