Da redação
O professor do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília (UnB), Luís Felipe Miguel, ofertou a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” para o primeiro semestre de 2018 do curso de graduação em Ciência Política. De acordo com a ementa, a disciplina tem os seguintes objetivos: “(1) Entender os elementos de fragilidade do sistema político brasileiro que permitiram a ruptura democrática de maio e agosto de 2016, com a deposição da presidente Dilma Rousseff; (2) Analisar o governo presidido por Michel Temer e investigar o que sua agenda de retrocesso nos direitos e restrição às liberdades diz sobre a relação entre as desigualdades sociais e o sistema político no Brasil; (3) Perscrutar os desdobramentos da crise em curso e as possibilidades de reforço da resistência popular e de restabelecimento do Estado de direito e da democracia política no Brasil.”
Em nota divulgada nesta quarta-feira (22), o MEC afirmou que “irá encaminhar solicitação para a Advocacia-Geral da União (AGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Ministério Público Federal (MPF) para a apuração de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela criação da disciplina na Universidade de Brasília (UnB) por fazer proselitismo político e ideológico de uma corrente política usando uma instituição pública de ensino.”
Em reação, José Geraldo de Sousa Júnior, ex-reitor da Universidade de Brasília; Marcio Sotelo Felippe, ex-Procurado-Geral do Estado de São Paulo; Wadih Damous, deputado federal (PT); Paulo Pimenta, deputado federal (PT); e Patrick Mariano Gomes, advogado, protocolaram, uma representação no Conselho de Ética da Presidência da República e na Procuradoria-Geral da República contra o ministro da Educação, Mendonça Filho [leia aqui].
Em seu perfil nas redes sociais, Luís Felipe Miguel afirmou: “Tenho discutido e continuarei discutindo essas razões com estudantes e com colegas, nos espaços do debate universitário, e com a sociedade civil, em minhas intervenções públicas. Não vou, no entanto, justificar escolhas acadêmicas diante de Mendonça Filho ou de seus assessores, que não têm qualificação para fazer tal exigência.”
Diante de mais este ataque à liberdade acadêmica e à autonomia universitária, entidades, organizações e personalidades vem se pronunciando. A seguir, Página 13 divulga algumas das manifestações de repúdio ao MEC, em defesa da autonomia universitária e em solidariedade a Luís Felipe Miguel.
Nota sobre o ataque de Mendonça Filho à autonomia universitária
A Bancada do Partido dos Trabalhadores repudia a tentativa do ministro golpista da Educação, Mendonça Filho, de censurar o trabalho docente e violar a autonomia universitária do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília (UnB).
É inadmissível que justamente o titular do cargo mais importante da educação brasileira ouse promover um ataque desta natureza a um ente público que, tal como consagrou a Constituição de 1988, no seu artigo 207, goza de autonomia didático-científica que não pode ser vilipendiada por quem quer que seja, sobretudo por um ministro de Estado que deveria ser o mais ferrenho defensor deste princípio.
A oferta de uma disciplina num curso regular, aprovada por órgão colegiado do referido instituto, não pode estar sujeita ao crivo de caráter político que o ministro Mendonça Filho pretende impor de forma explicitamente autoritária. Aliás, ao buscar censurar uma disciplina intitulada de “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, o titular do MEC comprova com o seu gesto a ocorrência do golpe cuja discussão no meio universitário ele tenta agora impedir.
Tal investida lembra o malfadado Decreto-Lei nº 477 de 1969, usado pelo regime de exceção para controlar todas as atividades realizadas no âmbito das universidades.
O Brasil derrotou a ditadura civil-militar e destino semelhante terá esta agressão à academia e à Carta Magna, justamente no ano do seu trigésimo aniversário, ainda que a camarilha golpista da qual faz parte o ministro não enxergue limite para a ofensiva que destrói os direitos do povo brasileiro e corrói os pilares da democracia em nosso país.
