Israel é o fracasso do projeto colonial sionista na Palestina

Por Ualid Rabah (*)

Texto publicado na edição 14 da revista Esquerda Petista

O que nos acostumamos a chamar de Israel e a designar como mais um estado nacional, quando, mais bem, definiríamos, se acaso não temêssemos o massacre programado que viria, pelo que é, ou seja, um projeto colonial tardio, baseado na limpeza étnica e organizado como um regime de apartheid, tem habitado os veículos de comunicação por estar – tragicamente, vejam só! – novamente governado por Benjamin Netanyahu, desta vez liderando o que seria o gabinete mais extremista (à direita, dizem, para que não se diga o que de fato é: fascista, racista, supremacista e oficialmente assumindo-se, em somatória a tudo isso, orgulhosamente, como metrópole irradiadora do ódio e da intolerância, fazendo-o em nome de “deus”).

Haver um “espanto” quanto ao atual gabinete formado por Netanyahu só ocorre porque Israel se vendeu muito bem, afirmando todos os mitos que inventou para blindar-se da percepção ocidental do que de fato nasceu para ser. Afinal, tudo o que Israel passou a ser, conforme planejado desde a segunda metade dos 1800, contrariava o que o “ocidente”, especialmente a Europa, passara a refutar, mais especialmente a partir do fim da matança designada como 2º Guerra Mundial, ainda que apenas retoricamente.

Resumidamente, o novo governo liderado por Netanyahu defende o seguimento da tomada das terras palestinas e nelas implantarem-se mais e mais assentamentos, povoados por extremistas judeus importados de todas as partes do mundo. Para “protegê-los”, mais ocupação militar, mais postos de controle, mais cerco, com muros ou estadas exclusivas para judeus, das cidades e povoados palestinos. Mais repressão letal, especialmente dirigida contra as infância e juventude palestinas, em claro projeto de eliminação da parte da população que dará continuidade ao povo palestino, o que configura uma das facetas do projeto gradual de limpeza étnica em toda a Palestina.

Mas isso não difere em dada do que acontece na Palestina desde que o projeto sionista se autoproclama estado e se autodenomina Israel. Aí está um dos sucessos do que veio a ser Israel: tudo parece que começa hoje. Os crimes na Palestina sempre “acontecem” hoje e nada têm que ver com a natureza mesma de Israel e do projeto colonial que lhe deu origem, que o sustenta e lhe dá sentido. Graças a isso, hoje se lamenta a “chegada” ao poder do governo mais extremista da “história de Israel”.

Evidente que no gabinete formado por Netanyahu há aberrações, como Ben-Gvir, encarregado da pasta da Segurança Pública, líder do partido Poder Judeu, formação claramente fascista, ou Bezalel Smotrich, máxima expressão de um partido denominado Sionismo Religioso, apresentado apenas como “conservador ortodoxo”, mas que deveria ser melhor percebido pela máxima bandeira que defende, a total eliminação dos palestinos de toda a Palestina.

Ocorre que nada disso é novidade na realização do projeto sionista para a Palestina. Sempre foi defendido por praticamente todo espectro político e ideológico no seio do sionismo, da “esquerda” à “direita” e, basicamente, implementado pelo que vieram a ser os governos trabalhistas em Israel, que governaram de 14 de maio de 1948, data da autoproclamação israelense, até 1977, quando da primeira vitória eleitoral da “direita”, levando ao poder Menahem Beguin.

Então fica a questão de como – e o porquê – a humanidade, ou sua parte “ocidental”, não cansa de se enganar em relação a Israel e, com isso, dar ao projeto sionista a possibilidade de permanente renovação. Afinal, o que são os espantos periódicos com os “novos” horrores de Israel senão afiançar que se trata de um projeto “benigno”, que apenas se perde vez ou outra, notadamente pela insistência de seus extremistas de “direita”?

A resposta está no sucesso de Israel em esconder o que sempre foi, como nasceu a “ideia” que lhe deu corpo e, de consequência, o monstro colonial que é, porque nasceu para assim ser.

Um projeto colonial

Para entender Israel hoje é preciso entender o quanto este regime não foi acontecendo, isto é, o quanto é o que deveria ser e não um acidente de percurso, algo que tenha se dado ao arrepio da vontade “benevolente” de euro-judeus apenas desejosos de construir uma “democracia” no Oriente Médio, no seio da “barbárie” oriental, inclusive para desenvolvê-la e civilizá-la.

