O caráter e os desafios da Frente Brasil Popular

 

Por Raimundo Bonfim*

 

A Frente Brasil Popular foi oficialmente fundada em cinco de setembro de 2015, em Belo Horizonte (MG), com a participação de 2.500 lideranças de movimentos sociais e partidos políticos, com representações da maioria dos estados da Federação. Mas, na prática, já cumpria papel relevante na conjuntura de todo o ano de 2015.

As forças que viriam criar a FBP foram as mesmas que promoveram, no dia 13 de março de 2015, em todo o país, a primeira jornada de mobilizações em defesa do mandato da presidenta Dilma, contra o ajuste fiscal e o ataque aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.

O mote da convocação da conferência que criou a FBP era “em defesa da democracia e por outra política econômica”.

A defesa da democracia, porque as forças políticas que fundaram a frente tinham a percepção que a direita tinha decidido aniquilar o governo Dilma, como condição indispensável para a retomada da taxa de lucro do capital em crise.

E o anseio por outra política econômica demonstrava o descontentamento com a política econômica de caráter neoliberal adotada pelo ministro da fazenda Joaquim Levy.

Pode-se dizer que a Frente foi originalmente concebida ainda sobre o impacto das mobilizações de junho e julho de 2013, movimento que teve início com a bandeira de luta contra o aumento da tarifa de transporte, mas rapidamente foi capturado pelas forças de direita contra o governo Dilma.

Naquele momento, tanto o governo, quanto o PT e os movimentos sociais de esquerda ficaram atônitos com a situação. Nosso campo não deu resposta adequada ao movimento. Muitos apostaram que se tratava de apenas um movimento passageiro.

A CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais) naquela época já tinha desaparecido de cena.

Desde o final do segundo semestre de 2013, começaram as articulações com vista a se criar um espaço capaz de reunir partidos de esquerda e movimentos sociais, para dar resposta ao avanço das forças de direita.

Logo após o segundo turno das eleições de 2014, mais precisamente no início de 2015, foi criado uma articulação composta por líderes de movimentos sociais e de partidos denominado de “Grupo Brasil”, tendo como objetivo articular respostas unitárias.

Em setembro de 2015 nascia a FBP, composta por 65 entidades do movimento sindical, popular, estudantil, do campo e da cidade, partidos, personalidades, agrupamentos das mais diversas e representativas forças de esquerda e do campo democrático do país.

Vale ressaltar que o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e outros agrupamentos, que no final de 2015 criaram a Frente Povo Sem Medo, foram convidados a se unir na FBP.

Não aceitaram com o argumento de que se tratava de uma iniciativa “chapa branca” e sob hegemonia petista. Também se colocaram contrários a participação de partidos na composição de frentes, embora a maioria dos agrupamentos internos do PSOL viessem a compor a Frente Povo Sem Medo, sendo o próprio MTST fortemente hegemonizado pelo partido.

A articulação e fundação da FBP ocorrem num momento de acirramento da lula social, logo após uma disputa eleitoral bastante radicalizada e imediatamente iniciado um movimento que culminou com o afastamento da presidenta Dilma.

Não dá para negar que a FBP se constituiu e realizou importantes mobilizações numa conjuntura extremamente complexa, pois ao mesmo tempo teve que, de um lado, defender a democracia denunciando o golpe e o ataque aos direitos sociais, naquele momento liderado pela Câmara dos Deputados; de outro, se colocar contra o ajuste fiscal e a política econômica do governo Dilma.

A frente congrega partidos e entidades representativas como o PT, PC do B, PCO, UNE, MST, CUT, CTB, CMP, Levante Popular da Juventude, Marcha Mundial das Mulheres, entre outros.

A frente tem, como se percebe, um caráter bastante amplo e diversificado, o que nos obriga a administrar as decisões internas de forma compartilhada e praticar ao máximo a democracia.

A unidade de todas as forças tem sido fundamental para o sucesso da nossa ação.

Sem desmerecer outras iniciativas, a FBP é hoje, o polo mais importante e representativo do campo da esquerda democrática do Brasil. Está organizada em todos os Estados da Federação, no Distrito Federal e espalhada por centenas de municípios brasileiros.

Esse texto foi escrito dias antes do início da II Conferência Nacional da FBP, realizada nos dias 9 e 10 de dezembro de 2017, na Escola Nacional Florestan Fernandes, no município de Guararema-SP.

Além da análise da conjuntura internacional e nacional, as duas questões principais que serão objeto de debate dizem respeito ao caráter da FBP e sua forma de organização.

Quanto à questão do caráter me parece que podemos afirmar que existem no interior da FBP duas correntes de pensamento. Uma é que a FBP tem que ser tática e não estratégica. De acordo com essa corrente cabe à frente o papel de tão somente organizar mobilizações de ruas em defesa da democracia, reivindicações especificas e lutar contra a retirada de direitos, não cabendo, portanto, o papel de elaborar e disputar um projeto político para o país; essa tarefa cabe aos partidos.

A outra corrente defende que a frente seja dotada de um caráter estratégico, sem que isso negue o papel preponderante dos partidos políticos na luta pela tomada do poder.

Segundo essa corrente, a qual eu me associo, a frente não pode se restringir apenas a organizar mobilizações de ruas a partir de temas conjunturais, ela tem que elaborar um projeto político que aponte as soluções para sairmos da atual crise e também retome o debate sobre a formulação de uma estratégia, um programa e táticas capazes de envolver e atrair a classe trabalhadora para uma luta política que tenha a construção do socialismo como objetivo central.

No que se refere à questão organizativa, penso que depende do caráter que daremos. Se for tática, apenas para mobilizações, não há necessidade e também não acredito que tenha muita gente com disposição de dedicar tempo e energia na construção de comitês municipais e regionais da frente, país a fora.

Se for estratégica é muito provável que uma parcela importante dos militantes dos movimentos sociais e dos partidos se dedique não só a construção de comitês, das lutas de massas, mas também participe ativamente do debate programático com vista à elaboração de um projeto político para o país, obviamente considerando os paradigmas de experiências anteriores.

Outra questão candente é se admitimos ou não a participação individual nas instâncias da frente. Com relação a essa polêmica, me parece ser fundamental um debate mais profundo, posto que até o momento a filiação individual é um expediente usado pelos partidos políticos, e não pretendemos transformar a frente em um partido político.

É verdade que temos de encontrar maneiras e métodos de atrair a militância e pessoas que não tem vínculo com entidades dos movimentos sociais e partidos, mas não necessariamente através de filiação individual. Não é correto darmos a mesma representatividade a quem representa uma entidade ou partido e um cidadão que representa a si mesmo. Por outro lado, não podemos ter representação de primeira e segunda categoria.

Defendemos o caráter estratégico para a FBP. Do contrário, aos poucos vai se esvaziar e caminhar em direção ao mesmo fim que teve a CMS. Não há disposição para construir um espaço que se preste apenas a compilar o calendário de cada segmento ou entidade, como tem ocorrido nesse segundo semestre, marcado por baixa mobilização.

Portanto, a FBP deve, no médio e longo prazo, se dedicar a elaboração programática com vista à construção de um projeto da classe trabalhadora, que enfrente a concentração do poder, renda, as desigualdades sociais, o machismo, o racismo e a homofobia.

Um projeto que passa, necessariamente, pelas reformas política, tributária, dos meios de comunicação, urbana, educacional e agrária.

Em curto prazo, deve articular e liderar grandes mobilizações de ruas. Para tanto precisamos criar os comitês locais aglutinando os trabalhadores (as), os setores de esquerda, populares e democráticos como condição indispensável à defesa dos direitos da classe trabalhadora, da democracia, dos direitos sociais e da soberania nacional, atualmente sob forte ataque do capital internacional e das forças de direita e do bloco político conservador que tomou o país de assalto.

Como se percebe, os desafios políticos, programáticos e organizativos da frente são complexos, requerendo, portanto, antes de tudo, definir qual o caráter da FBP, para que não dediquemos tempo e energia em vão.

 

* Raimundo Bonfim integra a coordenação da Central de Movimentos Populares (CMP/SP) e a Secretaria Operativa nacional da Frente Brasil Popular. 

 

Fonte: Página 13 n. 174, dez. 2017

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