Por Valter Pomar (*)
Para quem gosta, os últimos dias foram inesquecíveis.
Primeiro, a votação da PEC do “voto impresso”: 229 votos favoráveis, 218 contrários e uma abstenção.
Ou seja: a maioria da Câmara apoia a tese, inclusive parlamentares do PSB e do PDT.
Apesar de majoritária, a PEC não alcançou maioria qualificada (308 votos) e foi arquivada.
Impedimos mais um retrocesso, o que é motivo de comemoração.
Mas o “sangue lusitano” que corre em algumas veias estimula o lirismo e teve gente comemorando a “vitória da democracia”.
O entusiasmo rapidamente virou pânico, quando o presidente da Câmara – que deveria levar o título de imperador alterno – colocou para votar o “distritão”.
Na operação, Arthur Lira recebeu a ajuda preciosa – a que preço? – de gente da esquerda, que votou a favor da proposta na comissão encarregada, que aprovou um relatório em que havia de tudo: distritão, volta das coligações proporcionais e até eleição múltipla para presidente da República.
O entusiasmo da antevéspera se tornou o pânico da noite: afinal, a aprovação do “distritão” alteraria estruturalmente o sistema político eleitoral brasileiro.
Por “alteração estrutural” entenda-se: o que já é muito ruim – um congresso dominado por homens brancos ricos – se tornaria ainda pior, uma vez que o distritão reduziria drasticamente a representação proporcional das “minorias” (nome inadequado que muitas vezes serve para designar maiorias que não conseguem representação adequada por causa das “regras do jogo”).
Há controvérsias sobre o que aconteceu na noite de 11 de agosto.
Mas fomos dormir com o desfecho que alguns já previam: para evitar o “pior” (o distritão), votou-se um “acordo” que resultará na volta das coligações proporcionais.
Um retrocesso, em nome de evitar um desastre.
Na opinião de alguns, este era o resultado pretendido desde o início: voto em papel, desfile militar, distritão teriam sido apenas “cortina de fumaça”.
Na opinião de outros, o risco era real.
Vai saber qual a verdade…
Mas tem algo que é certamente mentira: o que aconteceu não foi de forma alguma algo que possa ser apresentado como uma vitória da “democracia” ou do “Estado de direito” (o Santo Graal da esquerda liberal).
O que aconteceu foi, isto sim, uma vitória do “estado da direita”, que desde 2016 está nos fazendo andar para trás, do ponto de vista econômico, social, cultural e político.
Dourar a pílula não adianta nada.
A dinâmica da luta de classes nos últimos anos tem sido esta: a direita ataca com tudo, em favor de seu programa máximo.
A esquerda, para evitar o que parece ser uma derrota total, recua.
O ataque da direita é detido.
A esquerda comemora, pois “podia ser pior”.
E podia mesmo.
Mas a questão é: o copo está meio vazio ou meio cheio? Foi uma vitória parcial ou uma derrota parcial?
Quando olhamos o processo de conjunto, percebe-se que está em curso um “golpe em prestações”.
Claro que as prestações não são suaves para todo mundo: alguns reduzem a compra do mês, outros passam fome, alguns perdem parte do salário, outros perdem os empregos, alguns perdem os direitos, outros perdem a vida.
Podia ser pior? Podia.
Mas não há porque cantar vitória.
Pois nesse ritmo, o porvir será muito atrás da linha de partida, já que estamos indo em direção ao passado.
O que ajuda a entender por quais motivos parte da esquerda confunde 2022 com 2002, sem perceber que essa “estrada do tempo” desemboca no quartel: no primeiro quartel do século 20.
E o pior é que tem gente da esquerda que comemora.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT