Saiu a edição de outubro do Jornal Página 13, de número 217. Na pauta, um editorial sobre a conjuntura e o PT, a largada das eleições municipais e um encarte especial sobre a situação política e eleitoral no Mato Grosso do Sul. O editorial segue abaixo. Boa leitura!
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Editorial
A conjuntura e o PT
No início de 2020, especificamente em março, quando a pandemia se instalou no Brasil, houve um intenso debate na esquerda em geral e no PT em particular, sobre se deveríamos ou não fazer uma oposição para derrubar o governo Bolsonaro. O PT passou os meses de março e abril praticamente imerso nessa discussão. Discussão que se traduzia em fazer ou não disputa política explicita? Defender a vida e os empregos OU defender FORA BOLSONARO?
Inicialmente, prevaleceu a primeira, como se fossem coisas opostas, quando deveriam ser complementares. Enquanto isso, o governo estava com muitas dificuldades, a pandemia se alastrava – com efeitos sanitários, sociais e econômicos muito fortes-, o auxílio emergencial travado, crises institucionais, pressão do judiciário, péssima articulação do cavernícola com o congresso, panelaços, atos violentos dos golpistas, articulação de atos das torcidas em defesa da democracia e os primeiros passos da luta dos trabalhadores de aplicativos por direitos. Em resumo, um contexto geral de crise e de fragilização do governo Bolsonaro.
No entanto, aprovamos tardiamente no PT o FORA BOLSONARO e ainda mais tarde protocolamos um pedido de impeachment, que gradualmente deixou o cenário político à medida que o governo recuperava terreno. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, afirmava e afirma não ver motivos para dar prosseguimento ao pedido de impeachment de Bolsonaro, ao mesmo tempo que diz que no caso da Dilma não se arrepende. Detalhe para não esquecer: o mesmo Rodrigo Maia que muitos enxergam como um potencial aliado da oposição e da esquerda.
Desde então, a pandemia segue causando mortes, Bolsonaro segue fazendo crimes contra a vida, mas ao contrário das ilusões que alguns alimentavam, isto por si só, não se tornou um fator que derrubasse brutalmente sua popularidade. Aliás, o auxílio emergencial que chegou no bolso de uma parte da população e evitou um colapso agudo da situação, e em algumas áreas inclusive contribuiu para uma aparência de certa retomada econômica, ajudou a preservar e até a fazer crescer a popularidade do governo Bolsonaro.
Também nesse período, as mobilizações, que mesmo no seu ápice ainda eram incipientes, refluíram. A maior parte da classe trabalhadora organizada não se colocou em movimento, parcelas da classe seguem na luta em defesa do isolamento (caso dos professores) e a mobilização dos petroleiros e dos correios são importantes mais ainda não ganharam apoio de massa.
De outro lado, a frente ampla, junto com FHC, a centro-direita e a direita não bolsonarista mostrou-se uma autoilusão dos setores da esquerda que a defendiam. O que se colocou de concreto foi uma articulação de centro-direita para pressionar o governo Bolsonaro a maneirar na radicalização golpista e seguir a cartilha neoliberal. Pressionado pela prisão de Queiroz, o governo conseguiu operar um certo rearranjo institucional: apaziguou com STF, compôs com centrão e a tendência é essa relação se estabilizar, especialmente se o governo der prosseguimento a aplicação do programa ultraliberal. E, realmente, tem sido esse o esforço do governo Bolsonaro.
É possível identificar esse compromisso através da reforma administrativa, uma reforma tributária regressiva, das privatizações, da operação “passar a boiada” nos temas ambientais, da diminuição do auxílio emergencial e da redução de direitos e de políticas sociais.
Isto não quer dizer, contudo, que não haja conflitos dentro do governo. Mas isso não significa um conflito que produza um rompimento entre eles ao ponto de uma parte deles se aliar conosco. A não ser, é claro, que a gente abra mão de defender um programa de reconstrução e transformação do Brasil.
Olhando para a situação de um modo geral, aconteceu, em resumo, o que alertávamos que aconteceria, caso a esquerda não fosse pesadamente para o enfrentamento com o governo: um “acordo por cima”. A questão que fica: e agora, como agir diante disso? Concretamente, o que estamos fazendo com mais força é prosseguir na batalha congressual, que agora entra num período de mais baixo perfil, e disputar as eleições municipais.
É isso que a maior parte da esquerda está fazendo, na maior parte do seu tempo: parlamento e eleições. Porém, podemos e devemos fazer mais. Por exemplo, transformar a eleição num período de intensas lutais e mobilizações contra o governo, fazendo uma forte vinculação dos temas locais com a situação nacional.
Uma parte das nossas campanhas, certamente, vai conseguir fazer isso. A preços de hoje, é difícil dizer qual o peso disso no total de campanhas em curso. Mas não serão todas, e nem sabemos se é a maior parte. A esquerda também precisa combinar mais formas de luta. Disputar eleições ao mesmo tempo em que se travam lutas estudantis, sindicais, territoriais, setoriais. Inclusive vinculando tudo isso.
Nesse sentido, é necessário prevalecer uma visão diferente no nosso partido, que deve se organizar de uma forma muito diferente da de hoje, não ser apenas uma máquina eleitoral, mas sermos uma ferramenta potente de luta eleitoral, de luta nos bairros, nas escolas, nos locais de trabalho, termos uma organização classista enraizada em toda a sociedade.
Esse reposicionamento do Partido se torna ainda mais urgente e necessário quando percebemos que estão se acumulando fatores que, mais cedo ou mais tarde, podem levar a grandes lutas populares. E, portanto, uma das questões da conjuntura é perceber de que forma podemos contribuir neste sentido.
Do ponto de vista destas eleições, apesar da indefinição, uma coisa é certa: a maior parte dos partidos, dos meios de comunicação e dos analistas vai esquadrinhar o resultado das eleições 2020, a busca de provas definitivas de que o PT sofreu uma grande derrota e que está “fora do páreo”. Neste sentido, é preciso buscar construir as condições para lograr uma inequívoca vitória eleitoral e política, ou seja, um resultado que nos posicione para enfrentar, não as “batalhas do passado”, que vão se traduzir nas urnas de 2020; mas um resultado que nos posicione para enfrentar as batalhas do futuro. Uma análise inicial da largada da campanha indica que é possível atingir este objetivo.
Seja como for, nosso esforço imediato deve ser para nacionalizar as eleições, para obter bons resultados eleitorais e vitórias políticas. Nossas candidaturas precisam conectar a realidade local, com a luta nacional. Explicar que o potencial de resolução dos problemas e das demandas locais está intrinsicamente ligada à situação nacional, que afeta de modo direto a realidade dos serviços públicos, dos investimentos, da infraestrutura, do crescimento econômico, da distribuição de renda e das políticas sociais. Um bom exemplo disso é a reforma administrativa.
Dito de outra forma, à luz da realidade local, desnudar a política ultraliberal e defender que é preciso derrotá-la; assim como o governo Bolsonaro, que está destruindo o país em todos os terrenos e, portanto, também as cidades. Nesse sentido, nossas candidaturas precisam levar para as ruas e as redes o FORA BOLSONARO, o #AnulaSTF e a luta em defesa de Lula.
Do mesmo modo, todas as nossas candidaturas não podem se furtar de defender o Partido dos Trabalhadores, e isso passa, inclusive, pela dimensão simbólica e visual. Os materiais de campanha devem colocar em destaque os símbolos do PT. A postura observada em muitos casos, de evita-los, não ajuda politicamente e nem eleitoralmente. Aliás, não raras vezes, é explorada por nossos adversários como sinal de fraqueza.
Outra tarefa urgente deveria partir do Diretório Nacional, cancelando as alianças realizadas em alguns municípios com PSL e com candidatos vinculados ao bolsonarismo. Algumas dessas alianças não foram objetos de recursos e tornaram-se conhecidas da direção nacional posteriormente às convenções. Contudo, isso não a exime da sua responsabilidade, pois a maioria do mesmo diretório aprovou alguns absurdos, como no caso emblemático de Belford Roxo, em que o Partido apoia a reeleição de um prefeito bolsonarista.
Essa postura foi interpretada por alguns no Partido como um sinal verde para romper com a política de alianças definida previamente. Essas alianças, como temos afirmado, contraria decisão do próprio Partido do início do ano em que definia “que não ocorram alianças com os partidos que sustentam o projeto ultraneoliberal (DEM, PSDB) e veta qualquer aliança com aqueles que representam o extremismo de direita em nosso país.”
Ao mesmo tempo em que temos essas tarefas e batalhas táticas, é fundamental que seguimos insistindo por uma mudança de orientação estratégica, que permita sermos capazes de liderar e acumular forças no terreno das lutas para acabar com o governo neofascista que se instalou no Brasil, em 2022 ou antes, se possível.
Isso requer de nós muita conexão com a classe trabalhadora, suas demandas concretas, seu cotidiano, seus problemas. Requer também defender e fortalecer nossas organizações políticas, além de alterar a linha política que prevalece em grande parte delas, especialmente no PT e na CUT.
Finalmente, é preciso seguirmos atentos para a situação internacional. As eleições nos EUA transcorrem num ambiente de violenta crispação, com desdobramentos ainda difíceis de prever. Na América Latina, a situação segue tensa, cabendo atenção especial para o que ocorre no Chile, no Equador e na Bolívia. Por um lado, há sinais de que os golpes e derrotas eleitorais não eliminaram a capacidade de resistência do povo, nem mesmo no terreno eleitoral (como se viu na recente vitória da Frente Amplio no Uruguay). Por outro lado, setores da direita regional dão sinais crescentes de que farão tudo para evitar um novo ciclo de governos progressistas e de esquerda.
Os editores