Infraestrutura moderna ou colonial?

Por Wladimir Pomar (*)

Em evento recente, realizado sob o patrocínio da Editora Globo, Confederação Nacional da Industria, e Serviços Sociais e de Aprendizagem Industrial, o ministro da Infraestrutura, o presidente da CNI, e economistas ligados a essas instituições, asseguraram que, até o final de 2022, os contratos no setor de infraestrutura devem somar 250 bilhões de reais.

Ainda segundo eles, tais contratos criariam as condições para a retomada da econômica, com impulso no setor produtivo e na geração de emprego. Seriam 43 aeroportos, dezenas de terminais portuários e várias ferrovias, capazes de “ter reflexo no frete, em competividade e… no emprego”. Além de atrair “investidores nacionais e estrangeiros”, “com respeito ao contrato, portfólio, boas taxas de retorno, estruturação sofisticada, bons ativos, projetos alinhados e padrões firmes de sustentabilidade”, tais contratos não entrariam em conflito com a responsabilidade fiscal. Eles aumentariam “a produtividade” e combateriam “a desigualdade”, funcionando como “alavanca” para atrair investimentos “pela segurança nos contratos, pelo portfólio, pelas boas taxas de retorno, a estruturação sofisticada, os bons ativos e os projetos alinhados a padrões firmes de sustentabilidade”.

Na mesma linha de propaganda, Robson de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria, afirmou que a retomada da economia brasileira passa por reformas estruturais e atração de novos investimentos para a área de infraestrutura. Segundo ele, as privatizações e concessões de ativos do Estado devem ser instrumentos de modernização de setores como energia, saneamento básico e transportes. A participação privada nos investimentos seria essencial para a reversão do déficit em infraestrutura, tendo em conta que os investimentos nessa área teriam despencado nos últimos 10 anos.

Ainda segundo ele, a continuidade e aprofundamento das concessões e parcerias público-privadas e das privatizações seriam fundamentais para a recuperação econômica e do emprego. Nesse sentido, o Novo Marco Legal do Saneamento, assim como os projetos para o setor elétrico, incentivariam os investimentos, o mesmo podendo ser dito em relação à legislação sobre Gás Natural, à privatização da Eletrobrás, e às regras para o setor ferroviário.

Ou seja, da mesma forma que no passado colonial da história brasileira, em que os donatários e latifundiários agrícolas escravocratas se preocuparam com a melhoria da infraestrutura de transporte para agilizar a exportação de sua produção agrícola tendo como destino o continente europeu, os comandantes atuais de alguns setores econômicos parecem haver retomado tal preocupação, num evento sob o título enganoso de Indústria em debate: Infraestrutura & Retomada da Economia.

Enganoso porque, em momento algum, trataram dos investimentos no crescimento e diversificação da produção industrial, e no seu desenvolvimento científico e tecnológico, como condição para elevar e diversificar a fabricação dos bens indispensáveis à sociedade, aumentar o produto interno bruto, gerar novos empregos, reduzir os preços dos bens necessários e consumidos pela população brasileira, e disputar mercados internacionais.

Na verdade, a Confederação Nacional da Indústria parece haver se tornado subsidiária do que se poderia chamar de “confederação nacional e internacional do agronegócio”, para cujos membros a melhoria da infraestrutura de transporte é condição básica para a redução de seus custos e a elevação de seus lucros, principalmente levando em conta as novas áreas produtivas conquistadas com a devastação florestal do sul da Amazônia.

A subordinação da política de desenvolvimento industrial brasileira aos investimentos estrangeiros, a partir dos anos 1950, sem contrapartida da obrigatoriedade de transferência de novas e altas tecnologias para a indústria nacional, já havia demonstrado ser incapaz de ampliar e desenvolver uma indústria de cunho nacional própria, estatal e privada, com capacidade de concorrer com as indústrias de propriedade estrangeira, tanto no mercado interno, quanto internacional.

Além disso, as políticas de subordinação às regras monopolistas internacionais fez com que grande parte das empresas estatais nacionais, criadas antes da II Guerra Mundial, fosse privatizada, enquanto as empresas privadas estrangeiras, principalmente automobilísticas, em busca de mão de obra mais barata e de cartelização do mercado nacional, impuseram ao país uma infraestrutura quase totalmente rodoviária, muito mais cara.

O sistema ferroviário de cargas e de passageiros, de transporte muito mais econômico, ao invés de ser modernizado, foi quase totalmente destruído. E é sob pressão do agronegócio subordinado ao mercado internacional que, como na época colonial, pretende voltar a ser importante, com o único objetivo de aumentar a lucratividade dos mineradores e latifundiários capitalistas, exportadores de produtos minerais e agrícolas.

Ou seja, o Brasil pode voltar a ter uma infraestrutura de transporte moderna, porém de viés colonial, se as forças políticas populares não impuserem aos colonialistas a rediscussão do processo de industrialização nacional, tanto de forma privada quanto estatal, incluindo a atração de investimentos externos com transferência de tecnologias modernas.

Por tudo isso, a replicação do debate sobre Indústria, Infraestrutura, e Retomada da Economia, não pode ser deixada sob o monopólio torto do agronegócio e de suas subsidiárias pretensamente “industriais”. Precisa se tornar um debate das forças nacionais e populares, tendo inclusive em vista a avaliação das experiências mais recentes dos governos socialdemocratas e petistas.

(*) Wladimir Pomar é jornalista e escritor


 

(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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