Por Valter Pomar (*)
Avisado eu fui. Mas, por recomendação médica, decidi não assistir à performance de Fernando Haddad no programa Roda Viva de 6 de julho de 2020. Péssima opção, pois foi que nem faltar ao jogo de ontem ou ao último capítulo da novela: quem não viu, não consegue participar da conversa com os amigos, nem com os inimigos.
Graças a ajuda de uma amiga, consegui a transcrição da entrevista (ver link ao final) e, afrontando as diretrizes de meu amigo Esculápio, entrei na Roda Viva, sob comando de Vera Magalhães e tendo na bancada Andrea Jubé, colunista em BSB do Valor; Bela Megale, colunista de O Globo; Flávio Costa, do UOL; Ricardo Balthazar, repórter especial da Folha de SP; e Vera Rosa, repórter especial em BSB do Estadão.
Vale dizer que, contando com esta e salvo engano, Haddad já esteve cinco vezes na Roda Viva. Assim, não deve ter se surpreendido com a pergunta inicial de Vera Magalhães, que reproduzo abaixo:
O senhor esteve aqui na eleição de 2018 e na época se falava na criação de uma frente ampla para a sua candidatura. Acabou não acontecendo, o Ciro Gomes não aderiu. E, agora, diante aí de alguns arroubos autoritários do presidente da República, tenta-se criar de novo essa frente. No último dia 26, o senhor participou de uma live do projeto Direitos Já que uniu mais de 100 pessoas com esse objetivo. Mas não estiveram nem o ex-presidente Lula, porque não quis, nem o ex-ministro Sergio Moro, porque não foi aceito por todos. É possível falar de Frente Ampla já partindo da exclusão de dois dos principais agentes da política brasileira? Isso não acaba beneficiando Jair Bolsonaro? Essa oposição da lava-jato, o Brasil não tem que superar essa fase?
Haddad começa dizendo que com Bolsonaro o Brasil “corre muitos riscos”. E que o Brasil elegeu, em 2018, uma pessoa “sem nenhum compromisso com a democracia, e sem nenhum compromisso com a gestão pública”. Lembra que temos a “pior gestão de crise, talvez do planeta. Não é pouca coisa o que tá acontecendo no Brasil, em termos econômicos e de saúde pública”. Agora, diz Haddad, sua preocupação é que “não se repita o cenário de 2018. É óbvio que nós não temos o mesmo projeto pro Brasil. Os democratas têm projetos diferentes pro Brasil, mas todos pressupõem a democracia”. E para o caso de alguém não ter entendido, ele reitera: “todos os nossos projetos, por mais diferentes que sejam, pressupõem a democracia”.
Será que isto que Haddad fala é uma descrição correta da realidade? Será que aqueles que votaram a favor do impeachment de Dilma, os que aplaudiram a condenação e prisão de Lula, têm mesmo como “pressuposto a democracia”?? Eu gostaria que isso fosse verdade, mas me parece apenas wishful thinking.
Para ser mais claro: uma coisa é denunciar a falta de compromisso com a democracia, por parte dos que se autoproclamam democratas; outra coisa é pressionar para que estes autoproclamados assumam efetivos compromissos com a democracia; e uma terceira coisa, completamente diferente, é distribuir medalhinha de democrata a quem não merece. Como é o caso do jornal Folha de S. Paulo, aquele dos carros postos a serviço da repressão durante a ditadura, que Haddad cita estar, agora, “gastando dinheiro fazendo campanha pela democracia”.
Haddad encerra a resposta dizendo que não acredita no “Jair Paz e Amor”, fantasia assumida pelo cavernícola depois da prisão de Queiroz. Segundo Haddad, “é uma estabilidade, que tá sendo comemorada, que é falsa”.
Vendo que Haddad não se referiu ao indigitado, Vera Magalhães pergunta: E o senhor coloca o Moro no rol dos democratas?
Haddad responde que “do meu ponto de vista, e falo isso como advogado formado em Direito por uma boa universidade… eu não consigo ver hipótese da ação do Lula não ser considerada suspeita, contra o Lula. Eu não tô falando da Operação Lava-Jato… Eu acho que o combate à corrupção é uma coisa que deveria nos obrigar a todos, né, onde quer que nós estejamos”…
A apresentadora interrompe Haddad e diz: Não. A gente pode discutir isso mais pra frente. Desculpe, prefeito, mas a pergunta é: Se ele é um democrata que pode estar numa frente como essa.
Haddad então responde que “Moro não cumpriu a sua função de juiz. E ele usou o seu cargo de juiz pra começar sua vida pública, na política. Isso não é atitude de um democrata”.
A pergunta seguinte é feita por Flávio Costa (UOL): você acha que o eleitor que votou em você em 2018 está contente com seu desempenho como líder da oposição ao Bolsonaro?
Haddad responde que isto deve ser perguntado aos eleitores. E emenda que “o desempenho de você na oposição depende muito dos espaços que você cava pra se apresentar. E é muito difícil, no ambiente atual, a oposição conseguir esses espaços”. E reclama que não tem sido chamado pelos meios de comunicação para opinar, “sequer sobre educação, sendo que eu sou o brasileiro vivo que mais tempo passei à frente do Ministério da Educação”.
Fala que sempre foi crítico da “maneira como a gente organiza o debate público no Brasil”. E revela que, nos bastidores, elogiou a Vera Magalhães pela “maneira como tá conduzindo o Roda Viva”.
Neste momento lembrei das recomendações médicas. Mas sigamos.
O jornalista diz, então, que essa frente ampla que você quer fazer desde 2018 que nunca vai para frente, não sai do papel. Na verdade, nem no papel…
Haddad responde que “nós estamos confundindo o conceito de frente ampla”. E retoma as críticas a Bolsonaro, critica também Guedes e lembra que “nós alertamos as pessoas”. E emenda: “se o Fernando Henrique achou por bem anular o voto, se o Ciro achou por bem deixar o país”.
Vera Magalhães chamou a pergunta seguinte, mas Haddad seguiu falando: “Você há de convir que as perguntas têm que ser feitas também pra quem imaginou que as coisas podiam transcorrer normalmente com Bolsonaro na Presidência”.
Vera chamou de novo a pergunta seguinte, e Haddad também seguiu falando: “Eu não tô aqui querendo buscar, ficar fazendo conta de culpados”. E fez novas críticas a Bolsonaro, agora de subserviência a Trump.
Em sua vez de perguntar, Andrea Jubé, colunista em BSB do Valor, disse que caravanas de petistas foram ao ex-presidente Lula implorar para que ele convencesse o senhor a ser o candidato do partido na disputa pela Prefeitura de São Paulo, ainda que com chances de não ganhar, e o senhor acabou de falar que a derrota é natural, que o presidente Lula perdeu várias vezes, que a derrota seria natural, mas que seria a hora do senhor ser o candidato. Por quê? O senhor é o principal capital político do PT, com 47 milhões de votos na última eleição, seria hora de fazer a defesa do projeto, de fazer uma oposição com visibilidade nacional ao presidente Bolsonaro, de, inclusive, também, de ajudar a eleger mais vereadores, e o senhor se mostrou irredutível. É… A crítica de alguns petistas é de que seria a hora, entre aspas, do senhor fazer o sacrifício pelo partido, mas que, por questões pessoais, o senhor preferiu não ser candidato. Eu queria lhe ouvir sobre isso.
Haddad começa lembrando que disse que “não seria candidato um ano e meio atrás”.
Pausa para as contas : 1 ano e meio são 18 meses, como estamos em julho de 2020, 1 ano e meio atrás é janeiro de 2019. Portanto, teria sido logo depois da eleição de 2018 que Haddad informou que «não seria candidato em 2020”. A seguir Haddad fala sobre sua trajetória como ministro, depois como candidato a prefeito, depois como candidato a reeleição em 2016, depois como candidato a presidente em 2018, para concluir: “Então alguém vai falar de sacrifício pra mim?”.
A jornalista pergunta: O senhor acha que já deu a sua cota de sacrifício?