A Bancada do PT na Câmara manifesta seu irrestrito apoio ao IPOL/UnB e afirma que usará todos os instrumentos necessários para frear a sanha autoritária do ministro Mendonça Filho, o mesmo que tem utilizado a estrutura do Ministério da Educação para promover sua pré-campanha ao governo do estado de Pernambuco.
Brasília, 22 de fevereiro de 2018.
Deputado Paulo Pimenta (PT-RS)
Líder da Bancada na Câmara dos Deputados
Nota de Dilma Rousseff
Manifesto minha solidariedade ao professor Luis Felipe Miguel, da UNB, diante da arbitrária e retrógrada censura feita pelo ministro da educação à sua cátedra “O golpe de 2016 e o futuro da democracia”.
Impedir que se chame os fatos e acontecimentos pelo nome é reação típica dos regimes de exceção. No passado, durante a ditadura, era proibido dizer que havia presos políticos no Brasil, embora eles enchessem os presídios país afora.
Durante o impeachment, sem crime de responsabilidade, tentaram de todas as formas bloquear a denúncia do novo tipo de golpe que estava ferindo a democracia brasileira.
Censurar, agora, uma disciplina na UNB que caracteriza como golpe o processo inaugurado pelo impeachment, em 2016, deixa evidente o aprofundamento do arbítrio e da censura.
Os atos do pseudo-ministro são uma terrível agressão à autonomia universitária, à cultura acadêmica, à livre circulação de ideias e à própria democracia. É abuso típico dos estados de exceção. os maiores inimigos da cultura e da educação.
Dilma Rousseff
Manifesto em defesa da autonomia universitária
O ministro da educação do governo golpista, Mendonça Filho, anunciou que vai operar uma ação judicial contra a Universidade de Brasília pelo anúncio de oferta de uma disciplina intitulada “Tópicos especiais em Ciência Política: o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” que procura analisar as fragilidades do sistema político pós ruptura democrática, a ampliação da desigualdade social causada pela política de retirada de direitos e as possibilidades de retomada da democracia colocadas pela resistência popular.
A reitoria da UnB distribuiu nota dizendo que “reitera seu compromisso com a liberdade de expressão e opinião – valores fundamentais para as universidades, que são espaços, por excelência, para o debate de ideias em um Estado democrático” além de afirmar que a formulação de disciplinas é responsabilidade das unidades acadêmicas que possuem autonomia sobre suas ementas e produção científica.
Nós repudiamos esse anúncio do MEC, mais uma medida do estado de exceção em que estamos vivendo, e que ocorre no mesmo momento em que avança a militarização da sociedade, com a intervenção no Rio de Janeiro.
Exigimos que o MEC retire essa ameaça que fortalece o obscurantismo na educação, pisoteia a liberdade das instituições produzirem conhecimento científico.
Defendemos a autonomia didática, administrativa e financeira da UNB, pela recomposição orçamentária contra os violentos e injustificáveis cortes orçamentários.
Lutamos por uma universidade com orçamento compatível com suas necessidades estruturantes. Para que reitores possam conduzir os trabalhos sem o receio da arbitrariedade jurídico policial como conduções coercitivas que levaram ao sacrifício do reitor da UFSC e ao atendado à liberdade na UFMG.
Lutamos para que estudantes e professores possam trabalhar pela construção de um conhecimento útil à nação, que contribua para a reflexão dos problemas e desafios de nossa nação e como superá-los, cumprindo assim a função social da universidade.
A consciência democrática da UNB não permitirá a violência anunciada pelo MEC!
DCE-UnB – Honestino Guimarães – Gestão Todas as Vozes
Nota de repúdio à violência contra a liberdade de cátedra
A Diretoria da ABCP vem manifestar a sua profunda preocupação com a intenção do ministro da Educação, Mendonça Filho, veiculada por diversos sites de notícias na quarta feira, dia 21 de fevereiro, de acionar os órgãos de controle para analisar a legalidade de uma disciplina a ser lecionada no Instituto de Ciência Politica da Universidade de Brasília (IPOL-UNB), cujo conteúdo refere-se à análise da democracia brasileira contemporânea, abrangendo o período que antecede a deposição da ex-presidente Dilma Rousseff até os dias atuais.
