Por Deae – RS
O balanço das eleições 2024 deve ser um instrumento de análise rigorosa com vistas a fortalecer o projeto político representado pelo nosso partido ao longo dos últimos 44 anos no Rio Grande do Sul e no Brasil, tendo por base que somos um partido político nascido nas lutas das classes trabalhadoras nos anos 1970 para ser uma ferramenta de transformação da sociedade brasileira.
Destacamos que, neste documento, procuramos apresentar elementos de um balanço de um ponto de vista estadual, que pode coincidir ou se diferenciar dos balanços municipais, que têm suas especificidades e a sua realidade concreta.
Os gaúchos foram às eleições municipais em 497 municípios. Em 218, elegeram prefeitos vinculados ao PP, PL e Republicanos, três partidos muito identificados com a extrema-direita no Rio Grande do Sul.
Estes mesmos partidos elegeram 14 prefeitos(as) entre as 30 maiores cidades do estado, demostrando um inequívoco crescimento das forças mais vinculadas ao bolsonarismo. Destaca-se como uma das principais vitórias do PL a obtida em Canoas e a do PP em Novo Hamburgo. Para que se tenha um parâmetro, o PL saltou de dez para 36 prefeitos e de 85 para 408 vereadores no RS.
Observando-se a rota do trem, percebemos que haverá três prefeitos do PL (Canoas, Esteio e São Leopoldo), dois do PP (Sapucaia do Sul e Novo Hamburgo) e um do MDB/PL. Ou seja, o antigo Caminho das Estrelas se bolsonarizou.
Quando consideramos os dois principais partidos de sustentação ao governo neoliberal de Eduardo Leite, temos o MDB com 125 prefeitos eleitos e o PSDB com 35, somando 160 prefeituras. Nos 30 maiores colégios eleitorais, o MDB elegeu cinco e o PSDB elegeu seis prefeitos/as. A principal cidade do MDB é Porto Alegre, onde seu prefeito tem o PL de vice, que é uma figura abertamente bolsonarista e neoliberal, além do próprio Melo ser um apoiador de Bolsonaro. As principais vitórias do PSDB foram em Caxias do Sul, onde derrotou o PL, e em Santa Maria, onde venceu o nome do PT.
Ou seja, as principais forças da extrema-direita e de sustentação ao governo tucano elegeram 378 prefeitos/as entre os 497 municípios, e 25 cidades entre as 30 maiores do Rio Grande do Sul.
Já o cenário na centro-esquerda nestas eleições é preocupante. O PDT elegeu 50 prefeitos, e apenas um entre os 30 maiores colégios eleitorais, que foi em Guaíba, com uma candidatura de tintas bolsonaristas. Em 2020, ao todo, o PDT havia elegido 65 prefeitos/as.
O Partido dos Trabalhadores reduziu de 23 para 20 o número de prefeitos/as, quando a expectativa era até de dobrar. E, na fala de alguns mais entusiastas, era até de triplicar. Nos 30 maiores colégios, elegemos prefeitos em Pelotas, Rio Grande e Bagé; no entanto, sofremos uma derrota em São Leopoldo, onde governávamos. Apenas para registro, cabe lembrar que, em 2000, época do governo Olívio Dutra, elegemos nove prefeituras entre as 30 maiores cidades do estado.
Quanto aos demais partidos da centro-esquerda, o PSB diminuiu de 18 para oito municípios e o PV e o PCdoB não conquistaram nenhuma prefeitura.
Somada, a centro-esquerda elegeu 78 prefeitos/as, quando, em 2020, em pleno governo Bolsonaro, havíamos elegido candidatos nossos para governar 106 prefeituras.
As principais vitórias do Partido dos Trabalhadores, muito importantes, foram em municípios da Região da Campanha e da Zona Sul do estado, e isto merece ser avaliado e estudado, bem como devemos qualificar o fato de sofrermos inúmeras derrotas em municípios da Região Norte do estado, sendo Palmeira das Missões a única exceção entre municípios de referência regional.
Outro aspecto negativo é o fato de que, pela primeira vez desde a eleição de 1988, quando ganhamos Porto Alegre com Olívio Dutra, não elegemos prefeito em nenhuma cidade com mais de 100 mil eleitores em toda a região metropolitana de Porto Alegre.
Também como aspecto negativo, tivemos a redução de 400 vereadores eleitos pelo PT em 2020 para 361 em 2024.