Haddad retoma a palavra e conta “mais uma coisa: Quando o presidente Lula _ porque houve um convite ao Ciro Gomes para ser vice na chapa, houve ao Jacques Wagner ser vice na chapa _ e quando o Lula me convidou para ser vice depois desses dois convites feitos, _e eu sabia dos dois, eu sabia que eu não estava sendo convidado, né, de primeira mão, que eu tava, né _ o Lula ainda falou para mim: “Haddad você tem consciência do que pode te acontecer na campanha? Você sabe que você pode ser vítima de um atentado? Você pode sofrer processos judiciais, você pode ser preso, só porque você tá defendendo a bandeira do PT. Você tem consciência disso?” _ antes de validar meu nome. Eu falei: “presidente, eu não vou dizer não, pode faltar uma semana, eu vou, e vou disputar pra ganhar, eu não vou cumprir tabela, eu vou disputar pra ganhar”. Então não dá, não dá pra ser assim, sabe”.
Leio e releio as respostas de Haddad. Confesso que não entendo como chamar de “sacrifício” ter sido ministro ou prefeito de São Paulo. Ter sido candidato à reeleição em 2016 era o óbvio. E ter sido convidado, pouco importa se como primeira, segunda ou terceira opção, para ser candidato à presidência da República é uma honra, não um sacrifício. Claro, no ambiente privado, é compreensível uma resposta deste tipo. Mas em um ambiente público, quem está respondendo não é a pessoa física, mas a pessoa jurídica. E até onde eu consigo ver, a pessoa jurídica não cometeu nenhum sacrifício, muito antes pelo contrário.
Mas este debate sobre ter havido ou não “sacrifício” é secundário. O debate principal, sobre o qual não se falou nada, é sobre a Prefeitura de São Paulo e o papel que joga, na luta contra Bolsonaro e seu governo, a eleição na principal cidade do país. Ao aceitar que o debate fosse levado para o terreno da provocação (a crítica de alguns petistas é de que seria a hora, entre aspas, do senhor fazer o sacrifício pelo partido, mas que, por questões pessoais, o senhor preferiu não ser candidato), Haddad perdeu a chance de explicar as razões políticas pelas quais ele não aceitou ser candidato e, em segundo lugar, explicar como ele acha que deveríamos lidar com as decorrências disto.
Mas a Roda gira e chegou a vez do Balthazar (FSP) perguntar sobre o tema da formação dessa frente de oposição ao governo Bolsonaro”. Segundo Balthazar, Haddad teria escrito que a construção dessa frente não deveria implicar na perda de identidade e diluição dos propósitos. E, com base nisso, ele pergunta a Haddad porque “o que funcionou para o PT chegar ao poder, e se manter no poder durante tanto tempo, não vale agora. Por que que é uma má ideia fazer concessões e acordos e compromissos, como os que foram necessários para que o PT se mantivesse tanto tempo no poder, no contexto que a gente vive hoje?
Haddad responde que “senão você não faz a agenda avançar. Se você não usa o primeiro turno pra apresentar um projeto de país; se você já, antes de tudo, você já abre mão daquilo que você entende que deveria ser o rumo do país, e não expõe isso pra a opinião pública, você não consegue fazer avançar a agenda”.
E emenda: “O que eu defendo? É que os progressistas possam apresentar sua agenda para o país, em 2022, com uma ou duas candidaturas, de preferência uma, mas não sei se é possível, não depende só de um lado. Então apresentem os seus projetos, agora, mas com o compromisso de, num segundo turno, a gente olhar para o futuro deste país, olhar pros pressupostos de qualquer debate civilizado nesse país, ninguém se sentir ameaçado porque pensa diferente, por exemplo. »
Progressistas é um termo assaz curioso. O PSDB seria progressista? Rodrigo Maia seria progressista? Também é curioso que o primeiro pressuposto de que Haddad lembre é « deixar o trabalho de vocês, jornalistas, acontecer”. Claro que devemos ser a favor disso. Mas não seria o caso de emendar que a liberdade de imprensa não é a mesma coisa que a liberdade das empresas de comunicação, que aliás usaram esta “liberdade” para atentar contra a democracia, apoiar o golpe contra Dilma e a prisão de Lula, sem falar no apoio direto ou indireto que muitas deram para a vitória de Bolsonaro?
Seja como for, o que Haddad deu a entender, nesta resposta, é que ele trabalha com o cenário mais provável de que o PT terá candidatura própria no primeiro turno das próximas eleições presidenciais. Sinalizando para alianças de segundo turno com outras forças “progressistas”. E tudo isto em 2022, restando a dúvida: se o governo Bolsonaro durar até lá, haverá mesmo debate (ou eleições) civilizadas?
A pergunta seguinte foi feita por Bela Megale, de O Globo, sobre as diferenças existentes no PT: qual o PT que espera atrair o eleitor. Se é um PT que busca diálogo com nomes como Rodrigo Maia, Fernando Henrique Cardoso e assina manifestos em defesa da democracia, como o senhor fez, ou se é um PT como já disse o ex-presidente Lula que ‘não tem mais idade para ser maria-vai-com-as-outras” e assinar manifestos que têm a presença do ex-presidente Fernando Henrique’.
Haddad responde que “uma das grandes vantagens do PT é que lá não tem centralismo democrático. Sabe, eu posso ouvir meus companheiros e formar meu juízo sobre como eu devo proceder, contando com a boa vontade deles em saber que eu estou agindo de boa-fé, que eu tô agindo com o mesmo objetivo que eles”.
Confesso que é a primeira vez que eu tomo contato com esta “teoria da boa vontade com a boa fé”. Mas mesmo que as coisas fossem assim, caberia perguntar se vai longe um Partido que, em nome de não ter centralismo democrático, admite duas táticas em torno de uma questão tão relevante como esta da “frente ampla”. Ao invés de enfrentar esta questão, Haddad escolheu elogiar o PT, como “um instrumento que a classe trabalhadora criou”.
Bela Megale volta a carga, perguntando a Haddad qual é, na opinião dele, a postura esperada pelo eleitor do PT: adesão ou não à tal frente ampla.
Neste ponto, Haddad responde o seguinte: “eu acho que o eleitor do PT sabe é que o PT pode ter defeitos, pode _ como todos os partidos têm, né. Todos os partidos têm problemas, todos, sem exceção. Qualquer agremiação humana tem problemas. As igrejas têm problema; os partidos têm problema; os times de futebol têm problemas. Um dos erros da Lava-Jato foi não separar o joio do trigo em cada, sabe, em cada linha. (O ERRO) Foi escolher um alvo. Não! Separa o joio do trigo, no PT, no PSDB, na família Bolsonaro. Ver quem é bom e que é ruim. E separa. Isso é construir um país. Você premiar, não com dinheiro, mas com reputação, com honradez, as pessoas que estão dedicadas à vida pública sem nenhum outro tipo de interesse a não ser ver o país crescer, ver o país se desenvolver”.
Ou seja: olhando de perto e tirando a bailarina, todo mundo tem problema. Mas a questão segue sem resposta: vai longe um Partido que, em nome de não ter centralismo democrático, admite duas táticas em torno de uma questão tão relevante como esta da “frente ampla”?
Ou, pior ainda, vai longe um partido que possui, na sua cúpula, quem ache que “um dos erros da Lava-Jato foi não separar o joio do trigo”??? Será possível, depois de tudo isso que aconteceu no país, de tudo isso que sabemos, Fernando Haddad ainda falar de “erros” da Lava Jato?
A pergunta final do primeiro bloco foi a da jornalista Vera Rosa, do Estadão. Apontando que mesmo os eleitores do presidente Bolsonaro que estão decepcionados, insatisfeitos com ele” podem “votar novamente nele caso ele seja candidato em 2022. Por um simples motivo: dizem que não vêem uma alternativa político-eleitoral”, Vera aponta o dedo acusador contra o PT: “Por que o PT não conseguiu fazer oposição a Jair Bolsonaro? E mais: Por que o PT não conseguiu dialogar com o eleitor de baixa renda, mais conservador?
Este povo é divertido: nos pisoteia e depois pergunta porque estamos assim, pisoteados.
Haddad questiona o pressuposto da pergunta e fala, por exemplo, que as “poucas boas notícias, as pouquíssimas boas notícias que nós temos para dar, vieram da oposição, não do PT exclusivamente, mas vieram da oposição”.
Vera Rosa interrompe para dizer que a oposição só conseguiu, prefeito, porque teve o apoio ali de Rodrigo Maia, do Centro.
Rodrigo, do Centro. Centro???
A resposta de Haddad é: “Eu disse claramente: não se deve exclusivamente ao PT, mas à oposição ao Bolsonaro. Então a oposição do Bolsonaro trabalhou”.
Portanto, Haddad deixou sem resposta a questão que realmente importa: como o PT pretende dialogar com o eleitor de baixa renda, mais conservador?
Pano rápido.
O segundo bloco começa com a Vera Magalhães, futucando no flanco que Haddad deixou a descoberto: O senhor acha que Bolsonaro pode estar mudando de base social? E que de alguma maneira ele vai se apropriar dessa agenda que é uma agenda sempre historicamente da esquerda, essa de auxílio e de redução da desigualdade pra se contrapor à perda de popularidade entre as classes médias e mais escolarizadas?
Haddad diz acreditar que “eles devam estar fazendo um cálculo”, fala da crise de 2008, do padrão asiático e latinoamericano de desenvolvimento, diz que estamos numa situação complexa, que isso “desnorteia a situação e faz com que líderes populistas apelem para medidas não necessariamente condizentes com o discurso de campanha”. Mas diz não saber “se o Bolsonaro exigir uma mudança de política econômica”, se Guedes vai topar. E “entre mercado e o povo talvez o Bolso… não sei o que o Bolsonaro vai fazer”.
In dubio resid exit, dizia se bem recordo meu professor de latim. Mas confesso não entender a falta de referência a um plano muito simples: prolongar e ampliar a ajuda emergencial, ao mesmo tempo em que se reduzem as politicas públicas permanentes, inclusive o Bolsa Família.
Seja como for, Vera Rosa volta a carga: o senhor não me respondeu a segunda parte da pergunta: Por que que o PT não consegue dialogar com esse eleitor de baixa renda, mais conservador?
Haddad responde com a votação dele no Nordeste. Vera retruca que o PT estaria perdendo apoio lá. Haddad devolve dizendo que “não vamos antecipar a eleição (…)o PT tá no jogo, e vai estar sempre. Na minha opinião, né. Tem militância, tem foco”.
Depois da saudação à bandeira, Haddad reconhece que as regiões metropolitanas constituem “um problema que nós temos que averiguar”, a “penetração de um pensamento conservador nas periferias, que mudou. A periferia era mais progressista”.
Vera Rosa cita os evangélicos e Haddad diz que “esses ciclos, eles não são novos. Se você pegar a eleição do Paulo Maluf, que é uma pessoa extremista, na minha opinião, não é? É uma pessoa mais extre…”
Neste momento, Haddad é interrompido pelas duas Veras, que o lembram que o extremista Maluf teria declarado apoio a Haddad.
Haddad afirma que “Se você recebe apoio sem abrir mão de nada do que você pensa, de uma linha do seu programa, quem tem que explicar por que que está apoiando quem é quem deu apoio. Se você está abrindo não de coisas, aí não, aí você que tem que se explicar. Então eu acho que o Maluf tem um pensamento extremista, do ponto de vista político. E ele era dono da periferia. O que mudou isso foram os governos petistas. Os governos petistas na cidade de São Paulo que mudaram esse quadro” .
Neste ponto, o Baltazhar da FSP afirma que a questão que a Vera tá colocando, as duas Veras, colocaram vai um pouco mais fundo. Quer dizer, esse eleitorado que apoia o Bolsonaro, desde a eleição, esses 30% que estão ao lado dele e muitos dos quais eram, foram, leitores do PT no passado e tudo mais, não é… Nem todo mundo ali defende a volta do AI-5, é a favor da tortura, quer a volta da ditadura e tudo mais. Existem Inúmeras razões pelas quais eles elegeram Bolsonaro presidente e não o senhor e mantêm o apoio a ele apesar de tudo que nós vimos aí nesses meses. O que o senhor aprendeu na eleição diante da situação? A impressão que se teve com a surpresa que a vitória dele representou é que ela foi, de certa forma, expressão de angústias e inseguranças com raízes econômicas ou que seja, culturais, o que for, que não encontravam representação na política tradicional, no PT, nos outros partidos, e encontraram nele uma expressão para as angústias e inseguranças que elas tinham. E muitas pessoas continuam lado dele. O que vocês aprenderam com a eleição? Como dialogar com essas pessoas?
E a Vera apresentadora complementa: Se corrupção não foi subestimada e continua não sendo subestimada pelo PT e se o apego da esquerda às pautas identitárias não permitiu ao Bolsonaro fazer um discurso maluco de mamadeira de piroca, kit gay e etc, que até hoje ecoa em uma boa parcela ….
Haddad não contesta as afirmações anteriores. Quase como se fizesse parte da bancada de entrevistadores, afirma que “eu agregaria a questão da segurança pública. Sabe, as pessoas estavam realmente exaustas, estão exausta de tanta violência. E a solução de mais violência para combater violência soou como um ato de desespero, dizendo: ‘bom, agora nós vamos nos armar para combater a violência’.”
Haddad levantou a bola e Flávio da UOL cortou, afirmando que a segurança pública foi deixada de lado pelo PT, nas gestões Lula e Dilma.
Novamente, Haddad não contesta, apenas “qualifica” e diz que “a Constituição de 88 ela tem um problema, a Constituição de 88 ela não enfrentou o debate sobre segurança pública. Se você verificar os capítulos da Constituição, você vai ver que o capítulo da educação, capítulo extenso; da saúde tá dentro da seguridade social, com assistência e previdência. Tem um capítulo de esporte, cultura. Você vai na segurança pública, tem um artigo, praticamente. Então o constituinte, imagine, saindo do regime militar, o constituinte não se sentiu forte o suficiente para criar um capítulo na Constituição da segurança pública, e nós estamos nisso, desde então, colocamos a responsabilidade nos ombros dos governadores, que têm as polícias civil e militar, e o governo federal ficou, desde então, inclusive no governo do PT, de espectador. E eu acho que foi um erro”.
A maneira como Haddad descreve o problema é curiosa. Ao afirmar que a Constituinte não se sentiu forte o suficiente para tratar do tema, ele passa a impressão de que, recém-saídos do regime militar, os constituintes optaram por uma atitude permissiva frente ao tema da Segurança. Mas a verdade é exatamente o oposto dessa: acovardados, a maioria dos constituintes não teve coragem de enfrentar e enterrar o legado da ditadura na questão da segurança pública.
Talvez por pensarem da mesma forma que Haddad, alguns gestores públicos petistas se sentem intimidados no trato com a direita, quando se trata do debate sobre a segurança. E acabam assumindo pontos de vista muito próximos daqueles que setores da direita defendem.
Aliás, neste ponto do debate, a jornalista Andrea, do Valor, cita que o governador da Bahia, no segundo turno, falou que era para o senhor reforçar o debate sobre segurança pública. E agora, curiosamente, uma nova liderança que talvez surja no PT lá na Bahia, pode ser candidata a prefeita de Salvador, é uma major da Polícia Militar.
Haddad a essa altura está na roda viva. A mesma Andrea pergunta: no momento em que se critica uma militarização no governo, como que o senhor vê o surgimento de uma nova liderança da polícia militar no PT?
Ao invés de separar o joio do trigo (a militarização de todo o governo federal versus uma candidata a prefeita que é oficial da PM), a resposta de Haddad é que não tem “esse tipo de postura em relação às corporações. Por exemplo, eu convidaria um militar pro governo? Convidaria. Conheci excelentes militares e patriotas de verdade, não subservientes ao Trump ou aos Estados… patriotas mesmo”. Em seguida diz ser “contra carreira de Estado participar do governo”. E aí lembra que criou a Controladoria Geral do município, para depois voltar a falar que não tem problema com corporação, o que ele quer saber é o que a pessoa pensa do Brasil, como vai tratar os pobres, os negros etc.
