Somos todas Margaridas que não fogem da luta!
Por Suelen Aires Gonçalves (*)
“…melhor morrer na luta do que morrer de fome”.
A frase toca-me profundamente desde que conheci a história de Margarida Alves, e tornou-se um manto de lutas e afetos. Proferida mais precisamente no dia 1º de maio de 1983, ecoa a luta travada nos anos 70 e 80, retratando a dura realidade de trabalhadoras e trabalhadores de canaviais que não tinham acesso a nenhum direito.
Muito à frente do seu tempo, a paraibana Margarida foi a primeira mulher a presidir um sindicato de trabalhadores rurais. No contexto de lutas e de persistência, em plena ditadura militar, ela e sua companheirada não se intimidaram com latifundiários e governantes de extrema-direita da região, nem com parcelas da sociedade herdeiras do escravismo que rejeitavam temas centrais da luta dos trabalhadores por direitos como carteira de trabalho, licença maternidade, jornada de oito horas de trabalho, 13° salário, descanso semanal, férias etc. Margarida avançou na construção de uma identidade de liderança camponesa e sindical com o diferencial de unir as pautas de lutas ao contexto da luta das mulheres.
E hoje, 40 anos após seu assassinato político, a Marcha das Margaridas tem sido uma referência de construção de um projeto de sociedade que propõe um Brasil sem violência, onde a democracia e a soberania popular sejam centrais, com relações justas e respeito à natureza. Com a presença estimada de 100 mil mulheres na luta por direitos em Brasília, nos dias 15 e 16 de agosto de 2023, somou-se uma coletividade de vozes de mulheres do campo, da floresta e das águas, com a coragem e a esperança afirmadas pela história da líder sindical.
Realizada desde o ano 2000, a Marcha das Margaridas contou com edições em 2003, 2007, 2011, 2015 e 2019. Tornou-se uma grande referência e com uma capacidade de mobilização e organização de mulheres por todo país. Traz, como uma das suas marcas, o caráter formativo, além de ser canal de denúncia e pressão. Aberta ao diálogo, também se tornou um espaço de convergência de proposições em relação às políticas públicas. Ou seja, tornou-se amplamente reconhecida como a maior e mais efetiva ação das mulheres no Brasil. A marcha tem um marco temporal de ser realizada em agosto para re-vivificar o mês em que Margarida Alves foi vítima de feminicídio, ou melhor, um feminicídio necropolítico, como apresento em minhas pesquisas.
Nós, Margaridas, somos muitas. Somos mulheres da classe trabalhadora, mulheres rurais, mulheres urbanas, mulheres negras, mulheres jovens, mulheres lésbicas, mulheres trans, mulheres agricultoras familiares, mulheres camponesas, mulheres indígenas, mulheres quilombolas, mulheres assentadas / acampadas, mulheres sem-terra, mulheres extrativistas, mulheres quebradeiras de coco, mulheres ribeirinhas, mulheres pescadoras, mulheres benzedeiras, entre tantas outras. Na luta contra todo o tipo de violência contra as mulheres do campo e da cidade, seguiremos!
(*) Suelen Aires Gonçalves é feminista negra e militante do PT.
Uma resposta
Acompanho, sigo em quase tudo as orientações e propostas defendidas pela AE. Permaneço sem vínculos com a organização por decisão essencialmente pessoal e derivada das minhas condições de saúde e também pessoais.