Por Valter Pomar (*)
Helena Chagas
É visível o entusiasmo de setores da “mídia independente” com a possível chapa Lula-Alckmin.
Até aí, tudo bem.
O debate é livre e cada um apoia o que considera justo.
O problema é quando aparecem comportamentos muito parecidos com os da mídia oligopolista.
Por exemplo: esconder ou minimizar Pinheirinho e a responsabilidade de Alckmin no ocorrido.
Me lembra a tentativa de isentar Geisel e outros das responsabilidades pelas torturas, assassinatos e desparecimento de cadáveres.
Tudo seria obra dos “porões”.
A realidade era outra: como o próprio Geisel admitiu em entrevista, a tortura era uma política de Estado e administrada pela mais alta cúpula do governo militar, reconhecimento que deixou chocados algumas pessoas que acreditavam sinceramente no “estadista”.
Talvez chegue o dia em que Alckmin abra seu armário e revele do que é capaz um tucano “leal” e de “boa índole” (adjetivos do Nassif, não meus).
Aí será difícil esconder ou minimizar as afirmações contidas num documento de 88 páginas – disponível na internet – intitulado Denúncia do “Massacre do Pinheirinho” à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA”.
O documento é datado de 22 de junho de 2012 e tem como requerentes, entre outros, Fabio Konder Comparato, Cezar Britto e Dalmo de Abreu Dallari.
A lista de autoridades responsáveis pelas violações é encabeçada pelo então Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Os fatos incluem a violenta desocupação e remoção de 1.659 famílias, ocorrida na madrugada de um domingo, dia 22 de janeiro de 2012.
Participaram mais de 2 mil policiais.
Diz o citado documento: “Cerca de 6 mil pessoas foram tratadas como animais, arrancadas de suas moradias e lançadas em abrigos coletivos improvisados. Durante a desocupação, dentro dos abrigos, os moradores ainda recebiam pancadas, eram vítimas de policiais armados, de balas de borracha e bombas de gás. Ambulâncias saiam do local carregando feridos, inclusive crianças vítimas dos gases e bombas de efeito moral. As balas e bombas eram lançadas em todos os bairros contíguos ao terreno, atingindo pessoas e residências. Mesmo após a desocupação, durante a noite, a Polícia Militar ainda atirava bombas de gás dentro do pátio da Igreja, onde se resguardavam moradores que não quiseram ficar nos abrigos. Os advogados não puderam acompanhar os atos da desocupação, inobstante sua natureza judicial. Alguns levaram tiros com balas de borracha, como o advogado Antônio Donizete Ferreira, atingido nas costas, joelho e virilha por balas de borracha. Membros da Defensoria Pública, órgão estatal responsável pela assistência jurídica aos necessitados, foram impedidos militarmente de acompanhar o cumprimento da ordem. A imprensa também não pode acompanhar o procedimento policial”.
Incrivelmente, alguns advogados e jornalistas – dez anos depois – passam o pano no ocorrido e cobrem Alckmin de elogios. Há quem o considere, inclusive, aliado contra o fascismo.
A esse respeito, a denúncia encaminhada à OEA dizia: “Pode-se comparar a operação policial, em sua brutalidade e selvageria, a um “pogrom”, ou à Noite dos Cristais na Alemanha nazista, que destruiu milhares de propriedades, casas e templos da comunidade judaica em 1938. Na comunidade do Pinheirinho, no Brasil de 2012, no entanto, o motivo não foi o ódio étnico. Foi o alegado direito de propriedade, reputado absoluto pelo Judiciário e imposto ao custo de indizível sofrimento de toda uma população”.
O Relatório encaminhado à OEA resume assim a violência do ato de desocupação, com base em 634 entrevistas com as vítimas:
– Ameaças e humilhações: 260 denúncias
– Consequências do uso de armamentos: 248 denúncias
– Pouco tempo para recolher bens: 225 denúncias
– Casa demolida sem a respectiva retirada de bens: 205 denúncias
– Expulsão/ordem para sair de casa: 179 denúncias
– Agressão física – 166 denúncias
– Perda de emprego/impedimento de renda: 80 denúncias
– Dificuldade/impedimento de livre circulação: 77 denúncias
– Abrigos em situação de insalubridade: 73 denúncias
– Casas saqueadas: 71 denúncias
– Ameaças mediante armamentos: 67 denúncias
– Falta de orientação e de oferta de estrutura para retirar bens: 64 denúncias
– Falta de assistência: 54 denúncias
– Agressão/morticínio de animais: 33 denúncias
– Separação de filhos e outros parentes – 10 denúncias
O relatório afirma ainda o seguinte: “Os governos estadual e municipal, ao mesmo tempo em que participavam da negociação para elaboração do Protocolo de Intenções visando regularizar a área, prepararam e executaram, traiçoeiramente, em atitude inaceitável para quem exerce munus público, a remoção dos 6 mil moradores. Note-se que a operação policial foi preparada durante 4 meses, e evidentemente jamais teria sido realizada sem autorização do governador do Estado, Geraldo Alckmin. Esta autoridade participava, por sua Secretaria de Estado da Habitação, ao mesmo tempo, das negociações para regularizar o terreno e da preparação da operação de remoção abrupta dos moradores, executada pela força policial que comanda.
Esses são os fatos.
Passa o pano em Alckmin quem gosta ou quem quer. Mas não argumentem ignorância sobre do que é capaz um “homem de bem” (aliás, li em algum lugar que “Cidadãos de Bem” era o nome do jornal da Ku Klux Klan).
Isto posto, recomendo a leitura do texto de Helena Chagas, publicado no dia 19 de janeiro de 2022 pelo Brasil 247 e intitulado “Lula aliancista enquadra PT, acena a militares e acalma o centro”.
O texto pode ser achado no seguinte endereço:
https://www.brasil247.com/blog/lula-aliancista-enquadra-pt-acena-a-militares-e-acalma-o-centro
O mais interessante do texto são os termos utilizados: “o recado serviu também ao público interno, os petistas que estão vindo a público detonar o entendimento, patrocinando até um abaixo assinado da militância contra Alckmin (…) Lula fez o que sempre faz nas divergências do PT: deixa todo mundo gritar, mas avisou que, uma vez tomada a decisão pelo partido, ela será seguida (…) Lula, que, a seu modo, acabou por enquadrar o partido (….) Lula acenou ao birrento PSB com a desistência das candidaturas de Humberto Costa, em Pernambuco, e de Fabiano Contarato, no Espírito Santo (….) Lula mandou mensagens a públicos variados, inclusive militares, a quem fez um gesto de paz. (….) Ao mercado financeiro, deu o duro recado de que não vai de forma alguma governar para eles e para as demais elites. Mas no que interessa de verdade para esses setores, a sinalização foi positiva”.
Resumindo: os opositores da aliança com Alckmin “gritam” mas serão “enquadrados”; o PSB seria “birrento”; para os militares fala-se em “paz”; e aos empresários, um duro recado mas “sinalização positiva”.
Cada um interpreta como quer as opiniões de Lula. Algumas destas interpretações são projeção dos desejos e sonhos do respectivo intérprete. Todo mundo tem direito a ter sonhos, inclusive áulicos. Mas como todos os sonhos, sonhos são.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT