Por Rafael Tomyama (*)
Neste meio de agosto, Lula retomou suas peregrinações pelo país visitando Estados da região Nordeste. No roteiro, algumas agendas com movimentos sociais, investindo nos simbolismos e na emulação da tropa. Mas principalmente nas conversas políticas, temperadas pela amplitude pragmática da conciliação de opostos, como se um passe de mágica tivesse virado a página das camaleônicas matizes do golpismo.
Enfim, na sexta, 20, Lula desembarcou no Ceará. Recebido pelo governador Camilo Santana (PT) no desembarque e em jantar no Palácio da Abolição, sede do governo. No dia seguinte, se fez acompanhar também a uma visita ao Porto do Pecém – nenhum membro do staff cirista no governo se fez presente, apesar de controlar importantes setores no governo – inclusive da direção do próprio complexo portuário.
A vida de equilibrista do governador cearense para acomodar-se com a oligarquia dos Gomes de Sobral (a qual Camilo com frequência se refere sem pudor como “seu grupo”) já esteve menos petista, por assim dizer. Até pouco tempo se especulava que Camilo poderia mudar para o PSB, legenda atualmente sob seu controle, para ficar mais à vontade na disputa eleitoral em 2022. A crescente inviabilidade de Ciro Gomes (PDT) presidente, no entanto, parece ter arrefecido tal impulso e focado mais a discussão em torno do quadro local.
O cirista Camilo
O fato é que Camilo tem no histórico a despreocupação com a construção partidária. O que se evidenciou em sua notória omissão diante da candidatura Haddad, em 2018. embora governistas trabalhassem despudoradamente para Ciro. Além do quadro de resultados partidários nas eleições em 2018 nos 184 municípios do Ceará – inclusive na capital, Fortaleza – nem que não se pouparam esforços para esvaziar candidaturas petistas, visando beneficiar o clã sobralense e seus aliados.
A convivência de Camilo com o campo majoritário, sob a batuta do deputado federal José Guimarães, atual vice-presidente nacional do PT, parece o suficiente, contudo, para garantir a pretensão de uma prenunciada candidatura ao Senado.
A questão é que este movimento recoloca a sucessão nas mãos do cirismo. Isolda Cela, vice-governadora do PDT, assumiria até o final do mandato. A menos é claro, que seja ela mesma candidata.
De todo modo, há questões ainda a serem definidas no tabuleiro da sucessão estadual, considerando inclusive o desgaste do modelo de gestão empresarial-patrimonialista herdeiro do mudancismo pós-tucano que vigora à quase 16 anos com Cid Gomes e Camilo e o crescimento da oposição de direita na populosa Região Metropolitana de Fortaleza.
Agenda positiva (ou alienada)
Voltando a Lula, a agenda “ampla”, digamos, inclui ainda a desenvoltura nas conversas políticas, que vão de Eunício Oliveira (MDB) à Tasso Jereissati (PSDB), até a deferência aos movimentos sociais e culturais, em evento fechado em hotel de luxo à beira-mar de Fortaleza.
Lula chega assim ao Ceará – embalado nos ares-condicionados da terra da prosperidade – não há na agenda a visibilidade de meio milhão de famintos, nem de mais de quinze mil quilômetros quadrados em franca desertificação, nem os números recordes de homicídios e fracasso na segurança pública. Isso tudo agravado pela imersão num cenário geral de desmonte do Estado e de políticas sociais.
A “blindagem” de Lula, por razões sanitárias e de segurança, tem um componente a mais: garantir que as vozes críticas ao subserviente comando majoritário petista no Ceará, estejam cerceadas de se manifestar.
PT no governo?
No mais, o que move é exclusivamente a agenda eleitoral, inclusive a encenação de uma candidatura petista ao governo do Ceará. A retomada do lema “PT lá e cá”, derrotado internamente em 2006, quando o condomínio majoritário fez aprovar o apoio a Cid Gomes (então PSB), ao invés de, na época, insistir com o hoje deputado federal José Airton, que quase havia ganho na eleição anterior do recandidato tucano Lúcio Alcântara.
Zé Airton não diz em que seu modelo de governança seria tão diferente do de Camilo ou dos Ferreira Gomes. Nem poderia. Zé agora faz um discurso “petista raiz”, embora sempre tenha apoiado (e se beneficiado) das alianças de Guimarães com os Gomes. E também seja useiro e vezeiro de alianças, digamos, heterodoxas com a direita nas disputas locais pelo interior do Estado, inclusive na sua própria cidade – Icapuí – caso que foi questionado em processo disciplinar interno, devidamente engavetado pela direção do PT-CE.
Zé parece bem contrariado com a tática palaciana de inflar candidaturas federais concorrentes, usando para isso o manejo de importante fatia de verbas do orçamento estadual junto a prefeituras e agentes políticos locais. Veja a conivência da moralidade partidária com tal situação!
Resta saber, por outro lado, até onde vai o ciclotímico Zé Airton na pretensão de (ou chantagem com a) tal suposta candidatura ao governo.
Para além do oba-oba em torno de Lula, uma pergunta sincera: Por onde andarão as vozes usualmente dissonantes: como as de Guilherme e Luizianne?
(*) Rafael Tomyama é jornalista e petista raiz.