Ex-secretária é aposta do PT para voltar a governar terceira maior cidade capixaba

Por Lena Azevedo (*)

Cariacica, terceiro maior município do Espírito Santo, tem histórico político violento, com mortes, impeachment e renúncia de governantes entre os anos de 1980 e 2000. Pode-se afirmar que a estabilidade e os avanços nas políticas públicas, sobretudo as sociais, só aconteceram quando o PT assumiu a prefeitura, nos dois mandatos de Helder Salomão, de 2005 a 2012, aliás, o primeiro prefeito a ser reeleito no município.

Helder estruturou, em 2005, a rede de atenção socioassistencial, integrando o município ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Organizou a cidade economicamente, sendo 18 vezes premiado pela eficiente gestão e pelo apoio às micro e pequenas empresas.

Com a secretária Célia Tavares, historiadora, filósofa, mestre em ciência política e professora, Cariacica desenvolveu, e muito, a rede de ensino e melhorou as condições de trabalho dos profissionais da Educação. Esse histórico de gestões muito bem avaliadas pela população levou Helder e o PT a indicarem a ex-secretária a concorrer à Prefeitura de Cariacica em 2024. Célia disputou as eleições de 2020 e chegou ao segundo turno com muita força e chances de vencer o pleito, mas foi derrubada por uma rede de mentiras por WhatsApp, disparadas pelo atual prefeito bolsonarista e seus aliados.

Quatro anos de destruição das políticas sociais e inércia total aparecem entre as reclamações da população nas pesquisas recentes. A maioria dos moradores expressa insatisfação com a Saúde, que tem atendimento precário, falta de médicos e demais profissionais da área. O município se encontra entre os dez primeiros em incidência de tuberculose e está entre os três do estado que lideram em casos de leishmaniose. Além disso, a sífilis congênita ocupa posição de destaque entre os nove municípios capixabas prioritários, com 80% dos casos, e a dengue, a zika e a chikungunya permanecem como ameaça constante. O município possui 30 Unidades Básicas de Saúde (UBS), algumas em locais inadequados e com problemas de manutenção.

A Educação é outro ponto sensível. O atual prefeito fechou nove escolas e creches, deixando as mulheres que têm que trabalhar sem opção e prejudicando as famílias, que são obrigadas a deslocar seus filhos para estudar em outros bairros. Além disso, o prefeito assumiu, com orçamento municipal, a manutenção de uma unidade militarizada, evidenciando seu viés bolsonarista. Isso sem contar a falta de professores e de estrutura para o ensino.

Apesar de ser delegado de carreira, o atual prefeito também é criticado pela falta de segurança pública na cidade. Depois das 21h, ninguém sai na rua. Tem toque de recolher em muitos bairros e há determinados lugares onde os moradores não têm livre trânsito. A resposta do governante atual são sempre a de repressão. Não há nada de políticas públicas para as juventudes, de emprego e renda, ou melhoria das condições de iluminação, calçamento, nada nesses bairros.

Esse diagnóstico deveria ser suficiente para derrubar os índices de aprovação do prefeito, mas o cenário eleitoral tem uma especificidade que merece ser analisada. O atual prefeito de Cariacica loteou a máquina, agregando as mais diversas forças, inclusive o PV e o PCdoB, que fazem parte da federação do PT, com cargos no governo, e seus titulares não têm nenhuma solidariedade à candidatura de Célia Tavares. Portanto, a situação política de Cariacica se configura quase como uma eleição plebiscitária.

O atual prefeito conta com cerca de 12 partidos para tentar sua reeleição, e começou a campanha com 80% de intenção de voto nas pesquisas, como se fosse candidatura única. Houve um esforço imenso para que a candidatura de Célia Tavares fosse colocada. O PT e os movimentos sociais mantiveram o nome de Célia contra tudo e contra todos e, até mesmo, de parte do próprio PT, que fez corpo mole na questão da manutenção da candidatura. A aliança com o PSOL se mostrou uma ação positiva, um acerto. O vice indicado pelo PSOL, Hudson Vassoler, é servidor público, assistente social da área da saúde, um profundo conhecedor das políticas públicas do município e é extremamente ativo. Hudson é um militante do movimento social nos conselhos, é jovem, com uma energia muito positiva. Isso agregou muito à seriedade, competência e experiência de gestão da Célia, consolidando uma chapa harmoniosa e firme.

