O 9º Encontro de Mulheres Estudantes da UNE acontece em meio a um cenário caótico: mais de 513 mil pessoas assassinadas pelo governo Bolsonaro; 14,4 milhões de brasileiros desempregados; 19 milhões de brasileiros passando fome, além dos setores que estão a mercê de algum grau de insegurança alimentar, de acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional; escândalos de corrupção na compra de vacinas; e cortes orçamentários de bilhões na educação.
No que diz respeito aos direitos das mulheres, Bolsonaro promoveu, também, o desmonte de políticas e aparelhos públicos de combate à violência de gênero justamente no momento em que nos encontramos com o aumento dos casos de violência doméstica e feminicídios no Brasil em decorrência das medidas de isolamento social. Com a pandemia, todas as mazelas da rede de opressões que se sobrepõem na vida das mulheres foram intensificadas: aumentou em 8,6 milhões as mulheres fora da força de trabalho, a ocupação feminina diminuiu 5,7 milhões e mais 504 mil mulheres passaram a ser desempregadas, a taxa de desocupação cresceu de 13,9% para 16,8%, sendo que a das mulheres negras atingiu a alarmante taxa de 19,8%.
Cerca de 1,6 milhões de trabalhadoras domésticas perderam seu trabalho, sendo que destas somente cerca de 400.000 tinham carteira assinada, mostrando este trabalho, ocupado na sua maioria por mulheres negras, como um espaço de expressão de profundas desigualdades socioraciais. Mais de 2,7 milhões de trabalhadoras informais perderam seu trabalho e renda ou tiveram esta drasticamente reduzida. Mesmo para as mulheres que permaneceram com trabalho, a vida ficou muito mais difícil com os cuidados com os filhos fora da escola, com os idosos da família, com a intensificação do trabalho doméstico, levando a um grande aumento de problemas de saúde física e mental.
As mulheres, que dentro do sistema capitalista sempre foram a linha de frente do cuidado, sofrem ainda mais nesse momento de pandemia. Sem creches e escolas para deixar seus filhos, com o auxílio emergencial insuficiente ou inexistente, sem perspectiva de vacina, as mulheres têm que se dedicar ainda mais para sustentar e cuidar de suas famílias, das crianças, idosos e doentes. No cenário universitário, no qual a assistência estudantil não garante a dignidade dessas mulheres, a situação é também muito grave.
Estamos vivenciamos um período em que há uma enorme desvalorização do nosso trabalho enquanto pesquisadoras nas universidades, diante dos cortes orçamentários direcionados à investimentos de bolsas CNPQ, diminuindo a quantidade de bolsas e consequentemente a remuneração das nossas pesquisas. Como também saímos prejudicadas enquanto mães estudantes, uma vez que tivemos inúmeros cortes no orçamento direcionado à assistência estudantil, um desmonte na política pública de permanência a mães estudantes e trabalhadoras, temos como consequência a desistência cada vez maior das mães estudantes do ensino superior.
Esse momento caótico, embora tenha se agravado com a pandemia, não se iniciou nela. Desde o golpe machista orquestrado contra a presidenta Dilma Rousseff a conjuntura brasileira vem se acirrando. Através das reformas implementadas desde 2016 e da disseminação das fake news, que tinham como objetivo manipular setores da classe trabalhadora, cada vez mais nossas vidas são impactadas. E desde lá, seja nos tsunamis da educação, nas ocupações de 2016, nos movimentos contra a EC 95, conhecida como “Teto de Gastos”, a juventude vem tendo um papel essencial na luta contra o retrocesso.
Frente a tudo isso, crescem nesse momento as manifestações de rua contra o governo genocida e corrupto de Jair Bolsonaro, tendo essas, por imposição da própria conjuntura, uma maior adesão de parte dos setores organizados da classe trabalhadora que no último dia 24 de maio defenderam ficar em casa. A disputa dos atos Fora Bolsonaro pela direita apoiado por alguns setores inclusive da esquerda que defendem a absurda frente ampla com golpistas e defensores das políticas econômicas neoliberais de Bolsonaro, não pode ser alternativa para e muito menos o caminho a ser trilhado para derrubar esse governo genocida, uma vez que dá palco para uma narrativa mais a direita e que assim como Bolsonaro tem um único objetivo: o desmonte dos direitos do povo trabalhador.
