Lula gosta mesmo do chuchu?

Por Valter Pomar (*)

Lula deu uma ótima entrevista para a Rádio Gaúcha.

A íntegra da entrevista está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=d7-BMs_f36Y

Recomendo particularmente dois trechos.

Um trecho em que Lula defende Edegar Pretto, candidato do PT ao governo do Rio Grande do Sul.

E outro trecho em que Lula critica os dois pesos e medidas da grande mídia, tão loquaz sobre as prisões na Nicarágua em 2021, mas majoritariamente cúmplice da prisão de Lula no Brasil de 2018.

Mas há um terceiro trecho da entrevista que está causando especial polêmica: é aquele no qual Lula é perguntado sobre Alckmin.

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Segue a transcrição (feita por Marcos Jakoby) do referido trecho:

ENTREVISTADORA [Rosane de Oliveira] – A gente ouviu durante muito tempo acusações mútuas suas, do senhor, contra o PSDB e Geraldo Alkmin e agora Geraldo Alkmin é cotado para ser seu vice. Como é que se faz essa construção? Ele é mesmo um nome que o senhor queira ter como seu companheiro de chapa?

LULA – Rosane, deixa eu lhe dizer uma coisa: eu já tenho 23 vices e 8 ministros da fazenda. E eu nem sou candidato ainda. Quando eu fui presidente da República eu tive uma extraordinária relação com o Alkmin, eu tive uma extraordinária relação com o Serra, eu tive uma extraordinária relação com Yeda Crusius, eu tive uma extraordinária relação com o Rigotto, porque eu não fazia diferença na minha relação com os entes federados. Eu não queria saber de que partido era a pessoa. Então com o Alkmin eu tive uma extraordinária relação, o Alkmin foi um governador responsável aqui em São Paulo, ele está numa definição de partido político, nós estamos num processor de conversar, vamos ver se na hora de definir se sou candidato ou não se é possível a gente construir uma aliança política.  Primeiro é preciso saber qual o partido que o Alkmin vai entrar. Ele ainda não definiu. Mas é o seguinte: eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições e quero construir uma chapa para mudar outra vez a história do país.

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No trecho acima, bem fiel ao seu estilo Malba Tahan, Lula começou fazendo uma afirmação que estabelece uma régua com a qual deve ser medido o restante do que ele diz.

A afirmação é: “tenho 23 vices e 8 ministros da fazenda” e “nem sou candidato ainda”.

Se esta afirmação é 100% verdadeira, então também é 100% verdadeiro o que ele diz dos tucanos citados na entrevista.

Mas se aquela afirmação (“nem sou candidato ainda”) não é 100% verdadeira, então o mesmo vale para o que Lula diz de Serra, Yeda, Rigotto e Alckmin.

Qualquer que seja a resposta escolhida, é verdade que Lula tratou de maneira republicana os “entes federados”, independente do partido ao qual cada governador era filiado. Vale lembrar que a recíproca não foi sempre verdadeira.

Vista sob o prisma Malba Tahan, uma das melhores frases é “Alckmin foi um governador responsável aqui em São Paulo”.

Realmente Alckmin foi “responsável”. Muito responsável, por exemplo, por implementar políticas que prejudicaram parcelas importantes do povo paulista e por defender políticas nacionais que iam e vão na contramão do defendido pelo PT, ontem, hoje e amanhã.

Sem falar de Paulo Preto, da ação da PM, do PCC, da Opus Dei e de outras questões que alguns podem achar menores.

Seja como for, o que me parece o filé deste trecho da entrevista de Lula está no ponto em que ele diz que Alckmin “está numa definição de partido político, nós estamos num processor de conversar, vamos ver se na hora de definir se sou candidato ou não, se é possível a gente construir uma aliança política.  Primeiro é preciso saber qual o partido que o Alkmin vai entrar. Ele ainda não definiu. Mas é o seguinte: eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições e quero construir uma chapa para mudar outra vez a história do país”.

Notem que neste filé reaparece o estilo Malba Tahan: “na hora de definir se sou candidato ou não” vamos ver “se é possível a gente construir uma aliança política”.

Lembrando: se a afirmação inicial for 100% verdadeira, o resto também é. Se for parcialmente verdadeira, o resto é parcialmente verdadeiro. E assim por diante.

Talvez por saber algo que eu não saiba, ou talvez por não conhecer Malba Tahan, ou por qualquer outro motivo, os defensores da aliança com Alckmin exultaram com o referido trecho da entrevista de Lula. Acontece que neste trecho só tem uma afirmação inequívoca: “primeiro é preciso saber em qual partido Alckmin vai entrar”.

Lula encerra afirmando duas ideias: “eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições e quero construir uma chapa para mudar outra vez a história do país”.

Não sei a opinião de Lula, mas conheço alguns petistas importantes que acreditam que uma chapa com Alckmin ajudaria a ganhar as eleições. Esta crença é baseada em argumentos de tipo político-eleitoral e, na minha opinião, desconsideram inteiramente os riscos e efeitos colaterais de uma hipotética aliança deste tipo. Sem falar que parecem esquecer que o desempenho de Alckmin em 2018 foi abaixo de Ciro.

Lembremos contudo que Lula usa dois verbos: ganhar e mudar.

Deve existir quem acredite que uma chapa com Alckmin seria capaz de “mudar outra vez a história do país”, tanto quanto existiram aqueles que acreditaram que uma chapa com Temer seria capaz de aprofundar as mudanças.

Mas qual seria o programa desta aliança? Que concessões seriam feitas por cada uma das partes? Quais as garantias recíprocas? Como lidar com os riscos decorrentes de ter um golpista neoliberal na vice?

Os petistas que defendem o picolé de chuchu (ou qualquer outro vice do mesmo naipe) deveriam nos explicar o que pensam a respeito.

Por fim: eu realmente não sei o que Lula pensa a respeito, nem o que fará na hora da verdade. Mas por isso mesmo acho importante que ele saiba o que cada um dos petistas, apoiadores e eleitores pensa a respeito. Motivo pelo qual seria muito importante que todos se posicionassem (inclusive aqueles que diziam ser tudo fake news).

Infelizmente, como me escreveu um companheiro, tem muita gente contando com “a hipótese de que esse negócio não vai evoluir. Mas aos poucos pode ir se estabelecendo. No início dos encontros de Lula com figurões golpistas da direita em Brasília, vi muita gente querendo não acreditar no que estava vendo e na possibilidade dos mesmos tipos de aliança se repetirem, e por isso achando que era uma tática genial de Lula para causar confusão no lado de lá”.

Genial não é, mas de fato o estilo Malba Tahan gera confusão do lado de lá – o que é bom-, mas também gera muita confusão do lado de cá, onde já há confusão de sobra (basta repassar o noticiário dos últimos dias, sem falar nas confusões causadas ou favorecidas por decisões igualmente “geniais” tomadas no passado, como é o caso da aliança com Temer).

O que mais me preocupa, entretanto, é que esta discussão sobre um vice neoliberal vai na contramão do que precisamos, para ganhar e para governar. Aliança com os tucanos – não importa a cepa – não cria empregos, nem mata a fome, não contribui para garantir bem estar, liberdades, soberania e desenvolvimento.

Nem é boa companhia para enfrentar a extrema direita.

(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT

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