Por Ronaldo de Souza Costa (*)
Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é
de hábito como coisa natural, pois em tempo
de desordem sangrenta, de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
Bertolt Brech
Estamos passando por momentos difíceis e que podem ficar mais graves.
Neste contexto, os números estão ganhando nomes. Nós, da saúde, estamos trabalhando, muito, muito mesmo, e assistindo às “lideranças” representativas assumirem posturas inócuas, e discursos de lamentação e lamúrias, que levam ao nada ou ao mesmo. Não estamos vendo o enfrentamento institucional esperado por parte das “lideranças”.
Estão havendo posicionamentos que, quase sempre, são genéricos, amplos, provisórios e factuais, sem nenhuma assertividade estrutural (proposital?), e que surge como uma reação ao que o governo e a sua burguesia de apoio pautam nas aparições bombásticas diárias de seus mitos. Então, mesmo diante do caos, o governo se sustenta. Se sustenta do caos, se alimenta dos erros a que inteligentemente induz a oposição.
É necessário uso máximo das estruturas institucionais partidárias da esquerda em defesa da vida e dos direitos de todas as pessoas. Não adianta ficarem se posicionando nos varejos genéricos das pautas do congresso nacional, ou do governo, ou da imprensa ou da agenda de julgamentos do STF e STJ. As questões que têm de ser colocadas são de princípios, estruturantes, e no atacado, para atingir, no cerne os objetivos de reconstrução de um país digno para toda sua população e classe trabalhadora. As questões que têm de ser colocadas precisam ser desestruturantes para essa classe dominante genocida, que se alimenta de desespero, opressão e morte.
Não adianta estes discursos genéricos, abertos e vagos que se confundem com o a da mídia da própria classe dominante, como “Vacina Já”, “Vacina Grátis”, se não for retomada a defesa plena da Reforma Sanitária em todos os seus princípios essenciais, inclusive em um princípio fundamental, que é o “SUS”, efetivamente Único, Estatal, 100% Público, em todos os níveis (ambulatórios, clínicas, centrais de exames e de procedimentos especializados, laboratórios, hospitais). E não dá para permitir desvios. O Setorial de Saúde Nacional do PT discutiu e definiu: Dinheiro Público apenas para Instituições públicas…. Recentemente assistimos deputado estadual do PT de MS junto a deputado federal do PSL de MS, defendendo repasses de recursos da ordem de 22 milhões de reais para hospital particular. Outros defendem, e implementam ou implementaram Organizações Sociais em suas gestões do SUS. Foram tão bem que foram “escola” para governos do DEM, do PSDB…
Se não houver defesa de política pública forte na saúde do PT, se o PT não assumir bandeira clara de luta e defesa de um SUS 100% público, estaremos sendo confundidos com todos os outros do PSDB, do DEM, do PMDB, e todas as outras desgraças que vivem do parasitismo no SUS, e destróem o SUS. Não teremos condição nenhuma de resposta, defendendo aumento do orçamento da saúde, desbloqueio dos tetos de gastos, investindo dinheiro público no setor privado. É isso que está ocorrendo. O dinheiro público da saúde, há anos está sendo investido prioritariamente no setor privado nos municípios, e os recursos não chegam lá na ponta do sistema de atenção à saúde. Viram lucro de gestores de instituições privadas, que, por serem privadas, não estão sob controle social e público.
Do ponto de vista da assistência, do ponto de vista epidemiológico para planejamento, continuam em pauta, todas as doenças que já existiam antes da pandemia pelo novo coronavírus, agora com uma assistência muito pior, porque a estrutura de saúde existente está absorvida e em esgotamento pela pandemia. Os Secretários Estaduais e os Secretários Municipais de “Saúde” se resumiram a Secretários da Pandemia pelo novo coronavírus. As outras doenças estão sendo negligenciadas. Mesmo continuando a necessitar de cuidados, os pacientes com doenças crônicas (câncer, diabetes, doenças respiratórias, doenças cardiovasculares) e infecciosas (dengue, zicavírus, chicungunya, sarampo, poliomielite, tuberculose, leishmaniose, hanseníase…) estão sendo ignorados, abandonados e desestimulados a prosseguir em seus tratamentos.
Mesmo diante desse caos todo, nem o Ministério, nem as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, nenhuma instância do SUS faz chamamento e realiza concurso para recompor a força de trabalho em cada esfera, para possibilitar, tanto repor as perdas de profissionais, como abrir novos serviços. E o inverno ainda não chegou com a Gripe H1N1/H3N2, rinites, sinusites, pneumonias, meningites… o que significa, que a depender da intensidade do frio, os dias podem ser bem piores.
Nós temos de defender o tudo que defendíamos antes, mais as demandas de hoje da pandemia. As pautas da saúde são cumulativas.
Seria ótimo que cada representação do PT, vereadores, deputados federais e estaduais, que o Ex-Presidente Lula, o Fernando Haddad, os ex-ministros da Saúde do PT fizessem uma análise, e se pronunciassem pela retomada de consolidação do SUS nos seus princípios fundamentais, com planejamento e formatação de uma grande sistema público, com execução de implantação gradativamente maior, a cada ano mais SUS Público, independente do setor privado, com construções de Unidades Básicas, Centros de diagnóstico e Tratamento e Hospitais, com Plano de Carreira Federal, digno, com remuneração justa, para todos os Profissionais trabalharem em apenas uma unidade de saúde. No Brasil há recursos suficientes. Quem financia a infraestrutura pública e privada da saúde no Brasil é o setor público, seja através do Ministério da Saúde, ou do BNDES, ou de outras fontes públicas. O setor privado no Brasil vive do lastro público. A pandemia pelo novo coronavírus testou, e produziu a prova, que no Brasil, quem responde mesmo, de forma responsável pela saúde em cada recanto do país, é o SUS. Estou assistindo ao setor privado encaminhar seus pacientes para serem atendidos no SUS. No Brasil, o setor privado não promove saúde, comercializa sobre a doença, não se sustenta sem os financiamentos públicos e sem a desoneração fiscal que se permite nos abatimentos no imposto de renda.
Se não tivermos posições estruturantes e claras, podemos cair em engodos e devaneios midiáticos de um ou de outro grupo, que pauta e alimenta a mídia e o público da direita golpista, que ao longo dos séculos comanda o país, sem transformar efetivamente nada na condição de saúde e na qualidade de vida de cada um de nós. Aí passa-se a acreditar em convivência pacífica do SUS com o setor privado. É impossível.
Sobre as Vacinas, podemos ter os maiores centros de produção de imunobiológicos da América Latina. Temos Farmanguinhos/Fiocruz, Instituto Vital Brasil, Instituto Butantã, mas há anos estes centros estão no plano executivo da política de desindustrialização, sem receber os investimentos públicos necessários. Agora não temos resposta rápida para produzir o IFA (ingrediente farmacêutico ativo) para a vacina contra o novo coronavírus. Isso já vem acontecendo há muito tempo. Vejam que até hoje, mesmo tendo conhecimento tecnológico para produzir vacinas contra a influenza para toda a população, as vacinações contra a gripe não são plenas, porque descobriram que, vacinando parcialmente, e permitindo comércio da vacina da gripe em clínicas privadas, só morreriam de gripe os pobres, que não seriam vacinados. E assim se acomodou o sistema, e de gripe só os pobres morrem.
Vejam que no Instituto Butantã não há nenhum símbolo e menção ao SUS. Não vi nada de SUS nas divulgações midiáticas da Coronavac Butantã. É preciso colocar o SUS no Butantã, e incorporar na chamada por “Vacina Já para Todos e Todas”, o SUS 100% Público. “Vacina Já para Todos e Todas no SUS 100% Público”. E vi chamadas por “Vacina Gratuita”. A Vacina não é gratuita, é muito bem paga com impostos originados do trabalho de cada brasileiro, é direito de todos e dever do estado.
Os mandatos e as lideranças do PT têm de dar tudo que podem de si neste momento. Estão protegidos, com o direito e com o dever de representar nossas lutas, pois os servidores públicos, agora, além de esgotados, começam e viver repressão institucional de Estado. As mortes que antes nos eram números estatísticos, agora, a cada momento, ganham caras e nomes conhecidos, e têm histórias nas nossas vidas. Temos de ver nas nossas representações a manifestação ininterrupta, à exaustão, das nossas causas e nossas lutas. Não queremos e nem precisamos chorar por mais mortes que são evitáveis. Porque se forem evitáveis são mortes criminosas, que exigem denúncia de cada representante dos mandatos, das lideranças e organizações de luta social. Não é possível desvio de foco no campo da Luta pela Saúde. É preciso ser firme e assertivo. Não é hora de se posicionar apenas conforme exigência midiática ou por vício, nem de ficar em atitude comodista e contemplativa, é hora de atitude.
O Brasil precisa do SUS 100% público e o SUS precisa do Brasil democrático, popular e socialista!
(*) Ronaldo de Souza Costa é Médico Clínico e do Trabalho e Coordenador do Setorial Municipal de Saúde do PT de Campo Grande-MS