Por Mariuza Guimarães (*)
As relações que permeiam a sociedade têm evidenciado cada vez mais os processos de subjetivação apontados por Foucault (1984, p. 28), que afirma que “[…] não existe constituição do sujeito moral sem modos de subjetivação”. Os sujeitos não se constituem sem essa interlocução com o seu meio e as “verdades” que nele circula.
Temos visto cada vez mais o processo de subjetivação como ferramenta de constituição de um sujeito moral que se coloca como autor de verdades supremas e que produz uma relação em cadeia de novos seguidores e disseminadores de tais verdades que, contraditoriamente, se constituem em arma de destruição de direitos.
É nesse sentido que se pode analisar e compreender as eleições de 2024. Há um processo em curso que desperta um sujeito moral que, eventualmente, havia sido subsumido a partir da compreensão de uma sociedade com base em relações de fraternidade e que foi denominado de “politicamente correto” e que a ascensão da extrema-direita jogou no lixo da história.
Nessa “nova sociedade”, os discursos de autoproteção com o uso de armas de fogo traduzem a ideia de liberdade em licença para matar; cometer atos de misoginia, racismo, machismo, violência de gênero, raça, orientação sexual passaram as ser ações normalizadas e exaltadas.
Vemos cada vez mais a naturalização da violência e das frequentes ações de caráter desumanizador como se fossem naturais da humanidade. A utilização de referências distorcidas para justificar a naturalização não alcança a capacidade humana de autopreservação.
É assim que se pode visualizar as consequências do voto, em princípio, ferramenta de garantia de direitos coletivos e da democracia, distorcido como uma forma de manutenção no poder daqueles que historicamente já tinham como práticas o contrário do que se propõe uma sociedade em que a centralidade seria a convivência pacífica, solidária e fraterna, cujo discursos e práticas encontram consonância e concordância daqueles que são as principais vítimas de tal concepção.
As eleições de 2024 aprofundaram a chamada pauta moral: defesa da “Pátria, Família, Liberdade”, o que encontra eco neste sujeito moral de Foucault, subjetivado pelas relações construídas em espaços sociais como a escola, a igreja e os espaços de trabalho, e que, em tese, defende que tais verdades devem promover as ações do outro. Parece haver um autoendeusamento em que as verdades são absolutas e detidas por alguns que são seus proprietários, negadas a outros que são meros objetos de assujeitamento, suas principais vítimas.
(*) Mariuza Guimaraes é militante da AE MS e presidenta da Seção Sindical dos Docentes da UFMS- ANDES SN.
Referência bibliográfica:
FOUCAULT, M. (1984). História da sexualidade (Vol. II: O uso dos prazeres). Rio de Janeiro: Graal.