Por Daniel Valença (*)
Escrevo este texto a poucos dias de a Colômbia realizar seu segundo turno, em 19 de junho. No primeiro turno, abertas as urnas, com uma participação de 55%, Gustavo Petro, do Pacto Histórico, atingiu 40%; Rodolfo Hernández, da Liga de Gobernantes contra la Corrupcion, 28%; Federico Gutiérrez, da Equipo por Colômbia, 23% e Sérgio Fajardo, do Centro Esperanza, 4,20%, seguidos por candidaturas minúsculas.
O uribismo – grupo político que domina a Colômbia há duas décadas, agrega-se ao redor de Álvaro Uribe e se sustenta no narcotráfico, no paramilitarismo (milícias, porém ainda mais poderosas que as brasileiras) e nas burguesias locais – viu seu poder político desmoronar, seja em virtude da crise econômica, política, social e sanitária do país, seja devido às mobilizações de massa do “Paro Nacional”, reprimidas duramente pelo governo, e que terminaram com ao redor de 80 mortes. O candidato do grupo, Óscar Iván Zuluaga, desistiu da candidatura, após o desastroso desempenho nas primárias. Com este movimento, o uribismo buscou fortalecer a candidatura de Federico Gutiérrez, tornando-a capaz de concorrer com a da esquerda, de Gustavo Petro.
Mas o uribismo pareceu também fortalecer, mesmo que não publicamente, a candidatura de Rodolfo Hernández, como um plano C, uma última cartada. Hernández é empresário, milionário, ex-prefeito de Bucaramanga e tem 77 anos. Apesar de estar sendo taxado de o “Trump colombiano” e de, certa vez, ter dito ser admirador de Hitler – fato do qual se retratou logo após, dizendo que se referia a Albert Einstein – seu programa não se aproxima nem do de Trump nem do de Bolsonaro – há, por exemplo, a defesa de pautas ambientais e de direitos humanos. Mais correto seria associar seu triunfo à sua posição demagógica de negação da política (em cenário de crise profunda do uribismo e dos partidos tradicionais da direita, ponto em que se aproxima da conjuntura brasileira), a ser um outsider milionário de direita, de expressões fáceis e aparente “mão dura”, e que manejou bem as redes sociais, especialmente o Tik Tok.
O uribismo, Gutiérrez e todos os candidatos derrotados no primeiro turno (exceto Fajardo, que não declarou apoio a Hernández, porém anunciou não votar em Petro) já anunciaram apoio a Hernandéz. Se matematicamente a unidade das direitas aparenta resolver as eleições em favor de Hernandéz, a gênese de sua candidatura – a antipolítica – é colocada em xeque a partir do desembarque do uribismo e demais políticos da direita tradicional.
De outro lado, Petro e Francia Marquéz defendem um programa de centro-esquerda, com as pautas da reforma agrária, taxação de grandes fortunas, a defesa dos direitos humanos, especialmente de mulheres, indígenas e negros, do meio ambiente, mudanças profundas nas forças repressivas colombianas e seu vínculo com o paramilitarismo, o restabelecimento de relações com a Venezuela e deslocamento da política externa, de uma posição de submissão ao imperialismo norte-americano para um lugar de soberania e priorização das relações sul-sul. A chapa tanto terá que atacar Hernández, por representar o fim da possibilidade de mudanças profundas para a Colômbia, e assim atrair eleitores que nele votaram no primeiro turno em voto de protesto, como também convencer parcelas dos 55% da população que optaram por não votar.
A primeira pesquisa divulgada após o primeiro turno, do Centro Nacional de Consultoría, dava liderança apertada para Rodolfo Hernández. Porém, tanto a segunda pesquisa do mesmo instituto quanto de outras empresas, passaram a atribuir a liderança a Petro, mas sem larga margem (ao redor de 5% de vantagem).
A eleição na Colômbia poderá ser decisiva não apenas para mudanças internas profundas, mas também para a consolidação de nova correlação de forças na região. Pela primeira vez na história, o imperialismo norte-americano pode perder seu principal aliado na região e o país poderá ser protagonista de uma ampla aliança latino-americana.
(*) Daniel Araújo Valença é vice-presidente do PT/RN, professor da UFERSA e coordenador do Grupo de Extensão e Pesquisa em Direito, Marxismo e América Latina – Gedic