Dosar melhor o sal

Por Valter Pomar (*)

E cá estamos nós, há nove dias do decisivo dia 30 de outubro.

E a grande questão segue sendo: quem vai ganhar a eleição presidencial?

Lula ou o cavernícola?

Lula ou o neofascista?

Lula ou o misógino?

Lula ou o racista?

Lula ou o negacionista?

Lula ou o genocida?

Lula ou o pedófilo?

Quando a gente enumera estas perguntas e olha para as famosas pesquisas, muita gente sente um friozinho na barriga.

Afinal, se pesquisas estiverem certas, mais de 45% do eleitorado ativo está apoiando um monstro.

E se as pesquisas estiverem erradas, ou se as pesquisas – mesmo certas – não estiverem captando o que pode ocorrer, como aliás não captaram no primeiro turno, o monstro pode vencer.

Quando a gente fala isso, há vários tipos de reações.

Primeira reação: tem a turma do deixa disso, vamos ganhar, os números garantem.

Um bom exemplo dessa turma é o cada vez mais famoso André Janones.

No primeiro turno, por exemplo, ele disse:

 

E agora, sobre o segundo turno, ele já vaticinou:

Como ele, tem muito economista e estatístico, amador ou não, “torturando” os números para tentar extrair deles algo impossível: converter pesquisa em votação, converter intenção de voto em voto.

Vejam o caso da última pesquisa DataFolha.

Nela nós aparecemos com 52, o cavernícola com 48.

A margem de erro é de 2 pontos percentuais

Portanto, é matematicamente possível que estejamos 50 a 50.

Ademais, o cavernícola vem crescendo lentamente.

Nesse ritmo, precisaria de 9 semanas para ele virar?

Verdade!

Mas… e se o ritmo crescer?

Sabe, aquilo que a gente aprende sobre aceleração ou sobre quantidade virar qualidade?

Isso de certa forma aconteceu no primeiro turno: ele vinha crescendo pouco a pouco, depois deu uma parada, mas na reta final deu um salto.

Claro, para dar um salto ele precisa conseguir votos. E aonde ele conseguiria isso?

Por exemplo, nas abstenções: foram 32 milhões e 700 mil os que se abstiveram no primeiro turno.

E também poderia conseguir entre os que votaram noutras candidaturas, ou branco, ou nulo.

A conclusão deveria ser – ao contrário do que diz Janones – a de que precisamos ampliar a diferença, para ampliar a margem de segurança, para reduzir o risco de sermos ultrapassados na reta final.

E para que lutemos ainda mais para ampliar a diferença, precisamos antes de mais nada nos dar conta do risco que corremos e, portanto, da necessidade de nos esforçarmos ao máximo para conseguir mais votos.

Portanto, pessoal, sugestão para os próximos dias: vamos acreditar só em pesquisa ruim, pois estas nos forçam a ir à luta.

Pesquisa boa, estas que deixam a gente em situação confortável, situação de espectador, situação de torcida, vamos esquecer delas.

Eu falei que tem várias reações. Uma é “torturar” pesquisas. Outra é buscar a “bala de prata”.

Bala de prata, aqui, não é a da música do Fernando e Sorocaba.

Refiro-me à bala de prata que serve para matar certos monstros.

Pois bem, tem gente que acha que tem a solução mágica para a reta final: a tal bala de prata.

Antes que alguém diga que isto é impossível, que ninguém acredita nisso, peço licença para citar novamente o incrível Janones, o mago da redes, o amado dos carentes de ilusões:

Aqui vale lembrar que a lista de balas de prata é grande.

Tem a citada live do Janones.

Tem o “pintou um clima”.

Tem Aparecida.

Tem os assassinados durante a pandemia.

Tem os 51 imóveis.

(Tinha até os direitos de resposta, mas parece que os cavernícolas do judiciário conseguiram, ao menos provisoriamente, um stand by.)

Tem uma lista enorme, mas a verdade é que não estamos diante de uma situação que se resolva com balas de prata.

Vejamos agora uma terceira reação.

Lembrando, a primeira é “torturar” pesquisas. A segunda é buscar a bala de prata. E a terceira é “já fizemos de tudo, não sei mais o que fazer”: são os resignados, que as vezes completam seu fatalismo com um “está na mão de Deus”.

De fato, nós já fizemos de tudo, inclusive algumas coisas erradas sobre as quais não é de bom tom falar agora.

E o problema está em achar que fazendo de tudo, com certeza a gente conseguiria estar muito na frente ou, quem sabe, a gente com certeza ganharia já no primeiro turno.

A verdade é outra: esta eleição é muito, mas muito difícil.

Este foi um dos motivos pelos quais insistimos tanto que deveríamos tentar tirar o cara antes, no momento em que ele estava mais fragilizado, na pandemia, pois sabíamos – e dissemos isso, e escrevemos isso na época – que ele poderia se recuperar e seria um osso duro de roer.

Mas, como sabemos, teve muita gente que achava que seria mais seguro e mais fácil tirar ele nas eleições.

Achavam isso porque se iludiam quanto a força do nosso inimigo.

Hoje, como dissemos no início desta gravação, está na cara que estamos diante de um criminoso que – apesar disso e/ou por causa disso – recebeu 51 milhões de votos no primeiro turno.

A conclusão que precisamos tirar é que o resultado do dia 30 de outubro vai ser por pouco.

Não vai ser de muito.

E aí vem uma quarta reação: a dos animadores de torcida.

Aqui quero dizer que prefiro mil vezes os animadores de torcida aos “torturadores” de números, assim como prefiro os animadores de torcida aos defensores da bala de prata e aos resignados.

Ademais, reconheço ser muito dura a vida de animador de torcida.

Na guerra, seria algo equivalente àquele sargento que busca entusiasmar a tropa que está saindo das trincheiras para atacar o inimigo.

O cara sabe que nem todo mundo vai voltar inteiro, mas mesmo assim ele tem que animar a tropa.

Aconteça o que acontecer, o animador tem que manter alta a moral da tropa.

Os animadores têm seu papel na história e grande importância: afinal, tem muita gente que perde achando que ia ganhar, mas é muito incomum alguém ganhar se está tomado pelo derrotismo.

Entretanto, contudo, todavia, só animação não basta.

É preciso palavra de ordem, é preciso material, é preciso diretriz, é preciso orientação, é preciso comando.

E, infelizmente, me perdoem pela crítica, as vezes parece que nossa campanha tem muito animador e pouca direção.

Tirante, é claro, o já citado Janones, a Tebet e o Meirelles.

A Tebet é a do vamos tirar o vermelho das ruas.

E o Meirelles é o que acabou de fazer uma palestra para investidores dizendo que “com Lula a economia seria incerta e que Bolsonaro ainda pode vencer”.

(Pausa para pensar com carinho e afeto em alguns aliados.)

O problema é que quando a gente pede postura dirigente, tem gente que responde o que já comentamos: nós já fizemos de tudo, estamos fazendo tudo certo, não tem que mexer em nada, não dá para dar cavalo de pau etc.

De fato nós já fizemos de tudo, inclusive algumas coisas erradas.

E de fato estamos fazendo muita coisa certa. Se não fosse assim, não teríamos ganho o primeiro turno com 6 milhões de votos à frente e não estaríamos liderando as pesquisas.

Mas como propor ajuste fino não é proibido, fica aqui uma lista de sugestões baseada na teoria do feijão com arroz.

A teoria do feijão com arroz é a seguinte: trata-se da melhor comida do mundo, mas se errar a quantidade de sal, fo-fodeu (com o perdão da palavra).

E o que propomos, para esta reta final, é pelo menos dosar melhor o sal.

Seguem então nossas sugestões, todas propositalmente óbvias:

Primeira sugestão, ampliar a mobilização. Tem que ter visual, tem que ter gente na rua o tempo todo e tem que conversar com as pessoas. Muita gente indecisa é alvo de abordagem pessoal pelo lado de lá, pelas redes sociais, pelo pastor e pelo empresário.

Há notícias de que grandes empresas que fazem anúncios e vendas por internet estão sendo veículo para propaganda bolsonarista.

E há denúncias de que muitas centenas de empresas estão reunindo os trabalhadores para fazer pressão ilegal e criminosa.

Nós temos que contra-atacar de várias formas, e uma delas é buscar fazer conversas corpo-a-corpo.

Alguém citou o exemplo das duplas de mórmons, os vendedores de Sentinela e equivalentes que vão de casa em casa.

Segunda sugestão, esta para a direção da campanha: convocar para a semana final uma atividade nacional simultânea, em que Lula esteja numa cidade, mas fale através das redes para comícios reunidos em todas as cidades do país.

É preciso fazer um abraço nacional, uma atividade nacional, um momento de celebração pelo futuro do nosso país.

Terceira sugestão, também para  as direções de campanha, em cada cidade: convocar reuniões para organizar em detalhe a reta final e o dia da eleição, inclusive para que não se repita o ocorrido no primeiro turno.

Não dá para ter carros e bandeiras do lado de lá circulando a rodo, enquanto nosso povo está na clandestinidade visual.

O eleitor nosso precisa chegar e ver que não está só, precisa ver que somos maioria.

E nessa organização da reta final, lembrar de preparar um plano b para os casos em que a direita tente sabotar o transporte e a votação.

Lembrando que eles já sabem onde somos maioria. Tá fácil para eles, portanto, identificar onde sabotar.

Quarta sugestão, essa é para todos e todas: nesta reta final, acentuar a defesa da pauta do povo, os interesses dos pobres contra os ricos, da classe trabalhadora contra a elite.

Pedindo desculpas para os aliados da direita gourmet, o fato é o seguinte: quem pode vencer esta eleição é a identidade de classe entre Lula e a maioria de nosso povo.

Quinta sugestão, também para todos e todas: nesta reta final, enfatizar as medidas favoráveis aos que recebem mais de dois salários mínimos mês.

Por razões perfeitamente conhecidas, que atuam aqui e também noutros países do mundo, um setor da classe trabalhadora vota com a extrema direita.

Devemos buscar o voto destes trabalhadores.

Sexta sugestão, também para todo mundo: incluir em nosso discurso, com muito mais ênfase do que foi feito até agora, a defesa do futuro que queremos para o Brasil.

Não basta falar do legado.

Não basta falar das propostas.

Tem que falar do futuro.

Contrapor o Brasil que queremos, ao “brazil” que eles estão “con-destruindo”.

Sétima sugestão, esta para nosso companheiro Lula: mudar a atitude no último debate de TV.

Falar para o povo, não para o cavernícola.

O mesmo se aplica, com as devidas ressalvas, aos programas finais de rádio e TV.

Por último, mas não menos importante, uma oitava sugestão, esta para o alto comando da campanha: é preciso dizer, sem meias palavras, que estamos correndo alto risco.

Podemos vencer e vamos vencer, se formos com tudo para cima, se colocarmos no centro a defesa da  pauta do povo, e se contarmos, além da nossa maravilhosa militância e dos indispensáveis animadores  de torcida, com um comando coletivo, que atue como estado maior e faça os devidos ajustes finais, a dosagem do sal.

Lembrando do seguinte: se tudo correr bem, se vencermos nas ruas, será preciso garantir a vitória, garantir a posse e governar.

O melhor, portanto, ainda está por vir.

E como diziam os Originais do Samba: Nunca tenha medo do seu inimigo/Também nunca ande de cabeça baixa e bem danado/Pois nem tudo que cai do céu é sagrado (…) Que amanhã um lindo dia vai nascer.

Quem não conhece, pode ouvir aqui: https://www.letras.com.br/os-originais-do-samba/confianca

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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