E, talvez, precisemos começar do “meio” da história, no que resultou da chamada 2ª Guerra Mundial, já que muita gente é enganada diariamente com a falácia de que os crimes cometidos na Europa contra parcela de sua cidadania, a professante do judaísmo, teriam gerado a necessidade de um lar para os euro-judeus, mas, claro, fora desta parte do mundo. E a Palestina seria este endereço “natural”, por antecedentes pescados no chamado Antigo Testamento, dando ares de “ancestralidade” e de “retorno”, bem como divinizando este projeto colonial com outra grande falácia, a da “promessa” de um “deus”, que teria “escolhido” um só grupo humano para, como o “eleito”, realizar sua obra no plano terreno.

Sem considerar que estes crimes não ocorreram em qualquer outra parte do mundo, menos ainda no mundo árabe ou na Palestina em particular, lugares onde seus cidadãos de fé judaica viviam em segurança e prosperidade, o fato histórico concreto é que o projeto colonial sionista é muito anterior à denominada 2ª GM, remontando à segunda metade do século anterior. Suas etapas, de forma muito resumida, são:

  1. Realização do 1º Congresso Sionista, que reuniu os euro-judeus em Basiléia, Suíça, sob o comando do jornalista húngaro Theodor Herzl (1860/1904), no qual se decide, por maioria, direcionar o projeto colonial à Palestina, designada como uma “terra sem povo para um povo sem terra” – curiosamente, esta era uma demanda quase exclusivamente de euro-judeus, não de todos os professantes do judaísmo no mundo, de várias nacionalidades e origens étnicas, bem como a Palestina tinha densidade demográfica considerável para a época (28,7 habitantes por Km² em 1922, pelo censo britânico, quando a do Brasil mal chegava a 4). Outras opções, dentre as quais Chipre, a Patagônia argentina, Madagascar, Congo e Uganda, foram vencidas, mas importa citá-las porque contradizem a narrativa mítica sionista de que haveria um “retorno” de uma “diáspora” a uma “terra prometida” e outras alegorias, que hoje repetem-se à moda Goebbels na historicamente inigualável fábrica de mentiras sionista para justificar a tomada da Palestina;

 

  1. Daí em diante, a liderança sionista busca apoio imperial para o projeto. Os turcos são os primeiros contatados porque detinham a Palestina em seu ainda vasto domínio imperial, o que leva Herzl ao sultão Abdul Hamid II (governou de 1876 a 1909), que, conforme uma literatura do agrado dos turcos, teria recusado ceder o solo sagrado palestino. Hipocrisia pura, visto que os primeiros colonos euro-judeus chegam à Palestina no início dos 1880 (1881 para uns e 1882 para outros). Embora na permissão otomana aos judeus para viverem em seu império, de 1881, excetuava-se a Palestina, o barão Edmond Rothschild (de Paris) começa a financiar a colonização da Palestina por euro-judeus em 1882, sob as barbas otomanas. E é graças à corrupção da administração otomana na Palestina frente à colonização sionista que estrangeiros judeus adquiriram, até 1918, quando finda seu império, 1,5% das terras palestinas, dobrando para 3% as terras palestinas em mãos do projeto sionista, porque incorporou ao seu plano os palestinos de fé judaica que já detinham em seu poder 1,5% da terra;

 

  1. O Kaiser alemão Wilhelm II, também conhecido como Guilherme II, foi igualmente procurado e até concordou com o pleito sionista, escrevendo, à margem do relatório sobre o encontro sionista, que lhe fora enviado pela representação diplomática alemã em Berna, Suíça: “Estou inteiramente de acordo com que esses judeuzinhos sigam para a Palestina. Quanto antes forem, melhor. Não colocarei qualquer obstáculo no seu caminho”;

 

  1. Finalmente, foram os britânicos que abraçaram a demanda sionista, destacando-se, nesta sequência histórica, seu acordo secreto com os franceses, conhecido como Sykes-Picot (a Rússia era partícipe, por meio de seu ministro de relações exteriores, Sergei Dmitryevich Sazonov, mas se retirou após a revolução bolchevique de 1917, razão pela qual o acordo é conhecido sem Sazanov em sua nomenclatura), no qual dividem os espólios otomanos da chamada 1ª Guerra Mundial, com destaque para a Palestina, já designada como o espaço geográfico de realização da demanda sionista;

 

  1. Os russos detinham a demografia judaica, visto que era em seus domínios que habitava a maioria europeia professante do judaísmo, resultado da conversão ao judaísmo do reino de Khazar, região entre os mares Negro e Cáspio, Cáucaso atual, em partes da atual Ucrânia, que durou de 650 a 965 (a conversão se deu sob o reinado de Bulan, que durou de 740 a 786 d.C), sendo esta a razão de sua presença nas conversações secretas com britânicos e franceses. Mas com sua saída, na revolução de outubro de 1917, vem, num encadeamento lógico, a Declaração Balfour (Arthur James Balfour, ministro de negócios estrangeiros do Império Britânico), de 2 de novembro de 1917, na qual se lê: “O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.”;

 

  1. Leitura precisa, mas não tão atenta, permite decifrar que os direitos nacionais, nesta Palestina da “promessa” inglesa, serão apenas para judeus (à população originária a ser subordinada – “coletividades não judaicas” – haverá apenas direitos civis e religiosos) e que o poder imperial britânico, inclusive bélico – “empregará todos os seus esforços…” –, será empenhado para a realização da empreitada sionista. Agora havia um real patrocinador do projeto sionista e a declaração evidencia, expressamente, que haverá um regime de apartheid em favor dos judeus e em detrimento da população originária, as designadas “coletividades não judaicas”;

 

  1. O passo seguinte veio com a Conferência de San Remo (Itália), promovida pelo Conselho Supremo de Aliados do Pós-Primeira Guerra Mundial, transcorrida de 18 a 26 de abril de 1920, na qual, basicamente, se formalizou o que antes era “secreto” (Sykes-Picot) e se atualizou, pode-se dizer, a Conferência (colonial) de Berlim, que levou meses (15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885) para definir quais potências imperialistas europeias dominariam a África, agora para incorporar a divisão do território imperial tomado da Turquia, uma das derrotadas nesta guerra. No que toca à Palestina, junto com a até então denominada Transjordânia (atual Jordânia), foi colocada sob mandato britânico (depois definido como de “protetorado”), “com o compromisso de implementar a Declaração Balfour”, vislumbrando um verniz legal para o projeto colonial sionista e tudo que este implica, inclusive o claro regime de apartheid a que seria submetida a população originária não judaica;

 

  1. Como ainda não há, em concreto, capa legal para a barbárie sionista em construção, nem um organograma de execução do projeto, com definições de tempo de implementação e as estruturas e instituições que o farão, isto é definido no MANDATO BRITÂNICO PARA A PALESTINA – Redigido em Londres, em 24 de julho de 1922, aprovado pela nascente Liga das Nações e tendo entrado em vigor em 29 de setembro de 1922. Com 28 artigos, nenhum deles cita uma só vez o povo palestino, nem lhe dá nenhum direito à terra ou à autodeterminação. Pelo contrário, já em seu preâmbulo, reafirma a Declaração Balfour – “concordaram que a Mandatária deveria ser responsável por colocar em vigor a declaração (Balfour) …em favor do estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu” – e firma quase que um édito divino ao inscrever que “foi reconhecido o vínculo histórico do povo judeu”;

 

  1. Além disso, o mandato gasta os primeiros onze artigos para desenhar justamente a forma com que se dará a tomada da Palestina para que estrangeiros de fé judaica realizem ali um novo estado, inclusive avançando expressamente na definição de que se dará pela importação destes estrangeiros (artigos 6º e 7º), quem o fará (mandatário britânico, conforme artigos 1º e 2º), a quem será permitido auxiliar na administração da Palestina (Agência Judaica, designação que passa a ter a Organização Sionista, conforme artigos 4º e 6º), a aquisição da nova nacionalidade pelos estrangeiros recém-chegados (Artigo 7º determina que haverá lei para “facilitar a aquisição da cidadania palestina por judeus” feitos imigrar à Palestina) e que a estes será dado o direito de “povoamento” e “cultivo intensivo da terra”, tudo a “combinar com a agência judaica” para, dentre outras coisas, “desenvolver quaisquer dos recursos naturais do país”, inclusive permitindo a esta agência judaica a obtenção de “lucros adicionais”, a serem “utilizados por ela em ‘benefício’ do país” (Artigo 11).