Quanto aos aspectos positivos, no caso do PT, além de termos ampliado de um para três prefeituras entre as 30 maiores, também crescemos em número de votos, saltando de cerca de 550 mil para mais de 800 mil votos, porém, isso se deve muito ao retorno da candidatura própria em Porto Alegre. Contudo, contribuíram para esse desempenho, também, o aumento da votação em Pelotas, Caxias e Santa Maria, entre outros.
Do ponto de vista de gênero, em relação às chapas majoritárias, contamos com a eleição de uma prefeita, em Rio Grande, com Darlene Pereira e de três vice-prefeitas, sendo elas, Patrícia Crespan, em Barra do Guarita, Luciane Zimmermann, em Linha Nova, e Fernanda Bork, em São Lourenço do Sul. Já no que tange as candidaturas proporcionais, tivemos 920 candidaturas de mulheres no ano de 2024. Sendo destas, 103 mulheres eleitas. Cabe destacar ainda que a vice-prefeita eleita de Pelotas, na chapa do companheiro Fernado Marroni, é uma mulher negra, oriunda e integrante dos quadros do PSOL.
Vitórias das direitas, derrota da esquerda
Os números são claros, olhando o conjunto da obra, houve uma ampliação de prefeitos de direita e da extrema-direita tanto quantitativamente como qualitativamente.
Se observarmos os resultados eleitorais como um filme, percebemos um enfraquecimento relativo da centro-esquerda – apesar de algumas conquistas importantes do PT –, uma manutenção da força da direita tradicional e uma ampliação da força política da extrema-direita. Essas mudanças ou manutenção nas relações de forças são o principal dado que precisamos levar em conta em nossas análises.
Essas vitórias das direitas tornam-se ainda mais graves quando consideramos o contexto de quase dois anos de governo Lula III, razão pela qual muitos projetavam que, com as melhorias econômicas e socais construídas através do governo federal, teríamos condições políticas de ampliar as nossas conquistas nestas eleições; não foi o que aconteceu. Os resultados ficaram muito aquém do projetado.
No fundo, mesmo que se diga outra coisa, há uma crença de que haverá um reconhecimento natural da população a respeito das melhorias e dos investimentos realizados, numa leitura economicista da luta de classes. Ou, no máximo, que bastaria uma boa comunicação e propaganda de tais realizações. No entanto, a percepção da população sobre os governos não é resultado somente de uma somatória de suas obras e suas políticas e a comunicação delas. É preciso muita política, disputa ideológica e cultural entre uma coisa e outra.
Reconhecer a derrota não é nenhum demérito
A armadilha na qual a esquerda não pode cair é a do canto da seria de que os resultados foram “normais” ou na alegação de que as eleições não têm qualquer relação com a luta política geral ou com as batalhas de 2026. É uma espécie de negacionismo eleitoral que não cabe às direções políticas do campo democrático e popular adotarem.
A necessidade de compreendermos a complexidade e a gravidade da situação não tem nenhuma relação direta com uma postura derrotista, mas de percebermos que há necessidade de movimentos, decisões e novas posturas para alteramos a correlação de forças a nosso favor. Reconhecer que a linha política adotada até aqui é insuficiente para os desafios colocados atualmente tanto em nível nacional quanto estadual.
Precisamos entender melhor as mudanças da estrutura social e na dinâmica política do Rio Grande do Sul, com destaque para o agronegócio; a hegemonia neoliberal, que tem operado em muitas esferas, muito além da economia, como na educação e na cultura; a afinidade e o cruzamento de interesses entre o oligopólio da mídia e o grande capital, entre outros temas.
Isso é, temos um déficit de compreensão acerca da realidade gaúcha, das classes e da luta de classes neste momento da história, em particular, a análise a respeito da influência da extrema-direita sobre os setores populares.
Sem ilusões com a direita tradicional e os tucanos
Uma das nossas debilidades no período recente tem sido a pouca resistência imposta ao governo de Eduardo Leite, quem tem promovido um programa ultraliberal, com privatizações, sucateamento do serviço público, favorecimentos às grandes empresas.
Por isso, foi acertada a caracterização do diretório estadual do PT no dia 11 de setembro de 2023, que aprovou a “Resolução de Tática Eleitoral e Política de Alianças PT-RS”.
Em seu ponto 4, o documento afirma que “no Rio Grande do Sul, as eleições municipais devem servir para reforçarmos a oposição ao governo Leite (PSDB) e do seu projeto privatista que aprofunda o desmonte do Estado, as desigualdades sociais e atrasa o desenvolvimento regional. Leite governa para os ricos, não prioriza políticas sociais e privatizou a água dos(as) gaúchos(as), estando em dissonância com o interesse público e com fortes suspeitas de ilícitos. É responsável pelo desmonte das políticas da saúde e da educação, precarizando essas duas áreas essenciais para a vida da população. Ataca os(as) servidores(as) públicos, em especial o magistério que sofre com o arrocho salarial. É preciso derrotar este projeto!”
