Por Valter Pomar (*)
Está publicado na conta oficial de Lula no twitter: “A convite do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniram para um almoço com muita democracia no cardápio. Os ex-presidentes tiveram uma longa conversa sobre o Brasil, sobre nossa democracia, e o descaso do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia”.
Considerando que Lula é adulto e vacinado, com quem ele almoça e conversa deveria ser um problema (quase só) dele.
E tendo em vista a lista de personagens com que Lula se reuniu nos últimos dias, que diferença faz um a mais, um a menos?
Mas como envolve Nelson Jobim e FHC, espero que tenham posto alguém para provar o tal “cardápio democrático” antes de Lula levar algo à boca.
Lembro uma frase de FHC sobre Lula, dita em abril de 2018: “Lula não é um preso político. É um político preso”. E acrescentou: “justiça se cumpriu”.
Quanto a Nelson Jobim, trata-se de um “grande estadista” envolvido em muitas “operações especiais”, como se pode confirmar lendo os textos abaixo:
… sobre uma “arrumada” no texto constitucional de 1988:
… sobre Gilmar Mendes, a Abin e PF:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/495597/noticia.htm?sequence=1
… sobre os militares chantageando Lula:
Que gente nossa acredite que FHC e Jobim gostam de um “cardápio democrático”, só confirma que Bolsonaro cumpre bem o papel de bode na sala.
O que preocupa a classe dominante e a maioria de seus representantes, como FHC e Jobim, não é o sofrimento do povo, nem a soberania nacional, nem as liberdades democráticas.
O que os preocupa é que as pesquisas indicam que – se a eleição presidencial fosse hoje – Lula venceria.
Claro que as pesquisas também indicam que há uma parcela expressiva da população que gostaria de uma “terceira via”. Mas até agora não apareceu um “ator” capaz de desempenhar tal papel.
O que a classe dominante e seus representantes podem fazer diante deste cenário? Não sei e talvez nem eles saibam ao certo. Mas uma coisa é certa: o ambiente exige que eles façam alguma “operação especial”.
Motivo a mais para estarmos alertas para todas as possibilidades que vêm sendo consideradas e cozinhadas pelo lado de lá, na cada vez mais alta temperatura proveniente da crise sanitária, social, econômica, política, nacional e internacional.
Uma alternativa para a classe dominante seria apoiar novamente Bolsonaro, que ainda preserva uma importante base eleitoral, base que pode aumentar se a pandemia refluir e se a situação econômica melhorar um pouco. Sendo bom lembrar que importantes setores do grande empresariado estão lucrando como nunca e neste particular não têm do que reclamar do cavernícola. Mas apoiar Bolsonaro significaria mais polarização e, portanto, mais riscos, pois o risco que corre o pau corre o machado.
Neste sentido, “inventar uma terceira via” seria o melhor para “elles”, mas até o momento não conseguiram tirar da cartola um “artista” capaz de desfazer a polarização.
Entretanto, não vamos nos esquecer que em 2018 Lula também liderava as pesquisas e foi a direita gourmet (e não Bolsonaro) que viabilizou o golpe contra Dilma, assim como a condenação, prisão e interdição eleitoral de Lula.
Os que em 2018 tiraram Lula, hoje poderiam tentar “tirar Bolsonaro”, já que isso os ajudaria a abrir espaço para uma “terceira via” da direita gourmet. Foi mais ou menos isto que ocorreu quando Collor foi afastado. Mas há muitas diferenças e riscos, a começar pelo vice Mourão, pela tutela militar e pela extrema direita.
Outra alternativa para a classe dominante seria tentar “cooptar a esquerda”. A chamada Carta aos Brasileiros mostrou que este caminho é possível. Mas o mundo e o Brasil mudaram muito. Uma das diferenças é que se hoje nos comprometêssemos a “respeitar os contratos” – ou seja, se a esquerda se comprometesse a preservar as contrarreformas adotadas desde o golpe de 2016 – teríamos imensas dificuldades até mesmo para repetir o que fizemos entre 2003 e 2014.
Este talvez seja o maior dos obstáculos para uma “frente ampla” da esquerda com a direita gourmet (mesmo quando esta direita se apresenta fantasiada de “centro”). Que sentido faria elegermos Lula e mudarmos muito pouco, quase nada?
Vale dizer que a rapidez com que o Congresso e o governo estão realizando mudanças estruturais têm também o propósito de criar fatos consumados. O que cria dificuldades tanto para os que desejam fazer de novo o que já fizemos, quanto para os que pretendem dar um salto de qualidade.
Para derrotar Bolsonaro e eleger Lula, não nos interessa -a preços de hoje – que a “terceira via” (ou seja, a direita gourmet, os neoliberais tradicionais) se viabilize eleitoralmente. Mas tampouco nos interessa passar o pano nesta gente, indigesta demais inclusive do ponto de vista eleitoral.
E já que estamos tratando de neoliberais, vamos lembrar que eles adoram lembrar que não existe almoço grátis. Alguém almoça, alguém é almoçado e alguém paga a conta. Que não sejamos nós.
ps.: duas companheiras me enviaram a mensagem abaixo, que fala por si mesma
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT