Por Gilberto Gomes
Quanto vale uma universidade pública no Brasil? Nas últimas décadas, muito provavelmente esta pergunta tornou-se um mantra para muitos empresários ávidos por devorarem mais uma parcela do Estado, em especial no Rio de Janeiro. Enquanto este artigo é escrito, o MEC divulga mais um ranking do Índice Geral de Cursos (IGC), onde todas as 12 universidades que alcançaram nota máxima de avaliação são públicas. De modo particular, uma delas nos chama atenção. A Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), com campis nas cidades de Campos dos Goytacazes e Macaé, figura como a 12ª melhor do país e 2ª melhor do estado. Estes dados, por si só, poderiam demonstrar sinais claros de grandes investimentos em educação, ciência e tecnologia, caso esta mesma universidade não se encontrasse desde o mês de dezembro de 2015 sem um repasse sequer relativo ao seu custeio por parte do governo estadual.
De servidores passando fome por atrasos nos salários a estudantes carentes evadindo as salas de aula, o cenário desolador vivido por UENF, UERJ e UEZO aponta uma crise sem precedentes para as universidades estaduais do Rio de Janeiro, com indícios gritantes de abandono e sucateamento programáticos do governo Pezão. Dívidas com empresas terceirizadas e fornecedores se acumulam, salários e bolsas de auxílio permanência chegam a três meses de atraso, veículos oficiais abandonados por falta de manutenção, telefones cortados, lixo acumulado e limpeza e segurança comprometidas são imagens que, além de se repetirem nestas universidades, nos remetem a outro clássico mantra de empresários e políticos entreguistas: “precarizar para privatizar”.
Camuflado sob a crise econômica, agravado pela queda nos preços do petróleo, o discurso de austeridade do estado do Rio de Janeiro tem seu fim em si mesmo. Além da crise de moralidade política que se arrasta, ainda nos períodos em que os barris de petróleo atingiam seus melhores valores as universidades estaduais já vinham sofrendo ataques claros, com reduções sistemáticas no orçamento e no financiamento de pesquisas. No fim deste ano, o Ministério Público tornou públicas escutas que envolvem o recentemente preso deputado estadual Jorge Picciani e o Secretário de Ciência e Tecnologia Gustavo Tutuca, onde planejavam a abertura de uma CPI para investigar as contas das universidades do estado, em clara tentativa de desmoralizar a imagem destas instituições perante a parcela da sociedade que aguerridamente as defende.
Após o golpe de 2016 e com a apresentação da cartilha “Ponte Para o Futuro”, os planos do PMDB ficaram ainda mais claros, em especial após a recomendação do Ministério da Fazenda, em setembro deste ano, pela privatização das universidades do estado do Rio de Janeiro como parte do plano de recuperação fiscal. Neste momento, pudemos observar uma ousadia ainda não vista por parte do governo golpista de Michel Temer: uma proposta clara de privatização de universidades públicas.
Mas por que não recomendar o mesmo para alguma universidade federal? Obviamente, a repercussão que tal medida alcançaria colocaria em xeque os planos desta empreitada ainda sem precedentes, que tem no “falido” estado do Rio de Janeiro seu laboratório ideal. De maneira lenta e gradual, propostas iniciais de substituição da manutenção estatal seguem sendo apresentadas como, por exemplo, doações financeiras de ex-alunos ligados a grandes corporações, aumentos das já absurdas taxas para serviços internos de secretariado e emissão de documentos, além, é claro, da cobrança de mensalidades. Esta última “alternativa” por sinal, vem sendo amplamente defendida por editoriais do Jornal O Globo e por Índio da Costa, ex-candidato à vice-presidência na chapa de José Serra, atual secretário de infraestrutura do governo Crivela e pretenso candidato à disputa da vaga de governador do Rio de Janeiro. Índio tem transitado entre as universidades do estado defendendo abertamente a instituição da cobrança de mensalidades como única saída para a crise na educação superior do estado.
Um outro caminho discutido por Temer e Pezão é transformar as universidades em Organização Social (OS) ou alguma outra estrutura do tipo que permita uma arrecadação própria a fim de sustentar seus gastos de custeio, como pessoal, por exemplo. O “modelo” utilizado é o do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), visto como uma OS “bem-sucedida”.
Definitivamente, é estratégico para o projeto neoliberal sequestrar os investimentos públicos em educação, ciência, tecnologia e inovação. Para este projeto, é necessário impedir um desenvolvimento soberano de nação, que passa diretamente pelo conhecimento produzido e aperfeiçoado pelas Universidades. Foi a universidade pública do Brasil que fomentou o nosso sistema de saúde, a prevenção de doenças e as pesquisas mais avançadas desde os mais diversos campos da medicina às soluções de engenharia. No estado do Rio de Janeiro, o desmonte da universidade pública é ainda mais estratégico, visto sua estrita ligação com o desenvolvimento da exploração, extração e beneficiamento do petróleo. Universidades como UENF e UEZO possuem, além de cursos, extensas pesquisas voltadas para os campos do gás, petróleo e engenharia naval, por exemplo.
Defender as universidades estaduais do Rio de Janeiro é lutar contra um ataque sem precedentes a princípios fundamentais da constituição. É defender a dignidade de seus servidores – professores e técnicos – que contribuem diariamente para o progresso da Nação. É defender cada estudante que ingressou nestas universidades em busca de uma formação emancipadora, que os permita transformar suas realidades sociais. É, acima de tudo, defender um desenvolvimento soberano que se dê a partir de seu financiamento estatal, como princípio para uma autonomia de pensamento da Universidade, que não seja refém dos desejos de quem a financia, como infelizmente ainda ocorre com a maioria dos quadros políticos, subservientes aos mesmos segmentos econômicos que desejam o sucateamento e privatização das universidades públicas.
Gilberto Azeredo Gomes é estudante de Administração Pública (UENF), diretor de Formação Política e Movimentos Sociais (DCE-UENF), Diretor de Políticas Educacionais (UEE-RJ) e militante da Juventude da Articulação de Esquerda em Campos dos Goytacazes/RJ.