Coerente com esse pressuposto tático e estratégico, a resolução determinava, em seu ponto 11, que “não serão permitidas alianças com o PSDB, partido de Leite. Casos excepcionais, onde haja disposição de apoio e compromisso democrático e programático do PSDB neste apoio a uma candidatura petista, serão avaliados pela Comissão Executiva Estadual.”
No entanto, em flagrante desrespeito à resolução partidária, houve municípios em que o PT apoiou candidatos tucanos a prefeito. E não podemos concordar que a direção partidária não tenha debatido o assunto, mesmo quando provocada por meio de recursos.
Como anteriormente caracterizado pela resolução do diretório, a política econômica, social e cultural do governo de Eduardo Leite cria um esgarçamento social, aumento das desigualdades sociais, a precarização dos serviços e a hegemonia neoliberal na forma de ver o mundo. E isso tem relação direta com o crescimento da extrema-direita no estado, que se apoia nessa situação e nesse ambiente para aumentar sua influência.
Compreendemos que o caminho para enfrentar e derrotar a extrema-direita e seus herdeiros no RS passa, num primeiro momento, por acabar com as ilusões dos projetos e propostas representados pelos partidos tidos como de “centro”, que nada mais são do que forças de direita e cada vez mais polarizadas pelo bolsonarismo.
Acordos com MDB, PSDB e PSD devem ser muito pontuais, em função de realidades concretas específicas e conjunturais, e não com a intenção de construir um caminho conjunto para a disputa do governo gaúcho ou algo do tipo. Essas forças trabalham contra mudanças no sentido da distribuição da renda, da riqueza e de um desenvolvimento que atenda aos interesses populares.
Essa confusão estabelecida tem relação com a baixa oposição aos governos tucanos ou emedebistas, o que acaba por nos fragilizar na relação com a nossa base social histórica.
Por isso, o nosso eixo deve ser dar fim ao ciclo tucano e emedebista de 12 anos e construir a alternativa democrática e popular contra a alternativa de direita e da extrema-direita, que continua a nos rondar.
Alianças à centro-direita não é garantia de vitória eleitoral e muito menos de compromisso programático que resgate interesses das camadas mais necessitadas e das classes trabalhadoras.
O resultado de Canoas, onde fomos vice do PSD, e de Santa Maria, onde já no primeiro turno tínhamos o União Brasil como nosso vice, não foi garantia de vitória eleitoral, e isso deve estar presente nas nossas análises.
Importante lembrar que chegamos ao segundo turno em Porto Alegre e Pelotas, tendo formado alianças com a Federação liderada pelo PT e a Federação liderada pelo PSOL. Em ambos os municípios, o prefeito era do PT e a vice, uma mulher negra do PSOL.
Em Pelotas, a ampliação aconteceu no segundo turno, mas a base era a unidade da esquerda e ganhamos a eleição. Derrotamos o neoliberalismo no primeiro turno e o bolsonarismo no segundo.
O episódio das enchentes, a crise climática e a hegemonia ideológica da direita
Um outro tema que precisa estar presente nas nossas avaliações diz respeito ao impacto da crise climática e das enchentes no RS e o impacto das ações do governo federal.
Parece estar claro que a narrativa oportunista do governador do estado e de muitos prefeitos acabou se impondo. Todas as ações corretas do governo federal, desde as inúmeras visitas e presenças do presidente Lula, bem como a criação de um ministério extraordinário, instalado aqui em Porto Alegre, e a destinação de mais de R$ 80 bilhões para o estado, não permitiram uma leitura de reconhecimento destas iniciativas.
Uma narrativa construída pelo governador Leite, apoiada por prefeitos, pelo empresariado local, pela mídia oligopolizada e pelo agronegócio, criou uma visão de que o governo Lula fez menos do que poderia e entregou muito pouco diante do que prometera.
Recordemos do tratoraço e a mobilização do agronegócio gaúcho, capitaneado pela extrema-direita, em Porto Alegre, no dia 8 de agosto, exigindo mais recursos do governo federal e atacando o governo Lula. Recordemos também que o governador Eduardo Leite estava lá fazendo coro aos ataques, como se não tivesse responsabilidade nenhuma sobre a reconstrução do estado, enquanto a esquerda gaúcha não se propôs a realizar uma mobilização de conjunto para cobrar o governo do estado e dar respaldo às ações do governo Lula.