Digamos que seja assim, mas segue havendo um problema em curso no Brasil, com guarida na Constituição de 1988: a tutela militar. Sobre isso, nada foi dito. Como se as forças armadas (e o sistema judiciário, e a militarização das políticas) fossem problemas que podem ser equacionados através de uma boa entrevista de emprego.
Como já dissemos, nesta altura da entrevista Haddad está na roda viva. E aí vem a pergunta da Bela Megale (O Globo) sobre Antonio Paulo Vogel, interino no lugar do Weintraub e que trabalhou com Haddad, anteriormente. Vera aproveita para pedir uma avaliação sobre o estado de coisas da educação.
Antes de seguir, recordo que Haddad reclamou não ter sido chamado, pelos meios de comunicação, para opinar “sobre educação, sendo que eu sou o brasileiro vivo que mais tempo passei à frente do Ministério da Educação”.
A resposta que Haddad deu a Bela & Vera foi a seguinte: “O Paulo, ele foi secretário-adjunto de Finanças no meu governo aqui em São Paulo. Sou grato a ele, a ele e ao titular, que era o Marcos Cruz, os dois foram responsáveis por toda negociação da dívida de São Paulo, que caiu de 80 para 30 bilhões. São Paulo ganhou grau de investimento por causa da gestão dos dois no meu governo; fizeram um trabalho impecável do ponto de vista de pagamento de precatórios, nós fomos a gestão que mais pagou precatórios acima das condenações anuais, resgatando um estoque que era considerado impagável. Então toda essa montagem foi feita pelo Marcos e pelo Paulo, depois veio o Rogério Ceron, que inclusive foi aproveitado pelo governo Alckmin depois. E o Paulo tá sendo aproveitado pelo governo Bolsonaro. (…) Então nós estamos falando de pessoas altamente qualificadas. E se São Paulo tá na bonança que está em meio a essa crise, é por causa do trabalho dessas três pessoas que eu citei. Excepcionais quadros técnicos. Agora, o Paulo não é educador, ele é uma pessoa… tem um perfil ótimo pra secretário executivo, é uma pessoa que entende de orçamento público, mas ele não é da área da educação”.
Neste ponto da entrevista eu lembrei, novamente, da recomendação médica que havia recebido, de não assistir a entrevista de Haddad no Roda Viva.
Afinal, convenhamos: o cidadão pode ser excepcional filho, excepcional pai, excepcional companheiro, pode ser excepcional profissional, mas aceitar ser cargo de confiança do governo Bolsonaro torna isto tudo irrelevante de ser citado, muito menos elogiado. Mas vindo de quem já elogiou Moro e Alckmin em plena campanha presidencial, qual é mesmo o espanto?
Bela Megale talvez tenha ficado espantada, também, e perguntou o seguinte: Mas hoje o MEC está em boas mãos, na avaliação do senhor?
A resposta de Haddad foi: “Tecnicamente, da parte de finanças sim. Da educação, ele não é da área, né?”
Bela Megale volta a carga: A parte de educação deixa a desejar. Não é o melhor quadro, então?
Haddad responde: “Eu acho que ele não será confirmado como ministro, e talvez nem queira, em função disso, de ele ser um quadro do Tesouro, que pode ocupar…”
Meus médicos são uns videntes!!! E só me resta torcer para que o tal excepcional técnico não seja mesmo nomeado. A verdade é que, embora tenha reclamado por não ser ouvido para falar dos problemas da educação, não foi Haddad, mas sim a Vera Magalhães, quem tomou a iniciativa de falar dos problemas da educação no Brasil.
Segundo a jornalista, nesses quase dois anos, ministro, a gente até hoje não tem um substituto pro Fundeb, o Enem tá com uma decisão precária de ser realizado ainda no fim do ano sem que se saiba se tem condições para que isso seja feito, e não há nenhuma diretriz para os Estados sobre como lidar com as aulas durante a pandemia, cada um tá fazendo meio do seu jeito.
E só aí Haddad, que até então estava refletindo sobre a excepcionalidade técnica, diz que “estamos numa situação caótica, eu diria tanto na saúde quanto na educação”.
Vera Rosa, do Estadão, pergunta a quem Haddad atribuiu essa dificuldade de o presidente pra compor a equipe? Haddad responde que “Bolsonaro nunca se preparou para ser presidente da República”, o que certamente é verdade. Mas ao focar na pessoa do cavernícola, Haddad perde a chance de apontar o dedo para os problemas de fundo da coalizão golpista.
Novamente, é uma jornalista, neste caso a Vera do Estadão, quem chama a atenção para isto, perguntando se Haddad acha que existe ali uma guerra entre o núcleo ideológico e os militares, por exemplo?
Apesar da deixa, Haddad insiste na discussão sobre o papel do homem na história: “Tem também. Mas você já viu um presidente incapaz de conseguir nomear um ministro? Ele não consegue. Não é sem razão. Isso não é um momento difícil do governo, isso é crônico nesse governo”.
Haddad, vindo de uma “boa universidade”, como ele mesmo lembrou noutro momento da entrevista, podia ter feito pelo menos uma prosopografia deste governo, mas ele parece convencido da ideia de que “tem uma equipe desmelinguindo, você tem uma equipe desmelinguindo, em função do que? Em função da falta de comando do país. Você viu aquela reunião ministerial? Aquela reunião ministerial ela talvez seja a prova mais eloquente do que eu tô dizendo aqui, quer dizer, são horas, e você não vê absolutamente um projeto sério ser discutido”.
Sem dúvida a reunião citada e a equipe são um horror, mas o problema é que apesar disso, ou por causa disso, os objetivos perseguidos pelo cavernícola estão sendo atingidos. Aliás, talvez por isso mesmo, o Flávio da UOL corte abruptamente Fernando Haddad para perguntar o seguinte: Haddad, o que você faria diferente em termos de economia? Não de nomear ministros, mas em termos de economia, o que você faria diferente nesse governo de agora?
Haddad começa falando da pandemia, para chegar na ideia de que foi competente quem foi firme na decisão, salvou vidas e conciliou esse salvamento com a economia. Depois elogiou Camilo Santana, que teve que enfrentar o governo federal. Em seguida tratou das máscaras. Diz que Bolsonaro é uma pessoa desequilibrada. Mas sobre o tema da economia, o que faria de diferente, nada foi dito.
Aí Balthazar o interrompe, para dizer que na hipótese de o impeachment ser aprovado, assume Mourão. E Balthazar pergunta: o senhor acha que ele teria condições de formar um governo melhor do que isso que o senhor descreveu?” E Vera emenda, perguntando porque Haddad afirmou que as opiniões de Mourão sobre os poderes seriam uma ‘aberração jurídica’.
Haddad começa a resposta lembrando que, segundo Bolsonaro, Mourão seria “ainda mais tosco do que ele”. Mas ninguém se iluda, achando que isso é a deixa para Haddad dizer que tiraremos um e depois o outro. Não!
Pelo contrário, ele afirma que “tem uma regra constitucional. Eu sou ultra legalista. Tem uma regra constitucional que diz o seguinte: elege chapa; sai um; entra outro; ponto! Não tem, não tem dúvidas sobre a Interpretação. Se cassar chapa em função dos disparos de fake News, tem nova eleição, se essa cassação acontecer até o final do ano. Se passar de dezembro, nem isso tem; Congresso vai eleger por via indireta um presidente tampão até as eleições de 22. É essa regra. Me agrada essa regra? Não! Eu acho que no Brasil não tem funcionado. Eu acho que, inclusive, eu sou defensor dessa emenda constitucional que está tramitando que diz que o vice assume para chamar eleições em qualquer hipótese: ou de impeachment ou… Cassação de chapa quem chama a eleição é…. tem o rito previsto na Constituição porque aí cassou a chapa. Mas em caso de impeachment, o vice assume para convocar eleições”.
