Ministério Lula 2023: considerações preliminares

Por Valter Pomar (*)

O cavernícola, naquela que foi por ele mesmo anunciada como sendo a “última live do ano”, pediu para comparar seu ministério com o de Lula.

Comparação feita, o de Lula ganha em todos os quesitos. Aliás, se há algo que pode ser considerado profundamente negativo no ministério que tomará posse em 2023, é exatamente devido a presença de uns poucos ministros que possuem algum tipo de vínculo com o cavernícola.

Entretanto, o ministério de Lula será julgado não pela comparação com o passado, mas sim pelo que venha a fazer. E, no que diz respeito ao futuro, há muitas variáveis em aberto e toda conclusão que tirarmos agora será necessariamente parcial e preliminar.

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Feito este alerta e antes de fazermos os tais comentários parciais e preliminares, repassemos a nominata de ministros e ministras, tomando como base as informações divulgadas pelo site do PT (https://pt.org.br/saiba-quem-sao-os-ministros-e-as-ministras-do-novo-governo-lula/), com alguns adendos de minha responsabilidade.

1.Casa Civil: Rui Costa, ex-governador da Bahia.

2.Gabinete de Segurança Institucional: Gonçalves Dias (MA), general da reserva.

3.Secretaria de Comunicação Social: Paulo Pimenta, deputado federal pelo PT-RS

4.Secretaria de Relações Institucionais: Alexandre Padilha, deputado federal pelo PT-SP

5.Secretaria-geral: Márcio Macedo, vice-presidente nacional do PT, ex-deputado federal pelo PT-SE

6.Advocacia-Geral da União: Jorge Messias (PE), foi subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, de 2015 a 2016, no governo de Dilma Rousseff. Vinculado ao PT.

7.Controladoria-Geral da União: Vinicius Carvalho (SP), foi Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de 2012 a 2016. Vinculado ao PT.

8.Ministério da Agricultura e Pecuária: Carlos Fávaro, senador pelo PSD do MT.

9.Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação: Luciana Santos (PE), presidenta nacional do PCdoB.

10.Ministério da Cultura: Margareth Menezes (BA), cantora e fundadora do selo Estrela do Mar Records e da Associação Fábrica Cultural.

11.Ministério da Defesa: José Múcio Monteiro (PE), foi ministro entre 2007 e 2009 e ocupou a presidência do Tribunal de Contas da União (TCU).

12.Ministério da Fazenda: Fernando Haddad (SP)

13.Ministério da Educação: Camillo Santana (PT), ex-governador do Ceará e senador eleito em 2022.

14.Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos: Esther Dweck (RJ), economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vinculada ao PT.

15.Ministério da Igualdade Racial (MIR): Anielle Franco (RJ), jornalista e diretora do Instituto Marielle Franco.

16.Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (SP, ex-PSDB, filiado ao PSB, vice-presidente da República)

17.Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional: Waldez Goés, filiado ao PDT e governador do Amapá até o final de 2022.

18.Ministério da Justiça e Segurança Pública: Flávio Dino (MA), ex-governador do Maranhão e senador eleito em 2022.

19.Ministério da Pesca e Aquicultura: André de Paula (PE). Por algum lapso o site do PT não informa, mas o referido ministro é atualmente deputado federal pelo PSD e, em entrevista à imprensa, afirmou que a Operação Lava Jato seria “intocável”.



20.Ministério da Previdência Social: Carlos Lupi (RJ), presidente nacional do PDT.

21.Ministério da Saúde (MS): Nísia Trindade (RJ). Presidenta da Fiocruz desde 2017. Próxima ao PT.

22.Ministério das Cidades: Jáder Filho, presidente do MDB do Pará.

23.Ministério das Comunicações: Juscelino Filho, deputado federal pelo União Brasil do Maranhão. Votou pelo impeachment de Dilma, comemorou a prisão de Lula e fez parte da base de Bolsonaro.



24.Ministério das Relações Exteriores: Mauro Vieira. Foi embaixador na Argentina e nos Estados Unidos e chanceler do governo federal em 2015.

25.Ministério de Minas e Energia: Alexandre Silveira, senador pelo PSD de MG.

26.Ministério das Mulheres: Cida Gonçalves (PT). Foi secretária nacional do Enfrentamento à Violência contra a Mulher nos governos Lula e Dilma.

27.Ministério de Portos e Aeroportos: Marcio França. Foi governador de São Paulo, prefeito de São Vicente, deputado federal e é presidente da Fundação João Mangabeira do PSB.

28.Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar: Paulo Teixeira, deputado federal pelo PT de SP.

29.Ministério do Desenvolvimento Social, Assistência, Família e Combate à Fome: Wellington Dias. Foi por quatro vezes governador do Piauí e eleito duas vezes senador pelo Estado. Foi deputado federal e estadual.

30.Ministério do Esporte: Ana Moser (SC), voleibolista e campeã olímpica.

31.Ministério do Meio Ambiente: Marina Silva, nascida no Acre, onde foi senadora, ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula, é atualmente deputada federal pela Rede de SP.

