Artigo de Bruno Costa, assessor da Liderança do PT no Senado, sobre o projeto “Future-se” do Ministério da Educação do governo Bolsonaro. Página 13 divulga o artigo publicado originalmente no site do PT no Senado.
FUTURE-SE agrava sucateamento de universidades e IFs
Nesta quarta-feira (17/07), apenas cinco dias após milhares de estudantes de todo o país ocuparem a Esplanada dos Ministérios em defesa da educação, da geração de emprego e renda e contra a reforma da previdência, o Ministério da Educação realizou uma cerimônia para a divulgação do programa denominado “FUTURE-SE”, que teria como objetivo fortalecer a autonomia financeira das universidades e institutos federais de educação, ciência e tecnologia.
De acordo com a estrutura do programa, submetido à consulta pública através de uma plataforma virtual até o dia 07 de agosto de 2019, a suposta autonomia financeira será derivada de contratos de gestão firmados pela União e pelas Instituições Federais de Ensino com Organizações Sociais (OS) – sem a necessidade de chamada pública – e do fomento à captação de recursos próprios.
As Instituições Federais de Ensino poderão aderir ou não ao FUTURE-SE, porém, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, verbalizou que a adesão voluntária permitirá “separar o joio do trigo”, deixando nas entrelinhas que as instituições que não aderirem ao programa serão discriminadas pela atual gestão do MEC.
Os contratos de gestão entre a instituições de ensino e as organizações sociais deverão estabelecer, dentre outros, plano de ação para os próximos 04 anos do contrato; metas de desempenho, indicadores e prazos; sistemática de acompanhamento e avaliação de resultado, com indicadores de qualidade e produtividade; diretrizes na governança e na gestão da política de pessoal, incluindo a observância de limite prudencial e critérios para a realização da despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza.
Trata-se nitidamente de uma reforma empresarial da educação, que agride a autonomia das instituições federais de ensino e transfere para entidades privadas (organizações sociais) o processo de gestão dos recursos relativos a investimentos em empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Ademais, as organizações sociais também terão o papel de apoiar a execução dos planos de ensino, pesquisa e extensão das instituições de ensino; e de auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis dessas instituições. De que modo? Através de “centros de serviços compartilhados, com a finalidade de melhorar os procedimentos de gestão e reduzir os custos”. Ou seja, universidades e institutos federais que já estão com o seu funcionamento ameaçado devido ao contingenciamento de recursos imposto pelo governo Bolsonaro terão de se adequar a um modelo empresarial de gestão para reduzir ainda mais suas despesas, o que pode significar o fim do tripé ensino-pesquisa-extensão e a redução drástica dos programas de assistência estudantil.
Dentre as cláusulas que devem constar nos contratos de gestão entre as instituições federais de ensino e as organizações sociais estão, dentre outras, diretrizes de governança e de gestão da política de pessoal, incluindo a observância de limite prudencial e critérios para a realização da despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza, o que explicita a intenção governamental de reduzir o quadro de servidores efetivos das universidades e institutos federais de educação, na contramão do processo de expansão e democratização do ensino superior e da educação profissional e tecnológica desencadeado nos governos do ex-presidente Lula e da ex-presidenta Dilma.
A política de fomento do FUTURE-SE é no mínimo controversa, uma vez que baseada no repasse de recursos orçamentários e na doação de bens imobiliários para as organizações sociais participantes do programa; na transferência da administração dos bens imobiliários da Secretaria de Patrimônio da União para o Ministério da Educação; na transformação do MEC em um player do mercado financeiro através de aplicações em fundos de investimentos; na doação da rentabilidade das cotas dos fundos de investimentos para as organizações sociais; e na constituição de um fundo vinculado ao MEC, que teria a função de fortalecer a autonomia financeira das instituições federais de ensino participantes do programa.
Esse fundo será constituído com receitas decorrentes: da prestação de serviços compreendidos no objeto das instituições de ensino, tais como estudos, pesquisas, consultorias e projetos; da comercialização de bens e produtos com a marca das instituições apoiadas; da alienação de bens e direitos; das aplicações financeiras que realizar; de direitos patrimoniais, tais como aluguéis, foros, dividendos, bonificações, comodatos e concessões; da exploração de direitos de propriedade intelectual; de acordos e instrumentos congêneres que realizar com entidades nacionais e internacionais; de matrículas e mensalidades de pós-graduação lato sensu nas universidades federais; de doações, legados e subvenções realizados por pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou público, inclusive de Estados, Distrito Federal, Municípios, outros países, organismos internacionais e organismos multilaterais; de ganhos de capital e rendimentos oriundos dos investimentos realizados com seus ativos; da quantia recebida em decorrência das leis de incentivo fiscal; das doações da rentabilidade das cotas do MEC nos fundos de investimento; e de rendas provenientes de outras fontes.
Percebe-se, pois, a centralidade das organizações sociais no programa FUTURE-SE, e a intenção explícita do MEC de implementar um modelo de gestão empresarial, em detrimento da autonomia das instituições federais de ensino e dos investimentos públicos em educação, pesquisa, ciência, tecnologia e inovação.
Intenção que resta escancarada quando o programa estimula a criação de Sociedades de Propósito Específico (SPE) no âmbito de cada departamento das instituições federais de ensino, para que as instituições possam incorporar um percentual do lucro auferido por essas sociedades, que seriam responsáveis por operar parcerias público-privadas.
A estrutura do programa denota que o governo Bolsonaro não pretende rever a política de austeridade que ameaça a manutenção das universidades públicas e institutos federais, uma vez que o programa, absurdamente, permite que as instituições federais de ensino concedam a pessoas físicas ou jurídicas o direito de nomear uma parte de um bem, móvel ou imóvel, de um local ou evento, em troca de compensação financeira (“naming rights”).
Dentre as prerrogativas do Comitê-Gestor do FUTURE-SE, que terá sua composição e seu funcionamento definidos em regulamento, chama atenção a prerrogativa de “garantir a estrita observância dos limites de gasto com pessoal”, o que é mais um sintoma de que o programa é apenas uma faceta da política de austeridade fiscal que ameaça a manutenção das universidades e institutos federais de educação.
Merece destaque ainda o fato de o Ministério da Educação não ter envolvido os reitores, docentes, servidores técnico-administrativos, estudantes ou suas entidades representativas no processo de formulação do programa, que ainda necessita ser devidamente formatado e encaminhado ao Congresso Nacional, o que está previsto para ocorrer no decorrer do mês de agosto ou de setembro.
Sob o pretexto de fortalecer a autonomia financeira das instituições federais de ensino, o Ministério da Educação está impondo, sem o necessário debate, uma reforma empresarial da educação, que fragiliza a função social das universidades e dos institutos federais de educação, mantém ameaçada a manutenção das instituições, inviabiliza o processo de democratização do acesso ao ensino superior público e abre um horizonte de incertezas para a produção científica e tecnológica em nosso país.
A retórica governamental parte do pressuposto de que o Brasil já investe suficientemente em educação e de que é preciso aprimorar a gestão para fazer mais com menos, a partir de diretrizes e mecanismos de gestão empresarial, especialmente em um ambiente de aguda crise fiscal. Mas essa retórica se desmancha no ar quando inserimos no debate a concessão de benesses tributárias a setores do capital (agronegócio e petrolíferas, por exemplo), a isenção de tributos sobre lucros e dividendos (inexistente nos países da OCDE, à exceção da Estônia), a regressividade do sistema tributário brasileiro e a política de austericídio fiscal em curso, que impede a retomada do crescimento econômico, a geração de emprego e renda e consequentemente o crescimento da arrecadação.
Não podemos ter nenhuma dúvida: o caminho para garantir a manutenção das universidades e institutos federais de educação, viabilizar a continuidade do processo de expansão e interiorização, e impulsionar os investimentos em pesquisa, ciência, tecnologia e inovação passa pela defesa intransigente do caráter público e gratuito das instituições federais de ensino, pela revogação da Emenda Constitucional 95/16, por uma reforma tributária de caráter democrático-popular e consequentemente pela permanente mobilização social contra esta reforma empresarial da educação.