Digamos que haveria maneiras mais enfáticas de defender o Fora Bolsonaro e Mourão, seu governo, suas políticas e a antecipação das eleições presidenciais.
Em seguida, estimulado pelo Flávio da UOL, Haddad começa a falar da tal “aberração jurídica”. Segundo Haddad, não existe o poder moderador. E, de fato, não existe na lei. Mas a pergunta de ouro é: na realidade, na ordem dos fatos, as forças armadas exercem ou não um poder de tutela? Novamente, focado na pessoa física de Bolsonaro, Haddad conclui a resposta dizendo que “Bolsonaro blefa muito” e que a vocação dele é “fechar o regime”.
Se fosse só dele, tava fácil. Sigamos agora para o terceiro bloco da entrevista.
Vera Magalhães começa citando o cientista político (argh) Matias Alencastro, segundo o qual a pandemia serviu para a esquerda renovar suas lideranças no mundo e se opor a lideranças de corte populista, como o Jair Bolsonaro, opondo uma agenda. E ele nota que aqui no Brasil isso não acontece, e ele atribui isso ao fato de que o PT está muito preso nas suas antigas pautas, na necessidade de provar que houve um golpe contra Dilma, que houve… que o impeachment da Dilma foi golpe, que o Lula foi preso Injustamente, preso a essa agenda. O senhor citou o Camilo Santana como uma boa liderança do PT. Por que que não há espaço para essa renovação geracional dentro do partido e esse lulacentrismo ainda é a prática dominante dentro do PT?
Haddad, como em outras passagens da entrevista, não questiona a premissa da pergunta. Responde que “tem uma questão concreta que é o tamanho que o Lula adquiriu dentro do PT em função dos governos que fez. O Lula liderou, como eu dizia, um partido formado a partir da base e convenceu os seus companheiros de que era possível ganhar uma eleição presidencial no Brasil. Ganhou e saiu com 80% de aprovação. Ele virou o que virou. Pelo mérito dele, pelo trabalho dele, né. Obviamente todo mundo _ não tô negligenciando o papel da militância_ mas ele foi o grande timoneiro desse processo. Ganhou quatro eleições presidenciais e, na visão dos petistas, foi injustiçado. Então ele tem esse papel de destaque”.
Aqui, um registro: não são apenas os petistas que acham que Lula sofreu uma injustiça. Mas isto não é o grave da resposta. O grave é admitir, implicitamente, que estamos diante de uma “questão de transição geracional”, apenas que ela seria “lenta mesmo. Ela não é uma coisa automática”.
Na sequência, Haddad faz referências a Miterrand, a Helmut Kohl, a Angela Merkel, para concluir que são “transições complexas, sobretudo porque o Lula tá, apesar dos seus 75 anos, super em forma”.
Hehe. Meus médicos, meus médicos.
O problema que está posto não é de transição geracional. O problema é político. Primeiro, de capacidade de diálogo com os tais setores pobres, questão que Haddad admitiu existir, mas não foi muito além disso. Segundo, de radicalidade no enfrentamento não apenas a Bolsonaro, mas ao conjunto da operação golpista. Enquanto Lula não tiver seus direitos políticos restituídos, continuamos sob golpe. Não há transição geracional que resolva isto. Que Haddad tenha levado a resposta para este caminho é, em certo sentido, constrangedor.
Aproveitando a abertura demonstrada pelo entrevistado, Vera Magalhães diz que a imagem de Lula é muito ruim com os não-petistas e arremata: O PT não está se negando a olhar a realidade?
Neste ponto, Haddad veste a carapuça e responde que “isso aconteceria com outros nomes do PT também. Isso que eu tô querendo te dizer. Isso não é um atributo só do Lula. Isso aconteceria com qualquer pessoa do PT. Se você lançar um candidato do PT, ele vai ter que enfrentar esse debate. Ele vai ter que defender o legado, ele vai ter que defender a legenda e ele vai ter que defender os princípios que o PT defende, que não é passar a mão na cabeça de ninguém. É fazer justiça. Em qualquer… No PSDB tá cheio de gente respondendo a processo, eu não sei dizer, e tenho muita insegurança sobre se estão ou não fazendo justiça. Não conheço os processos, mas eu quero te dizer o seguinte…”.
Vera Magalhães interrompe Haddad para lembrar que não se vê o PSDB voltado para defender essas pessoas. Não se vê um discurso de as pessoas dizendo diariamente que o Serra é um injustiçado, que o Aécio Neves é um injustiçado.
Haddad contra-ataca, dizendo que “ali tá mais difícil de defender a inocência por causa de se…. Você tem 40 milhões de reais numa conta no exterior, é difícil explicar”.
Vera retruca que um foi condenado em três instâncias. Os outros ainda não. Formalmente é mais fácil defender.
E Haddad afirma ser fácil defender “qualquer pessoa que não teve sentença transitada em julgado. Eu sou dessa opinião: tem recurso? Então, presunção de inocência”. E desvia o assunto para Bolsonaro.
Antes de passar para o cavernícola, uma observação: Haddad comete um erro ao focar na inocência da pessoa física de Lula, e comete outro erro ao acentuar que Lula não teve sentença transitada em julgado. Pois a questão não é a pessoa física de Lula, a questão é a pessoa jurídica de Lula. Lula foi condenado e preso para que o golpe pudesse eleger seu candidato. Se Lula estivesse solto, Bolsonaro não estaria na cadeira de presidente. Este é um dos motivos pelo qual a anulação das condenações de Lula é peça chave na luta contra o golpismo.
Haddad, como advogado e/ou como amigo de Lula, poderia dizer apenas o que disse. Mas como uma das principais lideranças do PT, sinceramente foi por um caminho inadequado.
Agora vejamos o que ele fala de Bolsonaro.
Amarrado pela embocadura que adotou no caso de Lula, Haddad comete a seguinte frase: “presunção de inocência vale para todo mundo, até para o Bolsonaro, né”. Depois engata uma frase estranha, ao menos nos tempos modernos: “Se meu filho fosse acusado de alguma coisa, eu pedia para quebrar o sigilo dele”.
A situação é tal, que o Flávio da UOL interrompe e pergunta até quando o PT vai rodar em círculos em relação a essa questão?”
Haddad responde que “não é rodar em círculos. Nós temos… nós não podemos deixar passar o que aconteceu. Ninguém, ninguém faria isso consigo nesmo. Você gostaria, Flávio, que alguém falasse de você alguma coisa que não corresponde a tua conduta e a gente dissesse assim: “vamos deixar o Flávio pra lá, que o Flávio já era”. Poxa, eu sei quem você é. Se eu sei da tua conduta, eu não vou fazer. Pode ser quem for”.
A comparação não tem pé nem cabeça, pois, convenhamos, este Flávio não foi vítima de uma conspiração judicial, com o objetivo de consumar nas urnas um golpe de Estado.
Aliás, quem destaca isto no ato é a Vera Magalhães, que lembra que a política e a justiça não são feitas com esse critério de ‘brodagem’. Prefeito, três instâncias da justiça decidiram que o julgamento foi válido, ainda se aguarda um habeas corpus na segunda turma do supremo para decidir se o julgamento é passível de anulação. Então existe uma questão factual… e tem uma questão na ONU…
Haddad se defende com uma menção à frase de Moro, que disse estar “no ringue com Lula”. Mas Vera não desiste e pergunta: O que aconteceu com as instâncias superiores, que referendaram essa decisão?
Haddad, ao invés de apontar o que as pedras sabem, que houve uma conspiração golpista, com o Supremo e com tudo, prefere responder que “é uma longa conversa o que aconteceu. Agora tá com um processo no supremo, que está com pedido de vistas e que deve voltar para a pauta da segunda turma até, sei lá, setembro outubro desse ano. Vamos ver o que que a justiça diz”.
Vamos ver o que a Justiça diz???
Where is my doctor????