32.Ministério do Planejamento e Orçamento: Simone Tebet, senadora pelo MDB do MS.

33.Ministério do Trabalho e Emprego: Luiz Marinho. Foi ministro do Trabalho e Previdência, prefeito de São Bernardo do Campo e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Atualmente é deputado federal do PT-SP.

34.Ministério do Turismo: Daniela do Waguinho é deputada federal pelo União Brasil do RJ. O Waguinho de seu nome refere-se ao prefeito de São Gonçalo, apelidado carinhosamente de “malandro” por um vice-presidente nacional do PT. Nas eleições de 2022, Bolsonaro teve 54% dos votos no primeiro turno e 60% dos votos no segundo turno. Que cada um tire suas próprias conclusões.

35.Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania: Silvio Almeida (SP), professor e presidente do Instituto Luiz Gama.

36.Ministério dos Povos Indígenas: Sonia Guajajara, nascida no Maranhão e eleita deputada federal pelo PSol-SP.

  1. Ministério dos Transportes: Renan Filho, senador pelo MDB de Alagoas.

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Não são ministros, mas poderiam entrar nesta lista o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, atualmente presidente da Fundação Perseu Abramo; a presidenta do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros; a presidenta da Caixa Econômica Federal, Maria Rita Serrano; o presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, senador (PT-RN). Destaque-se, ainda, Marcelo Freixo (ex-PT, ex-PSOL e agora ex-PSB) na Embratur e Joênia Wapichana (deputada federal REDE RR) na FUNAI.

Finalmente, há que considerar como parte da cúpula de fato do governo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE); o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (REDE-AP).

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Repassada a nominata, vejamos algumas características do ministério, ressalvada alguma imprecisão:

-11 mulheres e 26 homens, portanto mais de 2/3 de homens;

-esmagadora maioria de brancos (31 dos 37);

-15 dos 37 têm sua base de atividade política e/ou profissional em algum estado do sudeste, sendo 9 de São Paulo, 5 do Rio de Janeiro e 1 de Minas Gerais;

-11 dos 37 tem sua base de atividade política e/ou profissional em algum estado do nordeste, sendo que cada estado da região tem pelo menos um representante no ministério;

-3 dos 37 tem sua base de atividade política em estados do centro-oeste (MS e MT);

-2 dos 37 tem sua base de atividade política em estados do Norte (PA e AP);

-1 dos 37 tem sua base de atividade política em estados do Sul (RS);

-5 desenvolvem atividades profissionais aparentemente desvinculadas de seu estado de nascimento ou moradia;

-17 dos 37 são petistas de carteirinhas ou vinculados à Nação petista;

-3 do PSB;

-3 do MDB;

-3 do PSD;

-2 do União Brasil (o partido, entretanto, não se considera parte da base do governo);

-2 do PDT (embora na verdade 1 destes tenha sido bancado por David Alcolumbre, portanto pelo União Brasil, que de fato tem três cadeiras no ministério);

-1 do PCdoB;

-1 da Rede;

-1 do PSOL (o partido, entretanto, não se considera oficialmente representado no governo);

-vários senadores e deputados eleitos, que terão que tomar posse em seus mandatos e se licenciar;

-no caso dos petistas de carteirinha, são quase todos do grupo majoritário ou de seus aliados. Um único ministro petista não votou na atual presidenta nacional do PT no congresso partidário realizado em 2019. Ainda no caso do PT, chama a atenção a ausência de um petista de Minas Gerais, único estado do sudeste onde Lula venceu as eleições no primeiro e no segundo turno.

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Dada a tática eleitoral e a política de alianças adotada, mais o fato de o presidente ter sido eleito em segundo turno, tendo que conviver com um Congresso majoritariamente de direita, estava precificado que o ministério realmente existente não seria o de nossos sonhos. Entre outros motivos porque se decidiu que haveria no ministério gente oriunda de partidos que não apoiaram Lula no primeiro turno e nem mesmo no segundo turno.

Curiosamente, muitos dos que mantiveram silêncio obsequioso ou inclusive apoiaram com entusiasmo as mais amplas alianças, só agora parecem estar se dando conta dos efeitos colaterais das decisões tomadas no primeiro semestre de 2022.

Entretanto, “ter a presença de” não significa ter a presença de qualquer um, em qualquer lugar. Neste sentido, mesmo nos marcos da política adotada e das circunstâncias, outras soluções eram possíveis.

Tebet, por exemplo, queria ter mais do que levou e levou mais do que merecia. Afinal, as candidaturas da terceira via contribuíram e muito para a disputa ir ao segundo turno. E sua contribuição no turno final foi menor do que a propagandeada.

Mas o caso mais grave de concessão indevida é o das Comunicações, cuja titularidade foi entregue a um deputado federal que votou pelo impeachment de Dilma, comemorou a prisão de Lula e fez parte da base de Bolsonaro. Há outros casos graves, por óbvio, mas o caso das Comunicações transcende, não só por quem é e pelo que fez, mas principalmente pelo tamanho do presente que recebeu.

