Kakay: mágoa e política

Por Valter Pomar (*)

A quantidade de pessoas que são apresentadas como amigos de Lula é imensa. O que faz com que deste mato saia todo tipo de coelho.

Diz a imprensa que um dos amigos de Lula seria o famoso advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido pelo apelido de Kakay.

Se a amizade era real, não sei.

Caso tenha sido real, não faço ideia se continua existindo, depois que começou a circular, nas redes e na grande mídia, uma mensagem escrita por Kakay acerca de Lula.

Várias pessoas analisaram a mensagem de Kakay como uma “cagada”, fruto de mágoa ou coisa parecida.

Prefiro analisar a coisa toda do ponto de vista político. O fato é: Kakay se engajou na campanha que a mídia & a direita vem fazendo, para tentar desconstruir Lula e inviabilizar sua candidatura à presidência da República em 2026.

Ambas coisas visam ampliar as chances da direita voltar à presidência. E visam ampliar, também, as chances da direita conseguir seu grande objetivo desde 1989, que vem a ser destruir o PT como polo da política brasileira.

Reproduzo algumas das frases de Kakay, na ordem em que foram escritas por ele: “Lula (…) era imbatível. (…) Mas o Lula do 3º mandato , por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política. (…) É outro Lula que está governando. (…) Sem termos o Lula que conhecíamos como Presidente (…) corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026. Bolsonaro só perdeu porque era um inepto. (…) Perder uma reeleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele, ele vai conseguir. (…) o “ grupo” do Lula a gente sabe quem é. E certamente não vai tirá-lo do isolamento. Ele hoje é um político preso à memória do seu passado. E isolado. Quero acreditar na capacidade de se reencontrar. Quem se refez depois de 580 dias preso injustamente, pode quase tudo. (…) Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista, que afaste o fascismo. Que Deus se apiede de nós!”

Politicamente falando, qual é o resumo do recado de Kakay? O de que Lula estaria condenado a perder as eleições de 2026 e, portanto, precisa ceder lugar para Haddad e/ou para a direita centrista.

Em si, trata-se de um recado reiterado inúmeras vezes. Em 2005, por exemplo, propuseram que Lula se desfiliasse do PT e desistisse de disputar a reeleição. Em 2006, como sabemos, ganhamos com folga o segundo turno.

Também não é propriamente novidade a crença na existência de uma “direita civilizada”, “centrista”, que supostamente seria capaz de “afastar” o fascismo. O que temos visto, no Brasil e mundo afora, é outra coisa: a direita se tornando cada vez menos “civilizada”, assumindo as pautas do fascismo e aplainando o caminho para a vitória da extrema-direita.

A novidade na mensagem de Kakay é a tática Biden, a saber: imputar os problemas do nosso governo principalmente a circunstâncias pessoais.

Acredito no papel da personalidade na história. Assim como acredito na falta de personalidade. Mas os principais problemas do nosso governo, assim como os secundários, não derivam de “circunstâncias pessoais“.

Os principais problemas do nosso governo tiveram e seguem tendo origem na “aliança ampla demais” que Kakay elogia enfaticamente. O “amplo arco” ficou tão amplo, que está difícil disparar flechas certeiras.

Alguns setores da esquerda acreditavam que a tal “aliança ampla demais” seria apenas para ganhar a eleição e que não interferiria na implementação do nosso programa.

O que a vida demonstrou?

Que a “aliança ampla demais” do primeiro turno se tornou ainda mais ampla no segundo; ainda mais na hora de montar o governo; e muitíssimo mais ampla na política monetária e fiscal implementada pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, ambos indicados por Lula.

E o efeito disso, como não podia deixar de ser, é funcionar como um freio de mão puxado, que impede nosso governo de falar e de fazer muitas coisas que seriam indispensáveis para manter e ampliar nossa base social.

Base indispensável para vencermos, em 2025, 2026 e além.

Quem acredita que a tal “aliança ampla demais” seria mesmo inevitável e indispensável, não tem outra alternativa a não ser colocar a culpa nas “circunstâncias pessoais”. E aí fica girando em círculo, correndo atrás do próprio rabo (alerta para figura de linguagem), tentando explicar porque o “gênio” de ontem teria, supostamente, virado o perdedor de hoje e amanhã.

Aliás, Kakay apresenta Haddad como alternativa a Lula.

Para Kakay, Haddad seria “o mais fenomenal político desta geração em termos de preparo. Um gênio. Preparado e pronto para assumir seu papel.”

Haddad que se cuide. Afinal, elogios vindos de um “amigo” assim não são bom presságio.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT


Segue o texto comentado

Lula, a esperança da democracia.

“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”, Clarice Lispector.

Lula ganhou 3 vezes e elegeu Dilma como sua sucessora. À época elegeria o qualquer de seus Ministros pois era imbatível.

Certa vez conversando com um Senador-do PT- ele me disse que tinha um ano tentava uma audiência com a Presidenta Dilma. Ela não fazia política. Sofreu impeachment.

Um dia no Governo Lula um Senador da oposição me liga as 11 hs da manhã e reclama que tinha assumido há 15 dias- era suplente- e que não havia sido recebido pelo Zé Dirceu, chefe da Casa Civil. Liguei para o Zé . As 12.30 a gente estava almoçando no Palácio do Planalto. O Zé – de longe o mais preparado dos Ministros- deu um show discorrendo sobre o Estado de origem do Senador, que saiu de lá com o número do celular do Zé e completamente encantado.

Neste atual governo Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo impedindo que tivéssemos mais 4 anos de Bolsonaro. Seria o fim da democracia. Seriam destruídas de maneira irrecuperável tudo que foi construído nos governos democráticos, não só do PT. O fascismo acaba com tudo. Este o maior legado do Lula. Para tanto foi necessário, senão não teríamos ganhado, fazer uma aliança ampla demais. Só o Lula conseguiria unir e fazer este amplo arco para derrotar Bolsonaro. Aqui em casa , no dia da diplomação , 12 de dezembro,determinado político se aproximou em um momento em que Lula e eu conversávamos, colocou amistosamente a mão no meu ombro e fez uma brincadeira. Ao sair da roda o Lula me falou baixinho, rindo :” este jamais será meu Ministro, e acha que vai ser.” Dia 1º de janeiro ele assumiu como Ministro. Este o brilhantismo do Lula neste momento difícil. Não fosse sua maturidade não teríamos tido chance de vencer o fascismo. Por isto cometo aqui certa indelicadeza de comentar este fato: para ressaltar a maturidade do Presidente Lula.

Mas o Lula do 3º mandato , por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política.

Outro dia alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o Presidente. É outro Lula que está governando.

Com a extrema direita crescendo no mundo e , evidentemente aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como Presidente e sem ele ter um grupo que ele tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026. Bolsonaro só perdeu porque era um inepto. Tivesse ouvido o Ciro Nogueira e vacinado, ou ficado calado sem ofender as pessoas, teria ganho com a quantidade de dinheiro que gastou. Perder uma reeleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele, ele vai conseguir.

Claro que as circunstâncias estão favoráveis ao projeto de perder as eleições. Não dou tanto importância para estas pesquisas feitas o tempo todo. Mas prestei atenção nesta que indica que 62% não querem que Lula seja candidato a reeleição. A pergunta é : quem é seu sucessor natural? Não foi feito um grupo ao redor do Presidente, que se identifique com ele e de onde sairia o sucessor político natural, o “ grupo” do Lula a gente sabe quem é. E certamente não vai tirá-lo do isolamento. Ele hoje é um político preso à memória do seu passado. E isolado. Quero acreditar na capacidade de se reencontrar. Quem se refez depois de 580 dias preso injustamente, pode quase tudo . E nós temos o Haddad, o mais fenomenal político desta geração em termos de preparo. Um gênio. Preparado e pronto para assumir seu papel.

Já fico olhando o quadro e torcendo para o crescimento de uma direita civilizada. Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista, que afaste o fascismo.

Que Deus se apiede de nós!

É necessário lembrar o mestre Torquato Neto no Poema do Aviso Final:

“É preciso que haja algum respeito , ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadada.”

Uma resposta

  1. Lamentável a análise de Kakay sobre Lula, alinhada com a visão direitista, para eliminar Lula de 2026. Kakay é uma decepção. Excelente o comentário de Valter Pomar que, com mestria, põe os devidos pingos nos ” is”.

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