Haddad, como dito antes por ele mesmo, é ultra legalista. Logo, ele afirma que “a quantidade de evidências que nós levamos, a quantidade de evidências que foram levadas ao conhecimento dos ministros, na minha opinião, sobra evidência de que tem alguma coisa errada ali”.
“Tem alguma coisa errada ali.”
Realmente, tem alguma coisa errada. Mas, pelo visto, não é só “ali”.
A Andrea, do Valor, pergunta se a demora no pedido de vistas pode ter favorecido o ex-presidente Lula? e Vera pergunta se o fato de ele já ter saído da prisão acabou com essa questão?
Haddad retoma a embocadura de advogado e lembra que Lula “já foi tão desfavorecido em tudo. Uma pessoa que não era réu e não tomou posse do cargo de ministro-chefe da casa civil, nem réu ele era. Teve seu sigilo telefônico quebrado ilegalmente, os áudios vazados ilegalmente. Se eu for enumerar aqui a quantidade de ilegalidades que foram cometidas. É uma quantidade… não é uma, não estamos falando de uma ilegalidade. Agora, isso tudo vai ser processado, isso tudo vai ser passado em pratos limpos, vai vir, a verdade vai vir à tona, só não virá à tona se a gente desistir dela.”
E reafirma: “Se nós desistirmos da verdade, talvez ela nunca venha à tona”.
Verdade. Haddad tem razão. Mas também é verdade que faltou explicitar um detalhe: a motivação política da condenação. Novamente, é uma repórter que chama a atenção para o fato de que é a política, prefeito. Nas palavras de Vera Magalhães: E talvez se insistirem nela percam outra eleição, não? Haddad devolve: Se insistirem em que? E Vera retruca: Se insistirem tanto nessa “verdade” percam nova eleição. E o Bolsonaro se reeleja.
Neste ponto, Haddad está de novo na roda viva. E diz: “Tem coisas que estão acima…. Pera aí, não existe só o PT. Existe o PT, existe o PSDB… (….) Se o Bolsonaro for eleito não é por culpa do PT”.
E só então, nas palavras da Vera Rosa, aparece o centro do problema: O senhor diz que está lutando para que o ex-presidente Lula tenha os direitos políticos recuperados, para que ele seja o candidato em 2022?
Haddad responde: “Se ele quiser? Por mim, sim!”
Ou seja: o argumento central, aparece por iniciativa de uma entrevistadora, e é convertido numa questão de desejo pessoal (ser candidato). Note-se que ninguém duvida que Haddad defende a restituição dos direitos de Lula. Ele inclusive fez disso uma das questões chave do seu discurso no comício virtual dos Direitos Já. Portanto, aplicando a teoria da boa vontade com a boa fé, concluo que se isso não apareceu até agora, devidamente, na entrevista, foi porque, ao comentar o tema, Haddad meio que sem perceber foi saindo da estrada da política e pegou a vicinal judicial. E isto ocorreu, acho eu, porque lá atrás ele aceitou a tese da renovação geracional. É como se devolver os direito ao Lula fosse, não uma necessidade política do país, mas uma última homenagem que se presta a um combatente cansado.
Aliás, foi assim que Vera Rosa entendeu, pois nesta altura da entrevista ela engata a seguinte questão: Mas o que a gente queria saber é se não é a hora de uma renovação no PT, porque tudo gira em torno do Lula. É um personalismo muito forte. (…) Tá amarrado ali, não consegue renovar. O senhor não seria um nome para 2022?
Haddad lembra que foi candidato em 2018, que é filiado ao PT, mas que entende “o coletivo do PT fazer o que faz, eu entendo porque se fosse com a minha família eu faria a mesma coisa. Eu não deixaria passar uma coisa dessas. É muito grave o que aconteceu”.
Ou seja: não tem jeito. O certo distanciamento em relação ao que o “coletivo do PT” faz e a comparação com a família mostram que Haddad, ao menos nesta entrevista, está enfatizando a injustiça contra Lula no plano da pessoa física. Essa injustiça houve, claro. Mas a questão do Brasil é outra. A eleição de 2018 foi fraudada. A condenação e prisão de Lula foram parte essencial desta fraude. Isto não tem nada que ver com assuntos de família, de filho, brodagem, nada disso. Nem tem que ver com “justiça”. É política pura.
Mas Haddad, nesta entrevista, parece estar em outra frequência de rádio. Vide o que ele fala em seguida: “Eles construíam uma tese de impeachment de trás pra frente. Eles tomaram a decisão de fazer o impeachment da Dilma no dia da vitória, e começaram a construir a tese depois. Não dá para ser assim, não pode ser assim. Ninguém quer mais a verdade, acho que todo mundo quer a verdade toda. Nós não queremos meia verdade, vamos abrir tudo. Você acha que eu vou ser a favor de uma pessoa que enriqueceu, que tem conta fora, que tem cartão de crédito não sei onde. E não vou ser a favor de ninguém, pode ser da minha família, não é do meu partido, não, se for na minha família eu vou falar: paga! Acabou, eu não quero saber. Eu eduquei meus filhos, por exemplo, eu respondo pela educação dos meus filhos, pra você ter uma ideia de como eu penso. O que o meu filho fizer, o que minha filha fizer é assunto meu, porque eu eduquei. Não tem essa comigo até enquanto eu tiver por aqui, a minha família vai agir da maneira como eu fui educado pelos meus pais, ponto final. E isso é muito sério, não dá, passa para outra. Agora, tem um trauma grande. Tem custos? Tem. É agradável? Não. Não é nada agradável viver o que estamos ….”.
Cá entre nós, de que mesmo Haddad está falando?
Que esta frase sobre a educação dos filhos de Haddad tem que ver com a situação politica de Lula??
Neste ponto, é Balthazar (da Folha) que tenta levar a discussão, da Vara de família, de volta para a política. Diz Balthazar: Prefeito, considerando o contexto que a gente tá vivendo, de que maneira o senhor acha que a recuperação dos direitos políticos Lula e a anulação da condenação que ele sofreu contribuiria para formação dessa frente democrática progressista de oposição? Ou só complicaria ainda mais o processo, já que se isso acontecesse ele seria imediatamente visto por todos como um candidato à presidência novamente, né ?
A resposta de Haddad confirma, ao menos para mim, o que viemos dizendo até aqui.
Palavras dele: “Olha, eu acho que a gente, um dos erros que a classe política comete é ficar muito preocupada com o resultado eleitoral da próxima eleição, sabe. É você… você tá preocupado com o resultado de curto prazo, você não está preocupado em construir reputação ou reconstruir reputação, você tá preocupado com outra coisa. Então quando você está prisioneiro dessa lógica curtoprazista, você começa a fazer esse tipo de conta. Eu não acho que o PT nasceu para isso, eu não acho que o PT deveria embarcar nessa, isso é outra filosofia. Se o PT embarcar nessa eu não estaria no PT, por exemplo. Eu não faria parte de uma agremiação que pensa assim. Então é isso que o PT precisa pensar. O PT não precisa pensar assim: o que eu preciso fazer para ganhar em 2022. Ele precisa dizer: o que que eu preciso fazer para recuperar a credibilidade que eu perdi junto a uma parcela do eleitorado? O que que eu preciso explicar, que que eu preciso desvendar, como eu vou demonstrar que eu não sou o que estão dizendo de mim”.
Ou seja: a devolução dos direitos de Lula, a anulação de seus julgamentos, é convertida numa questão de “reputação”.
Aí Vera interrompe, fala de erros, de crimes. Haddad responde que já escreveu “artigos, já escrevi capítulo de livro. Já fiz debate com Marcos Lisboa, sobre governo Dilma, sobre desoneração…”. Vera volta a insistir, fala em admitir crimes, por exemplo. Porque teve gente que devolveu dinheiro.
Haddad, novamente na defensiva, diz que “lógico, teve gente que se corrompeu, não tem dúvida. Você teve quatro diretores da Petrobras que se corromperam, o cara tem dinheiro fora. Agora, tem quatro diretores da Petrobras, de carreira, com 30 anos de casa que se corromperam. O presidente não se corrompeu…”
E Vera, sentindo gosto de sangue, ataca: Não é o que diz o Pallocci, por exemplo.
Haddad ridiculariza a narrativa (“embora esses caras tenham acumulado 100 milhões de dólares no exterior, o chefe dessa quadrilha ganhou uma troca de apartamento, muquifo, no Guarujá. É isso. Essa é a narrativa”), mas o fato é que ele de certa forma contribuiu para a armadilha.
E assim vamos para o quarto e último bloco do Roda Viva com Haddad, no dia 6 de julho de 2020.
O quarto bloco começa com uma pergunta da Bela Megale, de O Globo, sobre a a associação entre o fascismo e o eleitor e o apoiador do presidente Jair Bolsonaro.
Haddad diz que “o Bolsonaro é um governo de tipo fascista”. Afirma que isto é “uma questão de método, o Bolsonaro tem método muito parecido com a comunicação de massa do fascismo. Por exemplo, o uso da religião”.
Afirma ser “muito difícil imaginar que o Bolsonaro tenha compreendido a essência do cristianismo”, assunto para o qual eu, depois de estudar sobre a Inquisição e sobre as guerras religiosas, não me sinto em condições de opinar.
E resume dizendo que as práticas do cavernícola são típicas de “governos fascistas, que usam religião, sexualidade, comunicação de massa com mentira, a anti-ciência é uma prática típica do fascismo. Agora, você não pode condenar o eleitor”…
Uma observação lateral: não se trata de “condenar” o eleitor. Mas a pergunta é: para que exista um governo de tipo fascista, é preciso que haja uma base de massas para tal prática. Portanto, é preciso olhar para além da pessoa do Bolsonaro e para além da pessoa de seu governo. É preciso focar nos setores sociais que o apoiam e o financiam. Senão, tudo vira uma patologia pessoal.
Mas ao invés de focar nisso, apoiado numa referência de Vera Magalhaes, Haddad afirma que recente pesquisa do Datafolha “é um bálsamo pros amantes da liberdade. Porque nada contra divergência, gente. O mundo se faz, se constrói com a divergência. Você fala A, o outro falar B, e constrói C. É assim que funciona. Não pensem vocês que esses debates desenvolvimentistas e liberais não aconteceram na Inglaterra, não aconteceram na França, não aconteceram em Portugal. Aconteceu em todo canto. A nação se constrói com esses debates”.
E eis que, por um passe de mágica, a entrevista gira do fascismo para a crítica ao PT. Nas palavras de Vera Magalhães: Não falta do PT uma crítica a países que são de esquerda ou socialistas, ou o que quer que seja, e que são claramente ditaduras? Isso eu sei que essa conversa é antiga, mas é uma conversa que vira e mexe é reiterada quando se faz a cobrança super correta ao Bolsonaro.
E o que responde Haddad?
Meus médicos, sempre sábios, já imaginavam…
Haddad responde que “o PT nasceu exatamente contra a visão de esquerda tradicional que ainda era tradicional nos anos 80, 70. O PT é de 1980. Uma esquerda tradicional que via as soluções autoritárias como redencionistas. “Não tem jeito, esses caras não são democratas, não deixam a gente ter espaço…”. O que às vezes se justifica num regime de força, é óbvio que se você tá lutando contra uma ditadura, você não tem o que fazer, você tem que ir para a briga mesmo, né, contra uma ditadura você vai arrancar a democracia no pulso, se não houver uma transição. Agora, o PT nasceu da crítica à esquerda autoritária”.
Ou seja: a esquerda tradicional que lutou contra a ditadura nos anos 1970 era tradicional e autoritária.
Mas não adiantou esta saída a la Leão da Montanha.
A Vera Magalhães não quer saber do passado, quer saber do presente.
E pergunta: Em relação à Venezuela, por exemplo, o senhor acha que é uma democracia?
Haddad responde assim: “Veja só, tem uma coisa pior que o governo da Venezuela, que é a oposição ao governo da Venezuela, é um horror aquela oposição. Olha o que aconteceu agora. Eu critiquei o Evo outro dia, eu critiquei o Evo. Até chamaram a minha atenção. Porque eu participo de um grupo de whatsapp com o Evo. Eu falei, ele não devia _assim como eu criticaria o Lula se ele comprasse uma emenda para se reeleger mais uma vez, a re-reeleição, um terceiro mandato, eu criticaria. Tá errado. Tá errado fazer isso. Você quer mudar a regra do jogo? Muda para o seu sucessor, se você acha bom. Pra você não. Você acha que é tão bom, muda para o seu sucessor. Então, eu era contra. Fujimori tentou terceiro mandato. Evo tentou o quarto mandato, né ? O Chavez, se deixassem, acho que tentava 10 mandatos. O Putin agora vai ficar até 2036 na coisa. O norte coreano é perpétuo. Não é a minha praia”.
Sinceramente, gostaria que Haddad, tão pródigo em dar certificado de democracia para outros países, poderia também ter dado o nome e o sobrenome dos generais patriotas e democratas que ele disse ter conhecido.
Mas, isto posto, a resposta acima é um desastre político e diplomático.
Helmut Kohl foi chanceler da Alemanha de 1982 a 1998, durante 16 anos. Merkel é primeira ministra da Alemanha desde 2005, portanto há 15 anos. São democratas, claro…
Putin foi eleito presidente da Rússia de 2000 a 2008; depois foi eleito primeiro ministro até 2012, depois foi eleito presidente da Rússia. Não é um democrata, claro…
Quanto a Evo, ele foi vítima de um golpe de Estado, para impedir sua reeleição. Os adversários não gostaram dele conquistar na justiça o direito de disputar a reeleição, mas não boicotaram a eleição, deram o golpe quando viram que iam perder. Evo pode ter errado em defender a reeleição, pode ter errado em não ter convocado um levante contra os golpistas, mas que tem isso que ver com ser “democrata”???
Para não falar da comparação totalmente ofensiva, com Fujimori. Insisto: não se trata de concordar com as opções políticas; o assustador é este tipo de comparação e uma visão White House acerca do que é e do que não é democrático.
E quanto à Venezuela? Se Chávez estivesse vivo, estaria presidindo a Venezuela? É provável. Isto faria de Chávez um não-democrata? Os Estados Unidos são democratas, porque a reeleição de uma pessoa é limitada a dois mandatos? O México é uma democracia porque a reeleição de uma pessoa é limitada a um mandato? De que “praia” veio o conceito de democracia adotado por Haddad??
(Antes que me esqueça, se Haddad algum dia for à Coréia do Norte, me ofereço para ir junto, já estive lá. O “perpétuo” em questão está morto e embalsamado.)
Seja como for, segundo entendi da resposta de Haddad, o PT apoia, digamos, não-democracias…
Seguindo em frente, o Flávio da UOL pede que Haddad responda a pergunta sobre as medidas econômicas, porque tem muita gente morrendo não só de Covid, mas de fome também. O centro de São Paulo está tomado por famílias que perderam suas casas, escolas na periferia viraram centro de assistência social. Eu gostaria de saber o que você faria diferente do que o Bolsonaro e o Guedes estão fazendo na economia.
Haddad responde que “tem um debate, né: gasta ou não gasta? Vamos resumir, né, porque ficou chato esse debate, tão chato que tem os gastadores e os poupadores, e acabou o assunto. A economia virou um fla-flu de quem é a favor de gastar e quem é a favor de poupar. Tá errado isso. Eles sabem tá errado isso. A primeira coisa que nós temos que pensar é o seguinte: o Brasil tem uma carga tributária, vamos dizer, 32/33 por cento do PIB. Um por cento de déficit primário ou um por cento de superávit primário. Presta atenção no que eu vou falar, porque vai gerar uma polêmica, mas compreenda o que eu vou falar: um por cento do superávit primário um por cento do déficit primário não faz a menor diferença se você considerar a natureza do gasto. Se você tiver fazendo um investimento certo, se você tiver fazendo os projetos certos, se você tiver investindo nas pessoas, educação, infraestrutura isso se paga com juros correção monetária e tudo mais que você quiser. Se você tiver um Estado que é vulnerável a interesses particulares, que toda hora tão grudados ali e que não saem do orçamento independentemente do resultado social daquele gasto, como é típico do Brasil desde sempre, um por cento de déficit ou um por cento do superávit também não vai fazer diferença”.
Entendeu? Ou ficou com alguma dúvida?
Talvez com dúvida, o Flávio da UOL pergunta o que é que isto tudo “significa na prática?”
E a resposta, meus queridos médicos, a resposta dada por Haddad é que “nós precisamos qualificar a gestão pública, precisamos qualificar a gestão pública, os projetos precisam ser mais bem desenhados, precisa ter começo, meio e fim, não dá para uma obra levar 20 anos para ficar pronta. Pega o rodoanel aqui de São Paulo ou pega outras, metrô, com dinheiro ou sem dinheiro do governo federal é um horror. Nós estamos perdendo capacidade gerencial, nós estamos perdendo capacidade de monitoramento”.
Então tá: a questão é “qualificar a gestão pública”.
Inspirada por essa resposta, a Vera Magalhães lembra que a esse respeito saiu um estudo longo aqui, de fôlego, do Insper, uma instituição a qual o senhor é ligado. E dizia que o problema do Brasil não é gasto. O Brasil até gasto muito em relação a outros países. Mas é a forma de gastar, a eficiência do gasto. E a gente tem um problema na educação, que é a área que o senhor ocupou por muito tempo, que é premente: o Fundeb vai acabar. Qual é que é a sua receita pra gente custear a educação básica?
Pela segunda vez, uma questão essencial e urgente, e totalmente ligada à educação, surge na Roda Viva por iniciativa da bancada, não de Haddad.
Seja como for, ele responde que tem “concordâncias e discordâncias desse estudo. Aliás, recebi hoje esse estudo. E…. Vamos pegar um caso considerado bom, exitoso. O Fundeb. O Fundeb, do ponto do ponto de vista da União, colocou 15 bilhões por ano no Nordeste, mais Pará e Amazonas. Por quê? Porque eram os Estados que tinham o menor investimento por aluno no país, era metade do de São Paulo, para você ter uma ideia. Então a união falou: ‘não, nós vamos bancar e vamos aumentar o investimento por aluno de 10 estados da federação (oito do nordeste e dois do norte)’. Só ficou de fora Sergipe, que já tinha um investimento por aluno alto. O que que aconteceu com a educação do Nordeste, básica? Toda ela reagiu, a ponto de ficar melhor do que a do Sul e a do Sudeste. Hoje você tem Pernambuco, Ceará, Maranhão, Piauí tiveram crescimentos importantes. Teve Estado que nem o dinheiro novo recebeu da União, mas que fez um bom trabalho: Goiás, por exemplo. A Raquel Teixeira era secretária, muito minha amiga por sinal, governo do Marconi Perillo até, do PSDB, e o Espírito Santo, na gestão do Paulo Hartung, teve êxito na educação, sem dinheiro novo do governo federal. Então, qual é a minha atitude, vamos prestar atenção no que dá certo, esses estados que eu falei tão indo muito bem educação”.
Deixo aos amigos do Espírito Santo e de Goiás o prazer de contar o que pensam das políticas implementadas por Raquel Teixeira e por Paulo Hartung, respectivamente, que como o ministro interino da educação, parecem ter aos olhos de Haddad muita excelência técnica…
E passemos para a pergunta de Vera: Mas como faz então com o Fundeb?” E Vera Rosa engata: “Porque acaba agora em dezembro.
E aí Haddad fala, finalmente, em prorrogar e ampliar. E elogia Pernambuco e Ceará onde, segundo o jornalista Balthazar, uma parte do dinheiro é distribuída de acordo com critérios de eficiência (…) De acordo com o desempenho você recebe mais de um município que a gente tiver um desempenho melhor recebe mais dinheiro do que outros. Você concorda com esse modelo? Você acha que esse modelo deve de ser adotado, fazendo na prorrogação do Fundeb para que uma parte do dinheiro fosse atribuída por esse critério?
Haddad responde que é “controverso, mas é inegável que no Ceará deu certo. É controverso porque é o seguinte: você vai punir quem tá indo mal? O aluno da cidade que tá indo mal vai ser punido? Tem uma discussão filosófica que é importante registrar. E que não dá para desconsiderar. Você vai punir o aluno porque o prefeito foi ruim? qual o sentido disso? Contudo ele criou uma dinâmica de concorrência lá boa”.
Novamente, deixemos para os colegas do Ceará a questão e passemos para a próxima questão, da Vera Magalhães: tem muita gente agora, inclusive aqui no twitter, perguntando se a candidatura do Jilmar Tatto é a seu ver competitiva, se não teria sido melhor o PT apoiar, por exemplo, o Guilherme Boulos.
Haddad fala de Porto Alegre, fala do Rio de Janeiro, e diz que “em São Paulo, pelo fato de a gente ter governado três vezes a cidade, é natural o PT querer ter candidato”. E relativiza as pesquisas e reforça a ideia da renovação.
Aí Vera Rosa lembra da eleição de 2016, e pergunta se é o caso agora de aproveitar a campanha municipal para dar um tom nacional na disputa?
Haddad diz que “sempre tem que dar um tom nacional. Porque ao contrário do que dizem, na minha opinião, ela não é um prognóstico do que vai acontecer na eleição presidencial, ela é um acerto de contas do que aconteceu na eleição anterior, isso sim, é um recado de como estão as coisas em relação à eleição anterior, ela não ela não é um bom preditor do que vai acontecer daqui para frente”.
Vera pergunta se a vitória do Dória e de outras pessoas em 2016 não era um prenúncio de que havia um eleitorado propenso a votar na Direita?
Haddad diz que “achava que sim” e conta uma história sobre Dória que a Vera afirmou contradizer a resposta dada, pelo próprio Haddad, “sobre a questão da eleição municipal (não) ser um bom prognóstico para a nacional”.
E aí, para provar que meus médicos tinham razão, Andrea do Valor faz uma pergunta rápida, preto no branco, assim preto no branco, em 2022, se for o caso, o senhor aceitaria ser vice do Flávio Dino?
Segue o diálogo:
Andrea (VALOR)
Tô falando de uma chapa à esquerda…
Haddad
Olha, eu, quando eu só perguntado. Olha, acho que o PCdoB tem todo o direito de ter candidato a presidente.
Vera
Preto no branco, senão eu vou ter que cortar.
Haddad
O PCdoB tá considerando lançar candidato a presidente, qual é o problema nisso?
Vários
Mas o senhor aceitaria ser o vice?
Haddad
O primeiro turno serve para isso, para definir cada partido… Se tem uma proposta diferente, que justifique o lançamento de um candidato, tem que lançar dois.
Vera
Eu preciso mesmo encerrar.
Balthazar
Então é não?
Vera
Ele não sabe, gente.
Haddad
Não sei.
Vera
Pronto.
Sem mais, vou tomar meu chá. Receita médica.
Mas antes, um comentário: por razões que em alguns casos são compreensíveis, muita gente bateu palmas para o desempenho de Haddad nesta Roda Viva. Motivo pelo qual, sem dúvida, haverá quem não aprecie os comentários feitos anteriormente. Mas, na minha opinião, esta entrevista é muito ilustrativa da confusão política que existe em alguns setores do PT. Se isto não se alterar, será muito difícil sair, pela esquerda, da imensa crise em que o país está metido. Por pensar assim, prefiro ser criticado por apontar os problemas que vi, do que por calar acerca deles.
Aliás, como diria Haddad, conto com a boa vontade dos que sabem que estou agindo de boa-fé, que estou agindo com o mesmo objetivo que eles.
A íntegra da entrevista pode ser vista aqui: https://youtu.be/XYav1njDgp0
Devido ao adiantado da hora, deve ter escapado uma boa quantidade de erros. Em horário mais cristão, serão corrigidos.
(*) Valter Pomar é professor da UFABC e integrante do Diretório Nacional do PT