Entregar a este tipo de gente o ministério da Comunicações foi um grave erro estratégico. Agradecimentos a quem teve a luz de manter separados o Ministério das Comunicações e a Secretaria de comunicação social: não fora isto, o dano teria sido ainda maior.

Ademais das Comunicações, outro grave erro estratégico foi cometido na Defesa: o ministro e os seus comandantes foram escolhidos “ao gosto do freguês”. Com esta gente, não será dado um único passo no sentido de superar a tutela militar, variável que ajuda a entender o que está ocorrendo na frente e principalmente dentro dos quarteis.

Neste caso se percebe o desdobramento de um erro grave de muitos setores do próprio PT, setores que escolheram abrir mão de disputar os rumos do programa na área da Defesa, quando ele ainda estava sendo discutido internamente ao Partido. Não houve debate nem formulação sobre Defesa no PT, não houve no âmbito da Federação, não houve no âmbito da coligação, não houve na transição e um dos efeitos colaterais disto tudo é este ministro da Defesa e os três comandantes militares.

Isto posto, cabe perguntar: este ministério será capaz de contribuir para fechar as várias portas do inferno? Este ministério será capaz de contribuir para abrir as várias portas do paraíso?

Lembrando quais são as portas do inferno que precisam ser fechadas: a da extrema-direita, a da tutela militar, a da tutela do centrão, a do neoliberalismo, a do imperialismo.

Lembrando quais são as portas do paraíso que precisam ser abertas: a do bem-estar social, a da soberania nacional, a das liberdades democráticas, a do desenvolvimento de novo tipo.

Respondendo à pergunta feita anteriormente: sim; a maioria dos ministros e ministras indicadas até agora, maioria que é de petistas e aliados efetivamente de esquerda, pode contribuir nos dois sentidos.

Se o farão ou não, dependerá de circunstâncias que transcendem a pessoa indicada: a composição do conjunto de cada ministério, inclusive nos estados; as políticas que cada ministério vai implementar e a ação do governo como um todo; o curso geral da luta entre classes no país, para a qual o governo contribui, mas na qual a esquerda partidária e social tem muito o que dizer e fazer; e o curso geral da luta entre Estados no mundo.

Noutras palavras: estamos diante de um governo em disputa.

Aliás, uma curiosidade: esta definição (“governo em disputa”) foi utilizada por alguns setores do Partido já em 2003. Naquela época, entretanto, o grupo majoritário do PT e, também, parte da esquerda do PT recusavam o termo. Os primeiros entendiam que o governo era, de conjunto, o máximo possível; já os segundos achavam que o governo era, de conjunto, o mínimo possível. Hoje, vinte anos depois, a maioria dos partidos de esquerda que apoiaram Lula admite, explicita ou implicitamente, que estamos diante de um governo em disputa.

Mas se é assim, é possível desde já tirar algumas conclusões, entre as quais as seguintes.

Primeiro: este ministério é o ponto de partida, mas não pode nem deve ser o ponto de chegada. Especificamente nas Comunicações e na Defesa, outros ministros são possíveis e necessários. E compete a esquerda, mesmo sem ter a titularidade dos ministérios, disputar publicamente o rumo das respectivas políticas públicas (é bom lembrar que Defesa é uma política pública).

Segundo: os ministérios que estão nas mãos de aliados de direita e outros não muito confiáveis podem ser instrumentos do governo para disputar os adversários, mas também podem ser instrumentos dos adversários para disputar o governo. O caso da Tebet demonstrou isto: o esforço para engordar os poderes do Planejamento tinha como objetivo interferir na política econômica. Por isso, novamente, cabe disputar publicamente o rumo das respectivas políticas públicas.

Terceiro: o fato de um ministério ter como titular alguém de esquerda não significa, por si só, a garantia de que o programa será executado. O caso das nomeações feitas, inicialmente, por Flávio Dino para a PRF e para a área de presídios demonstrou o tamanho do risco que corremos. Assim, também nesses casos, nos cabe orar e vigiar. E, como sugeriu publicamente o presidente Lula, criticar sempre que necessário.

Quarto: não temos todo o tempo do mundo. No plano da institucionalidade, seremos testados nas eleições municipais de 2024, para a qual precisamos nos preparar desde já. Mas no plano da vida cotidiana do povo e no terreno da guerra cultural, a batalha será permanente e, de fato, já começou.

Não sabemos como o presidente Lula vai organizar a gestão do seu terceiro mandato, por exemplo se haverá um núcleo político que contribua junto ao presidente na condução política do governo. Mas no que diz respeito ao PT, é imprescindível que nosso partido dê um salto de qualidade na condução da sua própria atuação política. Claro que tem muita gente satisfeita com as coisas como estão, assim como tem muita gente que acha que o autoelogio é a melhor forma de exorcizar os problemas. Mas é impossível não perceber o volume de problemas acumulados e, principalmente, as novas pedreiras que já estão se formando.

Assim sendo, vamos aproveitar e muito a festa da virada de ano, pois 2023 será de muito trabalho e luta.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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