 

  1. Nenhuma palavra sobre o povo palestino e tudo quanto posto no texto do Mandato diz respeito à colonização da Palestina por estrangeiros, num sistema conhecido como de colonização por assentamento (ocorreu na África do Sul sob apartheid, na Argélia sob o colonialismo francês, e na Líbia e na Etiópia sob domínio colonial italiano, mas com a diferença de que nestes casos não estava evidente um plano de integral limpeza étnica da população originária para a construção de um novo ente nacional e estatal, com nova demografia importada), que deveria levar a um novo país, exclusivamente judeu, sem o povo originário, o palestino, tudo conforme preconizado na obra “O Estado Judeu – ensaio de uma solução da questão judaica”, de Theodor Herzl, publicada em 1896 (no Brasil, a leitura mais recomendada é a edição de 1947, traduzida por David José Pérez e publicada pela Organização Sionista Unificada do Brasil).

Tudo isso posto, resta claro que se tratou, desde no mínimo 1897, de um projeto colonial, que visava remover uma população originária e colocar em seu lugar uma estrangeira, que jamais teve qualquer vínculo com a Palestina, senão espiritual, tal qual têm cristãos e muçulmanos.

A falência do projeto

Ocorre que, ainda que não seja percebido por todos, ou mesmo que não haja consenso quanto a esta conclusão, ocorreram fracassos após fracassos no projeto sionista, consideração que ganha mais relevo se tivermos em conta que foi de fato realizado pela potência (mandatária) colonial britânica, tida por alguns como o maior império (colonial) conhecido. Não só implementou a agenda sionista conforme seu plano original, como – importante notar para entender a razão de o povo palestino não ter tido condições de enfrentar as gangues armadas sionistas quando estas iniciam a limpeza étnica massiva e violenta, a partir de dezembro de 1947 até março de 1949 – massacrou a resistência palestina, primeiro em 1929, depois entre 1936 e 1939, quando desencadeou verdadeira guerra colonial contra a Palestina.

O plano previa, resumidamente, chegar ao final do mandato britânico, em 14 de maio de 1948, com tudo resolvido. A população palestina estaria, no todo ou em parte, removida, e haveria sido importada população euro-judaica suficiente para, nesta data, haver maioria judaica na Palestina, detentora de toda a terra, ou quase toda. O passo “natural” seria a “autodeterminação” do que foi definido como “povo judeu”, como se os sionistas recém-chegados à Palestina, exclusivamente pela imposição britânica, estivessem numa luta anticolonial contra o Império Britânico. Parece piada, mas era o plano.

E esta é a narrativa sionista atual, abraçada fortemente por sionistas de “esquerda”, pela qual o sionismo seria um “movimento nacional” como qualquer outro, que promoveu sua “autodeterminação” (um direito como o de qualquer outro povo) na Palestina e que, portanto, acusar o sionismo de ser uma ideologia racista e colonial, que se fez pela limpeza étnica previamente planejada, seria negar este direito e, até mesmo, atentar contra o direito da existência do “povo judeu” e de seu “estado” (Israel). Tudo isso regado à imoral acusação de “antissemitismo” (quando, para a perseguição aos professantes do judaísmo na Europa o termo correto é antijudaísmo) àqueles que ousam designar os crimes sionistas na Palestina.

Entretanto, nada disso aconteceu, tendo se dado quase que o contrário. O projeto sionista chega a 1947/48 com apenas 30% de população judaica na Palestina. Para piorar o cenário, um terço desta é originária, ou seja, palestina de fé judaica. O processo de importação de euro-judeus foi um fracasso total. E, quanto à terra, só detinham, ao término do mandato britânico, 6%, conforme as estimativas mais generosas, a despeito de todo o plano, toda a força britânica, inclusive das armas, todo o dinheiro. Importante considerar que o plano sionista começa com 3% da terra palestina em mãos de pessoas professantes do judaísmo, palestino-judeus. Logo, o plano colonial sionista mal consegue adquirir 3% da terra, dado que desmente, também, que os palestinos teriam vendido suas terras, mesmo porque a esmagadora maioria destas aquisições se dera de latifundiários não palestinos, tributários do antigo Império Otomano, depois clientes dos imperialismos coloniais britânico e francês.

É deste encadeamento de eventos e fracassos que a Palestina viveu a limpeza étnica brutal de 1947 a 1949. Entre dezembro de 1947 e 14 de maio de 1948, quando o sionismo se autoproclama estado e se autodenomina Israel, já eram 250 mil os palestinos limpados etnicamente pela força e pelo terror. O processo vira projeto estatal a partir de 14/15 de maio de 1948 e é executado por um já exército unificado (reunião das gangues terroristas – assim definidas pelos britânicos – sionistas), levando à ocupação de 774 cidades e povoados palestinos, dos quais 531 são totalmente destruídos; 70 massacres foram cometidos, com mais de 15 mil mortos, incontáveis feridos e mutilados, e dois terços da população originária, a palestina, expulsa pelos estrangeiros recém-chegados.

Ainda assim, conseguiram tomar apenas 76% do Palestina Histórica, parcela do território do qual até 88% da população originária foi expulsa, levando aos atuais 6 milhões de refugiados palestinos e seus descendentes, conforme dados da ONU.

Como não tomaram toda a Palestina, como era o plano, o fizeram em junho de 1967, mas com um “problema”: seja pelas condições internacionais do momento histórico, seja porque a população palestina já sabia como deveria proceder, diante dos fracassos da Comunidade Internacional, não houve deslocamento populacional na mesma escala que duas décadas antes. Tomaram o restante da Palestina, mas com sua demografia intacta neste então.

Do primeiro fracasso demográfico, o projeto sionista precisou importar “outros” judeus, não contemplados no plano inicial. Estes eram os árabes de fé judaica, estes, sim, semitas. Importou também turcos e iranianos. Tudo isso faz com que o Israel atual (os 76% da Palestina tomados inicialmente) tenha apenas de 15% a 20% de sua população de origem europeia, aquela para a qual a Declaração Balfour se destinava. Os restantes são palestinos originários não judeus (muçulmanos e cristãos) em até 23% da população israelense, ao redor de 7% também são palestinos originários, porém, de fé judaica, somados a perto de 40% de árabes professantes do judaísmo. Os demais são africanos (Etiópia) e demais “judeus de terceiro mundo”, como os turcos e iranianos.

Para os sionistas, a tragédia é ainda maior quando considerada, atualmente, a população de toda a Palestina, isto é, Israel e a Palestina dos Acordos de Oslo (Cisjordânia, com Jerusalém oriental, e Gaza), em que os não judeus ultrapassam os judeus em 200 mil habitantes. A Palestina integral, que não deveria ter um só não judeu, tem mais destes do que os judeus mitificados pelo plano colonial sionista.

O que poderia derivar de todos estes fracassos sionistas? Simples: um regime brutal e cada dia mais escancarado de apartheid, um processo permanente de limpeza étnica e um estado que não é europeu, mas um bizarro caldo étnico que o faz majoritariamente árabe, que tem a fé religiosa judaica como o elemento de unidade e o único que dá direitos de cidadania plena e ao projeto nacional.

No fim das contas, duas constatações cômicas. A primeira que Israel é um estado árabe em que árabes judeus assumem-se como promotores e beneficiários de um regime de apartheid, que vitima outros “árabes”, assim designados os palestinos não judeus. A segunda é que eles passaram a precisar roubar a culinária árabe, a cultura árabe (música, bordados) e a história árabe (falsificações arqueológicas têm sido denunciadas à exaustão) para israelizá-la, para dar a este projeto artificial uma “cultura nacional”, mas, neste caso, com o dado cômico de que o drama real é que isto tudo é uma necessidade desta população, pois, na condição de árabe, estas são suas comida, cultura e história.

Para seu bem, dos palestinos e do mundo, Israel precisa aceitar-se como de fato se tornou, deixar de ser um regime de apartheid, aceitar o Direito Internacional, permitindo, por exemplo, o retorno dos refugiados, conforme determina a Resolução 194 da ONU, de 11 de dezembro de 1948, uma das cláusulas condicionantes para a Resolução 273/III, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 11 de maio de 1949, que o admitiu como estado membro.

Israel resolveria seus fracassos, cessaria o sofrimento do povo palestino, o mundo ficaria mais seguro e o judaísmo ficaria livre da desconfortável missão de associar-se ao sionismo e defender seus crimes de lesa-humanidade.

A outra alternativa é Netanyahu e seu gabinete. De momento, sabemos que a segunda está em vantagem. Resta saber o que a Comunidade Internacional fará diante deste perigo, que, embora vitime mais claramente o povo palestino, é, como modelo que se apresenta aos extremistas de todo o mundo, um risco à vida neste planeta, seja porque pode ser eliminada por uma guerra nuclear desencadeada por fanáticos, seja porque o apartheid pode virar uma regra de Direito Internacional se acaso Israel triunfar em seu plano original, o sionista.

(*) Ualid Rabah é presidente da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *