Por Luiz Sérgio Canário (*)
Uma das variantes da história popular de colocar o bode na sala, diz que estavam todos felizes em uma sala, todos na maior harmonia, todos cidadãos e cidadãs do bem, até que alguém põe um bode fedorento e barulhento na sala. Causa um enorme tumulto no início, mas logo as pessoas se acostumam com o tal bode. Ao que parece a indicação de Marcio Pochmann para a presidência do IBGE é o bode colocado na sala da felicidade por Lula. E o danado do bode está causando o maior alvoroço, não só na sala, mas no palácio inteiro. E até mesmo no seu entorno.
Poucas vezes se viu um incômodo tão grande pela indicação de uma pessoa para um cargo. Principalmente para o de uma instituição com as características do IBGE. E qual a razão dessa reação desproporcional é a pergunta ainda sem uma resposta clara. Há críticas para todos os gostos. Marcio Pochmann é o novo demônio da República. A presença dele no IBGE irá destruir por dentro a harmonia de uma nota só da equipe econômica e por em cheque todas as tais conquistas obtidas até agora. Como se o principal órgão de produção de dados e estatísticas do país fosse o responsável pela política econômica. É um infiltrado de altíssima periculosidade. Só faltou chamá-lo pelo adjetivo fatal: comunista. Mas chegaremos lá, provavelmente.
Pochmann é um quadro antigo do PT. E um acadêmico renomado com várias dezenas de livros e textos publicados. Orientador de vários mestres e doutores pelo mundo afora. Sempre aliou sua atividade acadêmica com sua atividade política. Foi candidato pelo PT, secretário municipal, dirigente de órgãos públicos e quadro dirigente de organizações de elaboração e formação política. Não é, como ninguém é, uma unanimidade. Suas posições em relação às políticas econômicas que o PT está implementando nesse momento são públicas e desfavoráveis ao pensamento hegemônico na equipe econômica encabeçada por Haddad. Faz críticas, concorde-se ou não, consistentes a essa política.
O foco principal de sua atuação na academia é o mundo do trabalho. E isso lhe dá uma bagagem teórica para analisar as políticas econômicas na perspectiva de mudanças radicais na relação capital-trabalho e que tenham como consequência não só a melhoria nas condições objetivas de vida da classe trabalhadora, mas também seu fortalecimento no enfrentamento de suas lutas contra a exploração capitalista. Sob qualquer ótica objetiva que se procure analisar não há nada que o desabone para ocupar a posição que está prestes a ocupar.
Alguns falam que ele não tem nenhuma experiência nessa área. No mundo das grandes empresas, tão cantado como prova da competência da espécie humana, nada é tão comum quanto “executivos” de um tipo de negócio serem bem-sucedidos em outros. Um exemplo, que foi muito discutido na época, início da década de 90, foi o de Louis Gerstner, que saiu de uma fábrica de biscoitos, a Nabisco, para ser considerado um dos melhores presidentes que a IBM, uma empresa de TI, já teve.
Não se trata de fazer apologia a uma pessoa. O que está acontecendo com Pochmann aconteceria e acontecerá com qualquer outra pessoa que não esteja rezando a mesma cartilha das equipes de Haddad/Tebet. Qualquer voz dissonante será tratada da mesma forma. Logo, o centro da discussão não é a defesa de uma pessoa, mas sim as razões que levaram a tamanha rejeição do que essa pessoa representa. Há várias interpretações no mercado. Mas uma coisa é certa: esse bode está causando um incômodo incomum.
Uma coisa é certa: o convite a Pochmann foi feito por Lula. Ele o impôs no cargo. Tebet teve que engolir, dando a desculpa de que Lula nunca lhe havia pedido nada e que ela não poderia negar um pedido dele. Ela perdeu sem nem disputar. Possível candidata da direita limpinha e cheirosa, levou na cabeça. Isso revolta seu entorno e quem quer construir uma candidatura de “centro-direita” alternativa ao colegiado Centrão/Bolsonaro ainda mais à direita, beirando o fascismo. Também deixa pronta uma eventual substituição ou porque ela pede para sair ou porque é posta para fora. Pochmann está ali bem do lado para sentar-se na cadeira. O que certamente seria muito bem-vindo.
Pode também ter sido um recado para Haddad e sua equipe. O contraponto a seu programa neoliberal está bem ali. Uma coisa é lidar com uma quase igual no planejamento, outra é lidar com alguém sem nenhum compromisso com o mercado financeiro. Muito pelo contrário. As manifestações dos últimos dias mostram que “mercado” não gostou nada do bode na festa.
Pochmann certamente não tem, na posição que ocupará, nenhuma capacidade de intervir no debate econômico dentro do governo. O IBGE não participa dos processos de decisão. Mas certamente ganha massa política para que suas opiniões saiam dos circuitos em que atualmente estão. Sua simples presença já estraga o clima da festa. Tal qual o bode na sala.
Torçamos por mais Pochmanns nessa festa. Quem sabe os bodes não ocupam o Palácio?
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo -SP