Gente que faz o SUS acontecer: Gestão do Trabalho e Educação na Saúde terá conferência após oito anos

Etapa municipal já está em curso e a nacional será em novembro

Por Nayara Oliveira (*)

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) convocou, ainda em 2023, a 4ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, cujo tema é Democracia, Trabalho e Educação na Saúde para o Desenvolvimento: Gente que faz o SUS acontecer. Os prazos para que suas etapas ocorram estão assim definidos: a etapa municipal/regional deve acontecer até abril de 2024; a estadual/distrital, em maio e junho; as conferências nacionais livres, até junho; e a etapa nacional, de 19 a 22 de novembro.

Desde 2006, não há conferências sobre essa temática, o que chama a atenção para o quanto é “para inglês ver” o discurso de que a questão do trabalho em saúde é estratégica para o SUS. Com a pandemia, essa situação foi colocada em carne viva, pois o que os trabalhadores da saúde experimentaram, como morte, adoecimento, dor, desproteção, negacionismo, falta de valorização e desamparo, ficaram marcadas como resposta por sua dedicação e atuação no enfrentamento que fizeram por estarem na linha de frente contra o Coronavírus. Ainda hoje, uma categoria chave para o SUS, como a da Enfermagem, amarga todas as dificuldades para ver cumprida a lei que estipula seu piso profissional de forma definitiva em todo o território nacional.

No início de fevereiro, o CNS divulgou um documento orientador[1] de 42 páginas, no qual desenvolve uma extensa análise e aponta rumos para o debate, envolvendo eixos fundamentais para tratar de assunto tão espinhoso e com inúmeros dilemas para o SUS, tais como: 1) a Democracia, controle social e o desafio da equidade na gestão participativa do trabalho e da educação em saúde; 2) o Trabalho digno, decente, seguro, humanizado, equânime e democrático no SUS: uma agenda estratégica para o futuro do Brasil; e 3) a Educação para o desenvolvimento do trabalho na produção da saúde e do cuidado das pessoas que fazem o SUS acontecer: a saúde da democracia para a democracia da saúde.

Este documento levanta questões que servirão para que as comissões organizadoras em cada canto desse país se apropriem, o modifiquem diante das realidades locais e tragam para o centro do debate e a construção de propostas o que será necessário tratar e enfrentar, como a falta de democracia nas relações de trabalho; o assédio moral; a precarização dos vínculos trabalhistas; a falta de condições de trabalho e descuido com a saúde das trabalhadoras da saúde (gênero da maioria da força de trabalho no SUS); a falta de planejamento e de contratação por concurso público de contingentes que atendam às necessidades da população brasileira, especialmente os mais vulneráveis, em quantidade e qualidade; a inexistência de uma carreira de estado interfederativa multiprofissional com financiamento tripartite; a precariedade e descoordenação das atividades de formação e educação voltadas aos seus profissionais e à gestão profissionalizada, para viabilizar, “na real”, atividades contínuas e bem estruturadas que valorizem, reconheçam e desenvolvam a força de trabalho que atua com a saúde do povo brasileiro, correspondendo com coerência a produção do trabalho na saúde com dignidade, democracia, segurança, humanização e equidade.

Em Campinas, vamos realizar a 2ª Conferência Municipal de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde Maria Filomena Gouveia Vilela, sendo que a primeira ocorreu em 2005. Nosso SUS tem como característica histórica ser uma rede que se constituiu de forma territorializada e com responsabilidade sanitária ainda antes de 1988, graças a valorosas sanitaristas que estruturaram práticas e reflexões que serviram de farol para muitas outras profissionais que vieram aqui aportar, aprender e desenvolver suas capacidades, em meio à luta renhida de um Movimento Popular de Saúde que sempre pressionou para que o direito à saúde fosse garantido a toda a população.

Nas duas últimas décadas de muitos ataques privatistas, corrupção, descoordenação e deslegitimação gestora e redução gradativa da participação municipal no montante de recursos da saúde, Campinas vem padecendo de um gradativo desmonte de sua rede, desmobilização de seus ativistas e uma descaracterização do trabalho profissional e gerencial, em meio a muita burocratização nas ações e no funcionamento dos serviços, clientelismo, baixa corresponsabilização e autonomia de ação, autoritarismo nas decisões, perseguições e precariedade nas relações de confiança.

Em que pese esse quadro desalentador, o Conselho Municipal de Saúde vem “puxando e empurrando” a organização dessa 2ª Conferência marcada para os dias 19, 20 e 21 de abril, cujo nome homenageia uma pessoa que é símbolo de uma trabalhadora-pesquisadora-professora-estudante-gestora-militante-defensora do SUS da cidade, do estado e do país. Foi constituída uma comissão organizadora com 36 pessoas dos três segmentos que compõem o sistema (usuários, trabalhadores e gestores) de forma territorializada e que está, neste momento, às voltas com suas etapas preparatórias, ou seja, a realização de quatro conferências temáticas, cujos temas em debate servirão para produção de propostas e eleição/indicação de representantes para a etapa municipal.

Temos percebido uma forte vontade de participação das trabalhadoras e esperamos honrar a responsabilidade de criar um espaço legítimo, democrático e estimulador do debate e da produção de propostas que contribuam no fortalecimento da aliança entre usuárias e trabalhadoras para reversão e reorientação do SUS Campinas na construção da universalidade, equidade e integralidade, alicerçadas em sua original fonte criadora, a participação popular na saúde.

(*) Nayara Oliveira é integrante do Setorial Nacional de Saúde do PT; usuária e militante do Movimento Popular de Saúde de Campinas.


[1] Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/images/4cngtes/Documento_orientador_4CNGTES.pdf.

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