Por Valter Pomar (*)
A pedido de um velho conhecido, que prefere não ter seu nome citado, aqui vai minha opinião sobre as declarações de Lula acerca de FHC.
As declarações a que faço referência são as concedidas no dia 27 de maio à revista Fórum, como se pode ver no endereço a seguir:
https://revistaforum.com.br/politica/e-possivel-ser-democratico-diz-lula-sobre-encontro-com-fhc/
Segundo a Fórum, em cuja transcrição vou acreditar piamente, Lula teria dito o que segue:
“Quando resolvemos no encontrar, é porque tínhamos interesses comuns para discutir. O primeiro deles é o reestabelecimento da democracia no país. Eu digo sempre que era um prazer e era um luxo o Brasil ter o PT e o PSDB discutindo e disputando a Presidência. Era um partido que se dizia social-democrata e outro de esquerda. Era muito gratificante pro povo. Eu perdi duas vezes pro FHC e ganhei outras duas do PSDB e depois a Dilma ganhou mais duas vezes”.
De fato, o PSDB “se dizia” socialdemocrata, embora fosse neoliberal e antidemocrático.
Vamos lembrar da compra de votos para o Congresso aprovar o instituto da reeleição em benefício direto de FHC.
Vamos lembrar do Serra-bolinha-de-papel.
Do Alckmin dizendo que os tiros contra a caravana de Lula no Sul eram culpa do próprio PT.
Vamos lembrar do Aécio golpista.
E do Dória, do Leite etc.
E, principalmente, vamos lembrar de tudo que o PSDB fez para destruir a industrialização, privatizar o Estado, subordinar o Brasil aos EUA e ao capital financeiro, arrebentar com nossos direitos sociais.
Levando em conta tudo isto, é uma ilusão achar que os “interesses comuns” entre PT e PSDB possa estar “o reestabelecimento da democracia no país”.
Afinal, para a “direita gourmet”, democracia e hipocrisia são nomes de ilhas gregas.
Lula ainda tem ilusões no PSDB?
Ou fala isso para disputar os que têm ilusões?
Não sei.
Mas sei que na esquerda tem muita gente que lê esse tipo de declaração e acredita que os tucanos são capazes de regeneração.
Ou pelo menos acredita que – em nome de tirar Bolsonaro – se justificaria passar o pano nestes “sapos não barbudos”.
Esquecendo que nosso problema vai muito além da pessoa física de Bolsonaro, inclui seu governo e seu programa econômico e social.
Programa com o qual os tucanos e a direita gourmet no fundamental concordam.
Ainda segundo a transcrição da Fórum, Lula teria dito que seria “anormal, pra quem ama a democracia, o Brasil ter um presidente tipo Bolsonaro. Porque ele é a negação da política, negação da democracia, do humanismo. Ele é tudo o que a gente jamais esperava que fosse governar esse país”.
“Anormal” para nós que somos de esquerda.
Mas não é “anormal” para a direita gourmet, tucanos incluídos.
Claro, pobres tucanos, eles talvez não previssem que o golpe contra Dilma e a prisão de Lula fossem desembocar na eleição de um Bolsonaro.
Mas quando a possibilidade se apresentou, quando Bolsonaro foi ao segundo turno, o que eles fizeram?
Votaram no professor ou no cavernícola?
Vamos lembrar que o falecido ex-vice-governador de São Paulo, Alberto Goldman foi um dos pouquíssimos líderes tucanos que chamou publicamente a votar contra Bolsonaro.
E FHC?
Segundo ele mesmo, votou nulo.
E agora sente um “certo mal-estar” por ter cometido este crime contra a democracia.
Os detalhes estão aqui: https://oglobo.globo.com/epoca/brasil/fhc-menciona-mal-estar-por-nao-ter-votado-em-haddad-em-2018-24910858
Sente “mal-estar” agora.
Mas em 2020 dizia outra coisa: que era preciso “tolerância” com Bolsonaro.
Tá aqui: http://claudiotognolli.com.br/fhc-pede-tolerancia-com-bolsonaro/
A tolerância de FHC et caterva contribuiu – ainda que indiretamente – para 450 mil mortes.
Sendo assim, me permito ter um certo “mal estar” quando ouço falar em FHC.
Que FHC esqueça do que ele próprio disse ou escreveu, faz parte do perfil moral da peça.
Mas nós não podemos esquecer.
Lula, sempre segundo a Fórum, disse que conversou com FHC “sobre a necessidade da nossa continuidade de luta pela vacina, porque é a única coisa que pode dar a garantia que o povo possa voltar a ter tranquilidade. A gente discutiu também a questão do auxílio emergencial de R$ 600 para que as pessoas possam viver enquanto a pandemia durar. Terceiro a gente discutiu políticas de créditos para financiar pequenas e médias empresas e garantir que a democracia volte”.
Ótimos assuntos para tratar com qualquer um, assuntos aos quais poderíamos acrescentar o teto de gastos e a autonomia do Banco Central, a reforma da previdência e a trabalhista.
Afinal, se quisermos que “a democracia volte”, teremos que melhorar e muito a vida do povo. E não será possível fazer isso, se não revertermos todas as decisões adotadas pelos golpistas – tucanos inclusive – desde 2016.
Mas imagino que Lula não deva ter tocado nestes pontos, por saber muito bem que FHC é hipócrita, mas não chegaria ao ponto de negar o neoliberalismo três vezes.
Nas palavras de Lula: “Quando fui conversar com o FHC, jamais fui conversar para ele não ser candidato. Eu jamais iria pedir pra ele não apoiar o partido dele. O que eu fiz foi um gesto. A gente não precisa combinar sobre programa de governo, mas sobre viver de forma civilizada, mesmo na adversidade”.
De fato, a gente não precisa e não tem como “combinar sobre programa de governo”.
Mas cabe a pergunta: será possível ao PSDB “viver de forma civilizada” conosco?
Foi isso que aconteceu entre 2003 e 2016?
É da natureza do PSDB ser “civilizado” com a esquerda?
Tem gente que acha isso, tem até quem ache que podemos ter uma “visão comum” com a tucanagem.
Da minha parte, prefiro lembrar que foi geralmente em nome da “civilização” que as elites cometeram e seguem cometendo os maiores crimes.
Seja como for, achei ótimo que Lula tenha dito para a Fórum que a democracia pode voltar “ou através de uma decisão de uma CPI que diga que o Bolsonaro tem que sofrer impeachment, pode voltar através das eleições de 2022 (…)”.
Achei ótimo, porque embora não acredite que este desfecho seja garantido, é muito importante que Lula enfatize a defesa do impeachment como uma alternativa, não ficando só na postura de aguardar 2022.
Mas atenção: tanto Bolsonaro quanto as duas direitas vão fazer de tudo para impedir a volta de Lula.
Todos eles podem ser derrotados e serão, desde que – com ou sem conversa – lembremos sempre quem são nossos amigos e quem são nossos inimigos.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT