Por Raimundo P. Silva (*)
De novo a nação assiste a sanha latifundiária legislativa recorrente em criminalizar a luta social pela reforma agrária, e por que isto? Medo do que as ocupações de terras pacíficas revelem o caráter perverso do agro (apelido midiático do agronegócio).
A elite agrária colonizada, associada e dependente ao capital global, sem projeto nacional, quer bagunçar a relação do Executivo com o Congresso nacional, visto que o atual governo vem reconstruindo a democracia nacional com a retomada do desenvolvimento com inclusão social, colocando no centro o problema da desigualdade e da distribuição da renda entre as classes sociais – no território rural é onde se agudiza essa cruel realidade.
Uma economia nacional próxima de pleno emprego tornaria os camponeses e os trabalhadores rurais não disciplinados diante dos interesses do latifúndio e do capital, parafraseando um sabido polonês, Michal Kalecki. O acesso à terra pela Reforma Agrária torna exequível o pleno emprego em todos os cantos da vastidão do território rural, possibilidade inaceitável para o agro.
A ocupação de terra pacífica, como instrumento de luta social pela Reforma Agrária, como disse meu mestre e amigo Plínio de Arruda Sampaio, apresenta ao latifúndio, herdeiro da cultura escravocrata de mais de 500 anos, os camponeses e os trabalhadores do campo como cidadãos, participantes legítimos da produção da riqueza e beneficiários da sua partilha.
Tem a ousadia de denunciar um dos pilares da desigualdade social e da concentração da riqueza e da renda: o monopólio da terra – cerca de 1% da população detém a posse de algo em torno de 50% do território rural, defendida por cercas, jagunços e agentes de Estado. E de ampliar as oportunidades econômicas, sociais, políticas e culturais para o povo, edificando a equidade e a justiça social no território rural, subvertendo a ordem, a julgar as dificuldades de se quebrar o montante dos privilégios que permeiam a estrutura de classes na sociedade agrária brasileira.
O gesto do movimento social de levantar a bandeira da ocupação de terra, se traduz numa questão simples de entender e, por isso, intolerável aos ouvidos do agro: a Constituição determina que latifúndios improdutivos e as terras devolutas (tomadas pela grilagem) devem ser destinados à Reforma Agrária e estabelece a função social da propriedade agrícola.
O ódio das oligarquias agrárias jamais perde de vista as ocupações pacíficas, pois elas têm a ousadia dos camponeses em garantir os direitos constitucionais que se soma a outra ousadia, também intolerável: a disputa legítima e sobre o fundo público (recursos do Estado) pelos assentamentos rurais – cerca de 1 milhão de famílias camponesas produzindo alimentos.
Como represália, o agro latifundiário, mais uma vez, articula uma CPI contra o MST. Isto é grave, uma vez que se trata de criminalizar um movimento que mantém uma bandeira acesa cotidianamente: a Reforma Agrária, inquietando a consciência democrática da nação.
(*) Diretor da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária).