Servidor público demonizado e os cofres do capital financeiro

Enquanto o servidor é demonizado a maior parte do orçamento público continua escoando diretamente aos cofres do capital financeiro

Por Varlindo Nascimento (*)

Em tempos de crise do capitalismo é comum que se debata sobre os fatores que lhe deram origem e as alternativas para a retomada do funcionamento do sistema em condições normais. Nesses momentos as medidas tomadas pelos governos seguem a lógica de cobrar mais sacrifícios das classes populares através de medidas de austeridade, pois os setores hegemônicos não admitem que uma alternativa dissidente à lógica capitalista seja posta em questão.

O projeto de Lei Complementar 39/2020, aprovado pelo senado na quarta-feira (06), determina o repasse de 125 bilhões de reais para estados e municípios como meio de enfrentamento aos efeitos do COVID-19. A contrapartida exigida pelo ministro da economia, agente direto do mercado financeiro, foi o congelamento dos reajustes salariais do funcionalismo até o final de 2021.

É necessário que seja desconstruída a visão alicerçada no senso comum de que a única alternativa à crise é o aprofundamento da própria crise. Uma análise sobre o orçamento público, como funciona e em função de que setores estão direcionados os seus recursos, é necessária para que tenhamos subsídios na construção de um discurso contra hegemônico que contribua para uma virada nessa lógica de espoliação continua.

O gráfico abaixo, resultado do trabalho desenvolvido pela Auditoria Cidadã¹, mostra o percentual do Produto Interno Bruto (PIB) revertido para cada setor a partir da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019:

À primeira vista é tranquilamente observável que as duas maiores fatias do gráfico se destacam em relação as demais.

Segundo a entidade, praticamente 1/4 do PIB de 2019 foi direcionado à previdência pública, o que explicaria o interesse do mercado e de seus agentes dentro da administração do Estado em restringir ao máximo os direitos previdenciários. É necessário lembrar que nos últimos anos foram aprovadas a Emenda Constitucional 95 e a reforma do sistema de previdência, com o claro objetivo de desafogar o orçamento público de obrigações sociais.

De acordo com as informações do gráfico, a finalidade com maior captação de recursos orçamentários, por sua vez, é a única que não se transforma em qualquer tipo de serviço à população, e sob a qual não há qualquer questionamento mercadológico em razão do seu impacto orçamentário. Em 2019 teriam sido gastos 38,27% do orçamento em pagamento da dívida e dos juros gerados por ela. Isso quer dizer que praticamente 4 de cada 10 reais recolhidos em impostos teria sido utilizado para encher os cofres de bancos e fundos de rentabilidade que simplesmente transformam dinheiro em mais dinheiro, a ser, em sua maior parte, exportados para fora do país sem produzir um parafuso, sem gerar um emprego, sem contribuir em absolutamente nada com a economia nacional.

Saúde e educação juntas, por exemplo, fariam jus a apenas 8% do total do orçamento anual.

Segurança pública, transporte, saneamento básico, lazer e ciência e tecnologia receberiam tão parcos recursos que ficam a parte do gráfico, numa tabela a esquerda. A soma de todos eles não representaria sequer 1% do total.

É verdade que esses números sofrem questionamentos no campo da economia em função da metodologia adotada pela entidade, porém, é inegável a sua capacidade de representação do uso contraditório do orçamento público pelo Estado, que impõe mais sacrifícios à classe trabalhadora ao mesmo tempo em que não toma qualquer medida que cobre dos setores privilegiados participação na superação das crises. Isso mostra uma relação de subserviência, onde o Estado funciona em função do Capital e não do conjunto da sociedade.

Diante disso, é cada vez mais necessário que os setores populares espoliados se apropriem dessa realidade, contribuindo assim para que medidas como a realização de um novo marco tributário de taxação progressiva, a taxação de grandes fortunas, a taxação de lucros e dividendos, além da auditoria da dívida existente, ganhem força dentro do tecido social e passem a estar na ordem do dia das lutas populares.

(*)  Varlindo Nascimento é militante petista em Recife, bacharel em Geografia, pós-graduado em Sindicalismo e Trabalho.

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¹A Auditoria Cidadã é uma associação sem fins lucrativos que audita a dívida pública brasileira externa e interna, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Segue abaixo o link com os números do orçamento de 2019 auditados pela entidade:

https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Orc%CC%A7amento-2019-versao-final.pdf

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