Entendemos que é papel das estudantes continuar nas ruas liderando esses processos e puxando os setores moderados. É imprescindível a organização das mulheres jovens contra o capitalismo, o patriarcado, o racismo, a LGBTQ+fobia, a fome e a precarização da vida humana. É nossa tarefa incluir no centro das discussões sobre o projeto político que queremos para o Brasil a necessidade de acumular forças para realizarmos uma Assembleia Nacional Constituinte. A derrubada de Bolsonaro é apenas o começo de uma longa jornada em busca de uma outra sociedade, sem exploração e opressões, uma sociedade socialista.
A luta protagonizada pelas mulheres é histórica e a opressão de gênero é anterior ao próprio sistema capitalista. Assim como a luta de classes é fundamental para a libertação de trabalhadoras e trabalhadores e construção do socialismo, entender como esse contexto interfere de maneira diferente na vida das mulheres é fundamental para traçarmos estratégias que nos tragam a emancipação das mulheres e da totalidade da classe trabalhadora. Por isso, enquanto mulheres estudantes, defendemos a construção de um feminismo que dialogue e organize estudantes trabalhadoras na sua realidade, que paute a luta das mulheres e que seja transversal. Pela vida das mulheres, educação e vacina dizemos: Fora Bolsonaro e Mourão, seu governo e suas políticas! Eleições com Lula já!
Estudantes feministas em defesa de uma educação pública, democrática e popular
A chegada da mulher no ambiente universitário foi resultado de muitas lutas travadas por direitos e igualdade. As mulheres estavam cada vez mais inconformadas com seu destino selado pela sociedade patriarcal, onde as mesmas passariam o resto de suas vidas dedicando-se ao cuidado do lar, filhos e marido. E foi no final do século XIX que no Brasil elas foram conquistando os espaços acadêmicos, com excelentes desempenhos e com a certeza de que era necessário sair da posição subalterna da servidão doméstica.
Com a criação do Ministério da Educação as mulheres tiveram acesso ao ensino superior. A conjuntura atual não é a mesma que antes, as mulheres brasileiras são a maioria no ensino superior, mas ainda enfrentam os resquícios patriarcais como machismo, sexismo, além da luta pela permanência até o sonhado diploma. As estudantes brasileiras começam a vivenciar o sexismo a partir da escolha de sua carreira; a “guetização” dos cursos superiores é o primeiro obstáculo. Cursos na área de exatas são intitulados como “masculinos”, por exemplo a engenharia civil, no qual a maioria dos discentes são homens; e cursos relacionados ao “cuidado”, como por exemplo a enfermagem, são predominados por mulheres. Isso delimita em que lugar a mulher deve estar ignorando suas aptidões e desejos pessoais, um resquício da educação colonial brasileira que inferiorizava a mulher como “sexo frágil”.
Além de encontrarem muitas barreiras em cursos historicamente masculinos, muitas mulheres acabam tendo que assumir o acúmulo de tarefas, que além das acadêmicas, envolvem cuidado com a casa, filhos e família. Tarefas essas instituídas por uma sociedade que ainda as coloca em posição de cuidadoras e destinadas ao trabalho reprodutivo, e quando somadas às cobranças do mundo acadêmico criam grandes barreiras para a permanência estudantil de grande parte das mulheres universitárias.
Com a atual conjuntura, na qual vivemos uma pandemia há mais de quinze meses e temos um governo federal que despreza o vírus desde o início, nega a vacina e já causou mais de 500 mil mortes no país, já teríamos o suficiente para nos preocupar. Porém, em contrapartida, vivemos também uma realidade, que vem sendo posta às claras, que é a das mulheres durante esse período. Nós mulheres estamos sofrendo com alto índice de estresse e cansaço devido ao acúmulo de funções. Isso se agrava ainda mais quando além de trabalhadoras ou mães, somos estudantes.
A educação foi uma das áreas mais atingidas com o atual cenário mundial. Tanto com o acesso limitado da tecnologia, já que temos uma realidade de quase 30% da população sem acesso à internet, computador ou celular, quanto com o apoio insuficiente de muitas universidades e muitas vezes a dificuldade de um espaço adequado para o estudo e pesquisa.
Se o cenário de pesquisa e trabalho já era desigual antes, após as medidas de isolamento, em diversas partes do mundo, pesquisas têm noticiado uma queda considerável na quantidade de submissões de artigos produzidos por mulheres, enquanto as publicações dos homens aumentaram em quase 50%. Isso demonstra claramente a sociedade colonial-racista-patriarcal em que nos encontramos e como a pandemia tem afetado mais as mulheres que os homens.
A violência patriarcal é uma pauta urgente a qual, também, precisamos estar atentos. A universidade precisa intervir nos casos de assédio, importunação sexual ou estupro sofridos pelas mulheres no ambiente universitário, que também são cometidos por docentes, que utilizam de sua posição de poder para exigir favores sexuais das alunas. A violência sexual fere a dignidade das mulheres e as priva de transitar nos espaços físicos da universidade. Um levantamento realizado em 2019, pelo The Intercept Brasil, mostrou que mais de 550 mulheres foram vítimas de violência sexual em Universidades desde 2008, quase 80% dos crimes aconteceram nos campi e arredores. Em 60% dos casos os agressores eram alunos; em 45%, docentes. 550 mulheres é apenas uma parcela do verdadeiro número, se não ignorarmos as denúncias que não foram concretizadas, seja por medo ou por descrença no sistema. Os abusadores usam do privilégio da impunidade para interferir no direito de ir e vir da mulher que deseja vivenciar a experiência universitária com segurança.
A criação de creches nas universidades também é importante para a permanência e assiduidade das estudantes que são mães. Sem rede de apoio, somente há duas saídas: abandonar a universidade ou levar a criança para a sala de aula. A última opção nem sempre é bem vista por alguns professores, e até mesmo alunos, que se sentem incomodados com a presença de uma criança na sala. Maternidade e Universidade são duas variantes que precisam ser conciliadas, a instituição universitária precisa acolher as mães estudantes para que elas também consigam sair do ciclo da subalternidade feminina e atinjam sua ascensão profissional.
Precisamos garantir ainda mais inserção e participação das mulheres no movimento estudantil, avançando a democratização dos espaços. Uma forma disso acontecer é construir espaços de auto organização das mulheres, tanto para empoderar quanto para formação e articulação das nossas lutas.
Os desafios até à beca são inúmeros e precisamos discuti-los para tornar o meio acadêmico o mais democrático e possível para todas as mulheres, pois é de grande interesse do patriarcado manter a mulher longe dos espaços de decisão e manter a relação de dominação em que a mulher é o sexo frágil sem poder e controle da própria vida.
Coordenação Nacional da Juventude da Articulação de Esquerda
Quer construir um movimento estudantil em defesa de uma universidade pública, democrática e popular ? Vem construir a tese Une Para Tempos de Guerra com a gente!
Entre em contato com a nossa coordenação nacional:
@jaenacional13
Sara Cristina (86) 995218332
Ana Flávia (84) 98181272
Marisa (67) 84221150
Assinam esse documento:
Isabelle Rossatto Cesa – DA de Serviço Social, DCE UFSM, UEE RS e MMM RS
Amanda Oliveira – DCE UERJ, UEE RJ e MMM RJ
Amanda Januzzi – CA Pedagogia UFV, Coordenadora JPT Viçosa
Sara Cristina de Carvalho – Vice-presidente da UEE-Piauí e MMM PI
Luana Vitória – Diretora de Mulheres da UEE-PI, Fala Mana
Letícia Diniz – Diretora do DCE UENF e secretária de organização do PT Campos
Esther Tebaldi – Vice Diretora Geral do CACISO UENF
Ana Flávia Lira – Coordenação Geral DCE UFERSA
Cybelle Medeiros – Coordenação Geral DCE UFERSA
Jéssica Hellen Cruz Viana – Ciências Sociais UFPI
Emanuelle Somavila – DCE UFSM e Diretoria da Casa do Estudante I
Giovana Streck – DCE UFSM e MMM RS
Eduarda Trindade – DCE UFSM e MMM RS
Marília Barrios – DCE UFSM e DA da Fisioterapia
Cecília Costa – Direito UESPI
Heloísa Vilela – Letras USP
Rute Maria – Biologia UFPI
Maria de Nazaré dos Anjos – Contabilidade Cesvale