Por outro lado, o governo federal também não entendeu devidamente que o significado da reconstrução estava em disputa. Aliás, para além das iniciativas relativas às enchentes, há uma demora para a realização de projetos e políticas em muitas cidades e, quando os mesmos são finalizados, o mérito, não raras vezes, é reivindicado pelos prefeitos conservadores.
É perceptível que os governantes locais – aparentemente em uma ação orquestrada – escondem da população a origem das políticas e dos recursos. No máximo, informam, em alguns casos, “que assinaram contrato com a Caixa”.
Ministros do governo federal colaboram nesse sentido, pois muitas das “entregas” nem parecem ser do governo Lula, que quase passa à margem de seus discursos e atos. Em muitos casos, a militância, dirigentes e movimentos sociais do campo democrático e popular não são mobilizados para criar um símbolo de que a conquista é um resultado de um governo que pertence a essas forças políticas e sociais. Evidentemente, essa postura tem reflexos nos resultados eleitorais.
Também é preciso reconhecer a influência crescente da direita e da extrema-direita sobre setores da classe trabalhadora, onde nesses casos a justificativa do voto popular se expressa em argumentos ideológicos do neoliberalismo, como do empreendedorismo; ou do bolsonarismo, que usa de uma batalha cultural e do “anti-esquerdismo” para conquistar o voto de camadas populares, muitas vezes em alianças com as cúpulas das igrejas, especialmente neopentecostais, e até mesmo com o crime organizado.
Igualmente, a campanha da direita em muitas cidades, aparentemente, era silenciosa, em razão do desinteresse e da apatia de muitos setores do eleitorado, que precisa ser melhor compreendido, e porque o terreno privilegiado da direita eram as articulações “subterrâneas” e a campanha na internet.
Esses movimentos também tiveram efeitos na abstenção, que foram altíssimos em muitas cidades do Rio Grande do Sul, como em Porto Alegre, São Leopoldo e Caxias do Sul, que ultrapassaram os 30%.
Para além das eleições: ampliar a presença no cotidiano da classe trabalhadora e fortalecer o PT
A eleição demonstrou que estamos com uma reduzida presença organizada junto ao cotidiano da classe trabalhadora, o que explica parte da dificuldade que enfrentamos nas campanhas eleitorais.
Apesar dos esforços da nossa militância e dos nossos candidatos, a nossa fragilidade partidária e política ficou evidente nestas eleições, inclusive de mobilização e engajamento da nossa base social. Em muitas situações, isso teve relação com a linha de campanha, que abandonou nossas cores, nossos símbolos, a linha de enfrentamento com o neoliberalismo e o conservadorismo e se esquivou de realizar o debate político-ideológico.
Precisamos defender o PT. O antipetismo somente será superado se o enfrentarmos. Esconder o Partido nas eleições pode render alguns votos conservadores, mas, a médio e longo prazos, só fortalece o inimigo. Tanto é que, em muitas cidades, não raras vezes, os nossos candidatos e o nosso partido foram tratados de forma pejorativa ou estigmatizados.
Para reverter essa situação, será necessário um intenso trabalho de reconstrução partidária, de luta social, de disputa cultural. Faz-se necessário uma grande ampliação de formação, de organização, de debate público e de presença organizada nos territórios todos os anos. Nosso contato com a população, especialmente a juventude e o povo trabalhador, não pode restringir-se aos anos eleitorais.
As instâncias precisam funcionar, para avaliar, formular, articular e executar uma linha política comum. A direção ou as direções não podem ficar de maio a outubro sem se reunirem. Nos opomos aos processos de esvaziamento político das instâncias coletivas. O GTE não é instância partidária com poder deliberativo. Faltou orientação política e iniciativas da direção estadual do PT, de modo que o partido em cada município teve pouco retaguarda. Isso também contribuiu para que alguns municípios ocorresse o inverso, dirigentes ou setores do partido sentiram-se na liberdade de fazer o que bem entendiam e por vezes na contramão da história e da tática definida pelo próprio partido.
Houve também reclamação generalizada, e justa, da falta de acesso a informações que eram fundamentais para as campanhas municipais. Faltaram, também, transparência, critérios definidos e equilíbrio na distribuição dos recursos eleitorais.
Por fim, é fundamental afirmar que as lideranças são imprescindíveis para a construção do nosso projeto, mas elas precisam ajudar com que os próximos passos do PT gaúcho sejam construídos com um método que fortaleça o diálogo, a democracia interna, o respeito às instâncias coletivas e, principalmente, à militância que forja esse partido nas mais variadas lutas.
09 de novembro de 2024.
Direção Estadual da tendência petista Articulação de Esquerda.