Outro aspecto importante é que, diante do impasse provocado por membros da federação que detinham cargos no governo municipal, o PT entrou bastante atrasado no quadro eleitoral. O que se percebe nessa eleição, também, é uma dificuldade grande de engajamento da militância no cotidiano das campanhas – isso acontece não só em Cariacica, mas em todos os municípios. É tradicional que o PT seja um partido de chegada, mas é preciso entender que, nesse cenário do vale tudo da extrema-direita, se o partido não garantir a musculatura das candidaturas agora, com o início dos programas nos meios de comunicação (no caso de Cariacica, só rádio), pelo tempo breve inclusive da campanha, tudo ficará bem difícil na reta final.

O fato de o programa de governo ter sido discutido e dialogado com diversos setores possibilitou uma conexão com as expectativas da população. É importante falar do programa do governo, porque Cariacica pode ser uma cidade inteligente. Falta inteligência ao atual governo. O prefeito é grosseiro, autoritário, não conversa com as lideranças, intimida e persegue servidores públicos e lideranças comunitárias. Com esse perfil intimidador, não é uma pessoa respeitada na cidade. Há um sentimento de revanche silenciosa na população. Tanto assim, que, mesmo com todas as dificuldades, em apenas 15 dias de uma campanha ainda tímida e um tanto desorganizada, o atual prefeito despencou de 80% para 65% e a Célia já alcançou 18%.

O início do programa eleitoral no rádio já passou da fase de apresentação, humanização e aproximação da Célia e do Hudson. Neste momento, a campanha petista vai tratar das relações políticas do prefeito, abordar a submissão da Câmara de vereadores, que não é capaz de fazer a defesa dos interesses da população.

Cariacica é uma cidade dirigida por fake news, e o que o prefeito colocou como seu centro, seu mote, é “chegar às 5h na prefeitura”. Ele pode chegar às 5 horas, até às 4h, mas a saúde não funciona, não tem médicos, o sistema de marcação de consultas não funciona, ele não se dirige ao governo federal para melhorar a saúde. Ele só dialoga com o governador, que, na prática, é o prefeito de Cariacica. O que tem de investimentos, obras, políticas públicas é feito pelo governo do estado, porque o prefeito não tem capacidade de dirigir a gestão.

Dentro desse quadro de ausência total de políticas públicas, Célia já cresceu muito e a percepção e as pesquisas mostram as curvas de queda do prefeito e o aumento de sua rejeição. A campanha de Célia Tavares não apela para fake news e nem ataques ao atual governante. É uma campanha altamente positiva, que faz o diagnóstico dos problemas e aponta as saídas. O programa de governo de Célia Tavares, em suas 47 páginas, é objetivo, propositivo, com ações factíveis e que podem melhorar em muito a situação da população do município.

O apoio do deputado federal Helder Salomão, o mais votado no Espírito Santo, ex-prefeito de Cariacica em dois mandatos e com quem Célia trabalhou como secretária de Educação, tem se mostrado fundamental. Interessante notar, inclusive nas pesquisas, que, apesar de Helder não ser prefeito há mais dez anos, o povo de Cariacica o vê Helder como eleitor número 1, e não o atual gestor. As pessoas querem saber quem é o candidato do Helder e definem seu voto de acordo com esse apoio. E o parlamentar, quando não está em sessão na Câmara dos Deputados, caminha com Célia nas ruas o tempo inteiro. Junte-se a isso a gestão exitosa de Célia na Educação de Cariacica nos oito anos de governo petista e por ter sido candidata na eleição anterior. Tudo isso acaba gerando credibilidade e confiança por parte dos eleitores.

Neste momento, a avaliação é de que a campanha da Célia está indo bem, mas é preciso ter os pés no chão e saber que os desafios são enormes. Por ser uma campanha plebiscitária e o fato de o atual prefeito ter aberto o cofre, com muito dinheiro envolvido para garantir a reeleição, mesmo com todo esse cenário, há possibilidade de ter segundo turno em Cariacica. Ainda que Célia Tavares não chegue à prefeitura, certamente terá uma vitória política muito expressiva, habilitando-a para novas disputas políticas.

(*) Lena Azevedo é jornalista.

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