Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia negra e/ou antirracismo
A análise política conjuntural tem validade , como categoria interpretativa, quando revela a estrutura racista da sociedade brasileira.
A escalada contra o golpe de 2016 e golpistas, sintetizada pelo Fora Bolsonaro, recebeu um impulso extraordinário no dia 29 de maio de 2021. Na encruzilhada e crescimento das mobilizações contra o golpe e o regime, há na agenda o ato de 19 de junho de 2021. Na convulsão de natureza popular em curso, avultam questões fundamentais para o movimento, a saber, quais políticas serão desenvolvidas pela mobilização de 19 de junho de 2021? Defendemos uma frente única de esquerda e popular, com ênfase no PT, que é , do ponto de vista numérico, maioria no conjunto dos movimentos sociais, sindicais e o principal alvo da política da direita, da extrema direita, da burguesia branca brasileira e do imperialismo igualmente branco.
Outro ponto a ser considerado passa pela organização da frente única popular e de esquerda. Em outros termos, é preciso massificar o movimento e organizá-lo nas categorias de trabalhadores (as), na CUT, nos bairros, nas cidades e nos movimentos sociais negros, entre outros, com plenárias e com uma política que não se limite ao ato, mas na produção de uma estratégia de conjunto contra o golpe, o racismo e o regime golpista. Negritando que damos voz e lugar, na análise de conjuntura, à luta contra o racismo, relevamos a dimensão racializada pela branquitude do golpe de 2016 e os seus efeitos na atualidade. A propósito dos efeitos, eles estão (e são) materializados pelas chacinas e execuções cotidianas de negros (as).
Sendo assim, quais as políticas e as tarefas dos movimentos negros na organização, na mobilização e no pós ato de 19 de junho de 2021? Como parte da resposta, é útil informar que os movimentos negros, os coletivos de negros e negras dos partidos de esquerda, dos coletivos antirracismo da CUT e das categorias sindicais precisam e devem marcar presença nos atos . Dessa forma, é um dado a ser considerado, os atos serão hegemonizados por uma maioria negra, que será reflexo da própria mobilização. A organização dos coletivos , dos movimentos negros e a intervenção têm a tarefa orgânica de desenvolver uma política de conjunto contra o golpe, contra Bolsonaro e, na mesma reação e ação, impulsionar a luta contra o racismo.
A política dos trabalhadores(as) e dos movimentos populares será o centro do ato na sua composição de classe e raça, isto é, teremos, a exemplo dos atos realizados pró Dilma e contra o golpe de 2016, uma maioria negra nos atos de 19 de junho de 2021. Os atos devem, então, consolidar a bandeira do fora Bolsonaro e golpistas, a luta contra o racismo e a violência policial, vacina para todos (as) e a consolidação de uma frente única dirigida e controlada pelos trabalhadores (as), pelos movimentos sociais e populares. O movimento deve rechaçar qualquer palavra de ordem e política conciliadora, direitista ,manifestada e maquiada pela frente ampla, que é golpista, hegemonizada pelo verde amarelo e comandada pelo centrão, a rigor, direitão.
A Frente Ampla, de linhagem verde amarelo e antipovo, deve ser rechaçada com a radicalização de classe e antirracismo, que possibilitam a superação das desigualdades raciais, que é um dos pilares da negrada e/ou do antirracismo nos atos e na definição da política de conjunto e de matriz popular.
Outro problema a ser superado, nos atos e na produção da política popular para derrubar o regime, é o antipetismo de parte da esquerda, que elege, de modo equivocado num processo dirigido pela burguesia branca, o Partido dos Trabalhadores como o inimigo central ou principal. Visão profundamente equivocada e a serviço da direita, que é, tal como ocorre e ocorreu no golpe de 2016 e operação Lava Jato, reproduzida por setores de esquerda e igualmente por setores expressivos dos movimentos negros brasileiros.
É fundamental a participação dos movimentos negros nos atos e na definição da política, que não pode ser da ordem e sim radical no que concerne à superação do racismo, do capitalismo e do imperialismo. Organizar plenárias e deliberar, a partir dos comitês, entre outros, que organizam a caminhada de 1 milhão contra o racismo, a tática e a estratégia contra o golpe, contra Bolsonaro e, na intervenção , priorizar e encruzilhar a luta contra o racismo, a violência policial e a radical transformação da estrutura da sociedade brasileira, que assegura privilégios para brancos. Outro ponto que merece reflexão tem relação direta com a falta de iniciativa da esquerda, especialmente do PT, processo que gerou inércia e uma política de paralisia popular e dos trabalhadores(as). Vale dizer, do ponto de vista de acúmulo de força e de rua, que a Frente única de esquerda foi (e é) o resultado, como marco inicial, da força dos ativistas e da sociedade mais ampla impulsionada pela realidade dada pelo golpe de 2016, pandemia e violência policial.
O antipetismo é motor dos golpistas e da frente ampla
É necessário uma retomada analítica do antipetismo e da frente ampla. Vamos a ela. A política perigosa, delimitada pelo antipetismo de setores da esquerda, coloca e atualiza a versão “esquerdista” pequeno burguesa do golpe de 2016. A parcela da esquerda, que tem o PT como o inimigo fundamental a ser combatido, defendeu a Lava Jato e as prisões de Zé Dirceu e do ex-presidente Lula. Os agentes dessa política precisam ser combatidos e vencidos no processo de organização e na formulação politica popular. A Frente Ampla, no mesmo pacto da pequena burguesia, apresenta uma análise reducionista e personalista de Bolsonaro, que induz a grave erro político e dificulta a disputa de poder. Bolsonaro enquanto pessoa não é o problema ou o centro. O foco da esquerda e dos movimentos negros é ( deveria ser ) o sistema que o sustenta e o reconduzirá ao planalto central em 2022.
Bolsonaro deve ser entendido, e mais ainda combatido, a partir dos seus produtores e sustentadores políticos efetivos. Quem o sustenta? O sistema financeiro, a imprensa golpista sem exceção, o judiciário e o STF. Os partidos de direita no seu conjunto e especialmente o PSDB, DEM e PMDB governam com e para garantir Bolsonaro. Apenas os partidos golpistas oficiais? Não, há o Partido Militar e com ele o sistema policial, que é instrumento e braço de repressão orgânica do regime atual e da burguesia branca histórica. No contexto brasileiro, a burguesia branca sempre se vale, como classe social perversa e racializada, das ações repressivas cotidianas, socioespaciais e racistas, que têm como alvo os índios(as), os negros(as), as suas crianças, os jovens desse segmento etnicorracial e os pobres.
(*) Fausto Antonio é professor da Unilab – BA, escritor, poeta, dramaturgo e articulista da TV Matracas.