Fernando Haddad/Istoé
por Gabriel Cavalcante
A respeito da entrevista ocorrida com Fernando Haddad em evento organizado pelo Banco BTG Pactual cujo link segue https://m.youtube.com/watch?v=1kdV_RYCrB4, alguns debates de fundo merecem destaque:
- O aceno dado de que a contraposição ao teto dos gastos não significa um distanciamento da política de realização de superávit primário, inclusive destacando como positivo a realização dessa política em governos petistas, expressa que o candidato a vice não assimilou de forma crítica o desastroso processo de ajuste fiscal que culminou no golpe de estado, assimilação crítica essa que já foi expressa pela própria Dilma em diversas declarações públicas.
- A negativa em encarar a revogação do teto de gastos como uma “antítese” da política de austeridade significa não encarar que essa revogação somente se dará a partir de um amplo movimento de massas dos trabalhadores organizados. Dito de outro modo, significa uma crença ingênua de que o próprio mercado financeiro poderia ser convencido “racionalmente” a ceder na revogação da reforma, desde que o governo se comprometa a se comportar estabilizando a taxa de lucratividade.
- O mesmo raciocínio se aplica ao tema dos spreads bancários. Em resumo a lógica do bom-mocismo: os bancos se comportariam apropriadamente reduzindo sua lucratividade em razão de um comportamento “não antitético” da esquerda se essa chegasse ao governo.
- As considerações a respeito do comportamento em relação ao capital financeiro ganham outras proporções quando o tema reforma previdenciária é aberto. No tocante à reforma previdenciária a lógica gira em torno de escolher quem seria sacrificado. Nas palavras de Haddad esse setor seria o funcionalismo, através de uma reforma no regime próprio da previdência. Uma das razões facilitadoras para tal movimentação seria a de que o funcionalismo aceitaria mais facilmente uma reforma como esta pois já estaria sem salário ao redor, ou seja: a precarização das relações de trabalho no funcionalismo público é fundamento para a retirada de direitos previdenciários.
- As implicações do relacionamento com o capital financeiro são desdobradas para a relação com o principal Partido representante dessa fração de classe no Brasil: o PSDB. A perspectiva é a de que um governo nacional petista a partir de 2019 deve ser construído a partir de uma agenda comum com a direita: uma repetição fora do tempo do segundo governo Dilma. Falta combinar do ponto de vista político como o programa desse governo pretende revogar as medidas ativamente defendidas pelos partidos golpistas e ao mesmo tempo portar-se como governo de unidade nacional.
- A ética pretendida por Haddad é a de que os bons modos e o cavalheirismo acalmariam os corações dos nossos inimigos (que para ele são tão-somente adversários) abrindo oportunidade para uma nova concertação nacional. Na perspectiva Haddadiana não haveria necessidade de conflito para reverter uma situação estrutural que por si só já é gritantemente violenta para a classe trabalhadora. É como se não houvesse ocorrido um golpe de Estado, é como se o nosso maior líder não estivesse preso, como se nossas lideranças não estivessem sendo assassinadas, tudo isso seria resolvido através de afagos e sorrisos educados.
- Desde o conjunto da obra nada apropriado para períodos de exceção, chegamos ao aspecto da entrevista explorado pelas manchetes dos jornalões: o suposto apoio ao PSDB em um hipotético segundo turno com Bolsonaro. Duas foram as respostas oferecidas pelo candidato a vice. A primeira resposta de Fernando é a de que esse é um cenário remoto. A segunda tem como senha central a busca de uma estabilidade institucional, frisada como necessária aqui e ali na entrevista, mas que num cenário de apoio ao PSDB representaria a completa desmoralização do petismo. Um cenário onde o PT enquanto partido operário sinalizaria compromisso com a estabilização da ordem golpista. Em essência Bolsonaro e Alckmin representam duas faces da mesma moeda. Tanto que o fiador (não tão) oculto da campanha Bolsonaro seria o Paulo Guedes, um representante do capital financeiro. Do ponto de vista da aparência um tem uma retórica mais violenta do que o outro. O ponto diferenciador entre um e outro seria justamente um maior potencial de Alckmin engendrar a estabilização do modo de produção social originado pelo golpe de estado. Tanto um maior tato político quanto a inserção em um Partido com maior capilaridade nacional privilegiam Alckmin na condução dos desejos do capital financeiro. A maior violência, contudo, não é a violência aparente, a da retórica, mas a violência contra as massas da classe trabalhadora que perdurariam tanto na ocasião da vitória de um quanto na de outro.
- A outra face do cenário hipotético visto como “sem preconceito” por Fernando seria a de que num segundo turno entre PSDB e PSL o apoio do PT ao PSDB entregaria de bandeja para a extrema-direita o caráter de formação política anti-sistêmica. A narrativa caberia como uma luva num cenário de crescente do fascismo: os dois partidos que alternadamente governaram a república desde a democratização unidos contra um outsider: Bolsonaro. Além disso, os efeitos de um aceno como esse ao longo dos 4 anos de governo de um governo Alckmim seriam totalmente danosos ao PT, seríamos também responsáveis por qualquer medida impopular tomada pelo governo tucano ao passo que a extrema-direita ganharia legitimidade como real opositora.
- Diante do quadro apresentado o PT não deve, em hipótese alguma, ceder apoio, nem mesmo em segundo turno, para qualquer dos representantes do golpismo, pois os critérios diferenciadores, nem tampouco as contradições entre qualquer das chapas golpistas, são suficientes para uma delimitação como essa. Alckmin é igual a Bolsonaro naquilo que é essencial: são, os dois, representantes do grande capital.
- O golpe chegou, passou e deixou suas marcas. Uma nova forma de se relacionar com o Estado e com o Grande Capital será necessária no próximo período. Haddad, se quiser implementar a agenda de revogação das medidas golpistas, terá necessariamente de se dar conta disso, sob o risco de, se vier a chegar ao governo, ter o mesmo destino que teve Dilma.
Gabriel Cavalcante, Advogado e Militante da Articulação de Esquerda Bahia.