Uma chapa composta por JPT, Levante e UJS tem a sua frente o desafio da reconstrução do movimento estudantil na Universidade de São Paulo.
Por Marcos Hermanson*
Nos dias 7, 8 e 9 de novembro ocorreram as eleições do DCE Livre da USP, entidade máxima de representação dos 92 mil estudantes da Universidade de São Paulo. Com 4338 votos, saiu vitoriosa a chapa Nossa Voz, composta por Balaio (JPT), Levante Popular da Juventude, UJS e estudantes independentes. O grupo teve o mérito de desbancar o chapão do PSOL, que há nove anos ocupava a direção da entidade, e neste pleito recebeu 1520 votos.
As condições do campo de batalha
Sob a justificativa da crise orçamentária, causada pela diminuição da arrecadação do ICMS – imposto que custeia as universidades estaduais – o mandato do atual reitor, Marco Antônio Zago, fez da USP terra arrasada. Sob sua gestão, foram aposentados (via Pacote de Demissão Voluntária) 3.676 trabalhadores.
Só no último ano, mais de 500 bolsas estudantis foram cortadas pela Reitoria, assim como foi fechada a Creche Oeste, ambos pilares da política de permanência na universidade.
O Hospital Universitário, operando com 367 médicos, enfermeiros e técnicos a menos, está em vias de ser inviabilizado definitivamente. Ademais, a contratação de professores no regime de dedicação integral está suspensa desde 2015, o que vêm sucateando a qualidade de ensino em diversas unidades, principalmente aquelas menos favorecidas no rateio de verbas dentro da USP.
Combinado a isso, é importante ressaltar a dimensão que tomou a repressão dentro dos muros da universidade, em especial no campus do Butantã, coração do movimento estudantil uspiano. Exemplo: no dia 7 de março, data em que o Reitor pretendia aprovar no Conselho Universitário uma medida de congelamento de gastos na universidade, a Tropa de Choque foi acionada para reprimir manifestação que tencionava inviabilizar a reunião, bloqueando os portões da Reitoria. Muitos foram presos ou espancados, e o próprio Prédio da Administração Central foi usado de cárcere improvisado. Sob balas de borracha e gás lacrimogêneo, a medida foi aprovada.
O Diretório Central dos Estudantes no período recente
De 2008 até 2017, a entidade foi comandada por forças que, no âmbito nacional do movimento estudantil, se caracterizariam como Oposição de Esquerda (Juntos/MES, RUA/ Insurgência, MAIS, UJC/PCB), com algumas variações ao longo dos anos – exemplo do racha PSTU/MAIS, onde a segunda força, respectivamente, permaneceu ocupando a gestão da entidade.
É sintomático também que 2008 marque o último ano em que o ME foi capaz de conquistar uma grande vitória, através da ocupação da Reitoria – que garantiu a construção de um novo bloco de moradia e a maior abertura dos bandejões. Desde então, é possível apontar um descenso do movimento estudantil e o gradual afastamento da entidade do cotidiano dos estudantes, o que lhe fez incapaz de mobilizar grandes contingentes de discentes, ou de apresentar uma política realmente representativa em relação a diversidade de alunos da USP.
O DCE não é, já há algum tempo, uma entidade capaz de articular os mais diversos cursos e seus respectivos centros acadêmicos em torno de um projeto de universidade. Houve, é claro, picos de mobilização e espontaneísmo dos estudantes frente aos ataques da Reitoria, em parte fortalecidos e incentivados pelas direções a frente das entidades. Mas não houve uma estratégia certeira para canalizar esta mobilização. Muitas greves ocorreram neste período, mas sem avanços objetivos.
Combinou-se a isso o enfraquecimento do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp), uma das maiores forças de oposição a cartilha neoliberal aplicada nos últimos anos. Dessa forma, o cenário de desmobilização facilitou os planos da Reitoria e ajudou a minar as tentativas locais e globais de contraposição ao projeto de Zago.
É do nosso entendimento que a forma como as forças presentes no DCE – em especial MES/Psol – construíam cotidianamente a política da entidade ajudou a fomentar este clima de desmobilização. Com exceção dos momentos de assembleia – muito esvaziadas nos últimos anos – a política era toda decidida a portas fechadas e, mais do que isso, posta em prática de forma desorganizada.
Havia, entre a direção, uma preocupação grande (e justificada, até certo ponto) em formar quadros e fortalecer as forças presentes na gestão, que acabava frequentemente invertendo os princípios e, novamente, deixando os objetivos de mobilização a reboque daqueles que promovem a cooptação de militantes.
Mesmo quando se pensa na estrutura material da entidade, é fácil enxergar o dano feito por uma sequência de gestões irresponsáveis, incapazes sequer de garantir o mínimo de estabilidade financeira à entidade, algo essencial para garantir sua independência e capacidade de mobilização. Hoje, o maior DCE do Brasil não tem sequer um CNPJ ou uma fonte de renda, e depende da boa-vontade dos centros acadêmicos para sobreviver.
Acima de tudo, a intransigência e a falta de mínimo diálogo com funcionários, burocracia, professores e, paradoxalmente, os próprios estudantes, contribuiu para que o DCE fosse cada vez mais uma entidade isolada em seu esquerdismo, incapaz de apresentar vitórias concretas à sua base ou de aglutiná-la em torno de sua política.
Foi neste cenário que surgiu o Balaio, força catalisadora de um amplo movimento de oposição. O Balaio – Núcleo de Estudantes Petistas da USP, surgiu em 2015, congregando estudantes de vários institutos identificados com o petismo e descontentes com a apatia no movimento estudantil.
Através de um firme processo de crescimento, norteado principalmente por seus Congressos e acelerado nos episódios de resistência ao golpe, o coletivo ampliou gradativamente sua presença nos Centros Acadêmicos, ao ponto que, em 2016, já eram oito, e em 2017, logo antes da conquista do Diretório, dez.
Antes tomado pelo esquerdismo ou pela direita, os militantes do Balaio tomaram para si, em grande medida, o trabalho de reestruturar o movimento estudantil em seus cursos. Nas unidades como FFLCH, Direito, FEA e ECA estes centros acadêmicos permitiram ao coletivo, por conta de uma política que dialogava mais com os estudantes comuns, fortalecer suas bases e se lançar com êxito à disputa maior. Os novos militantes, mais ativos nos CAs – tiveram a tarefa de garantir a votação nos seus locais de atuação, e os dirigentes mais experientes foram ao interior e às novas unidades, num esforço grande de dialogar com alunos e entidades estudantis costumeiramente ignoradas pelos grupos do movimento estudantil ligados ao Psol.
O mote de campanha era “Um outro DCE é possível”, e as propostas foram fruto de um longo processo de acumulação, que permitiu ao grupo formular um programa para a USP com mais de 40 páginas. Tradicional às forças do esquerdismo no movimento estudantil, o vazio programático fora abandonado e agora havia, apesar das insuficiências com certeza existentes, um horizonte no qual mirar.
O que vem pela frente
Terminada a exposição a respeito dos últimos anos no movimento estudantil na USP, tomo a liberdade para usar a primeira pessoa. Acredito que os desafios postos à nossa frente não são poucos, e se concentram principalmente na reconstrução do movimento estudantil uspiano e da entidade que deve ser sua principal articuladora.
Somos muitas e muitos, mas com certeza ainda insuficientes para a tarefa que está a nossa frente. Por isso, um de nossos objetivos será o de construir um DCE mais aberto e inclusivo – que possa tocar uma política forte, ampla, democrática – mas que ao mesmo tempo não se deixe implodir pelos “entrismos” daqueles que nos antecederam ou que vêem no PT o principal inimigo da classe trabalhadora.
Teremos de inovar nos métodos, sem cometer os erros de quem já ocupou o mesmo espaço que agora ocupamos, mas também sem cair na tentação de renegar métodos históricos. Tomaremos nas mãos a defesa da universidade pública e de uma USP popular, seremos oposição ao projeto neoliberal emplacado nos últimos anos, nos mantendo insubmissos, mas ao mesmo tempo “pragmáticos” e não intransigentes.
Seremos obrigados a restituir financeira e fisicamente nossa entidade, deixada às moscas por tantos anos, e ao mesmo tempo acompanhar a conjuntura e as lutas cotidianas no Brasil, em São Paulo e na USP, que devem se acirrar em 2018.
Nos dividiremos entre os centros acadêmicos que já compomos, o DCE e os locais para onde devemos ir. Teremos de erguer do zero o movimento nos interiores. Precisaremos conciliar o trabalho partidário com o da entidade, sem confundir ambos. Além disso, dialogar com funcionários, docentes e com entidades estudantis tradicionalmente apolíticas, como atléticas, baterias e empresas juniores.
Por fim, precisaremos fazer uma parte considerável de tudo isso no curto período de mandato que nos foi dado, ao ponto dos estudantes verem em nós esperança e nos escolherem para representá-los mais uma vez.
Não são poucas as batalhas postas no horizonte, acredito, mas que bom que hoje levantamos a cabeça e as enxergamos, ansiosos. Caminharemos, tenho certeza, e esse horizonte se manterá sempre lá, como diria um imortal escritor uruguaio. Bom sinal, diriam alguns.
* Marcos Hermanson é estudante da ECA (USP)
Fonte: Página 13 n. 174, dez. 2017