A Diretoria da ABCP entende que a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 206, II, garante aos docentes e discentes o pleno exercício da liberdade de ensinar e aprender, assim como faculta às Universidades brasileiras autonomia pedagógica. Ressalte-se ainda que a disciplina questionada pelo MEC é uma cadeira optativa de ementário livre, sendo facultado aos docentes montar o programa com o intuito de apresentar pesquisas recentes e debater temas da atualidade. A rigor, nenhum aluno ou aluna do curso de graduação em Ciência Política da UNB é obrigado a cursá-la. Por outro lado, proibir a realização da disciplina impediria os discentes que assim o desejassem de cursá-la, o que fere, por suposto, o princípio da liberdade de aprender.
Diante disto, consideramos que, se a intenção manifesta do Ministro de fato se concretizar, a autonomia pedagógica das universidades brasileiras estará ameaçada, assim como os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. O ato não poderá ser avaliado de outra forma, senão como censura, característico de regimes de exceção.
Diretoria da Associação Brasileira de Ciência Política
Nota da ANPOCS
A ANPOCS encontra-se estarrecida diante da atitude do ministro da educação em acionar os órgãos de controle para analisar a legalidade de uma disciplina a ser lecionada no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL-UNB), o que comprova a tese básica do curso, e aguarda uma resposta firme do Ministério Público de defesa da legalidade e da democracia.
Diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
Nota de repúdio à violação da autonomia universitária
A Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica) vem a público manifestar sua solidariedade e apoio ao professor e pesquisador Luis Felipe Miguel (UnB), um dos sócios fundadores desta instituição, vice-presidente na gestão 2013-2015, diante da ameaça do Ministério da Educação (MEC) em comunicado que diz pretender encaminhar à Advocacia-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Controladoria-Geral da União e ao Ministério Público Federal solicitação de apuração de suposta improbidade administrativa face à oferta de disciplina na graduação em Ciência Política da UnB que visa a discutir o golpe de 2016 e o futuro da democracia no país. O movimento parte justamente de entidade a que compete zelar pela autonomia universitária, conforme prescreve o artigo 207 da Constituição Federal.
A comunidade acadêmica tem sido vítima frequente de arbítrios semelhantes nos últimos meses. Mesmo após o trágico episódio que envolveu o suicídio do professor Luiz Carlos Cancellier, então reitor da UFSC, prisões, conduções coercitivas e demais gestos indicativos de abuso de poder, ora orquestrados pelo Judiciário, ora pelo Executivo, têm indicado aos professores, alunos, servidores técnico-administrativos e demais membros da comunidade um exagero e um ímpeto manifesto em desqualificar o ambiente da universidade pública e das instituições de ensino superior de modo geral.
O curso proposto pelo colega da UnB, a partir da disciplina “Tópicos Especiais em Ciência Política 4”, com o tema “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” tem os seguintes objetivos: “(1) Entender os elementos de fragilidade do sistema político brasileiro que permitiram a ruptura democrática de maio e agosto de 2016, com a deposição da presidente Dilma Rousseff; (2) Analisar o governo presidido por Michel Temer e investigar o que sua agenda de retrocesso nos direitos e restrição às liberdades diz sobre a relação entre as desigualdades sociais e o sistema político no Brasil; (3) Perscrutar os desdobramentos da crise em curso e as possibilidades de reforço da resistência popular e de restabelecimento do Estado de direito e da democracia política no Brasil.” O programa contempla bibliografia lúcida, de autores relevantes nas Ciências Humanas e Sociais do país.
Além disso, conforme o próprio pesquisador afirma, em nota posterior à divulgação do caso, “Trata-se de uma disciplina corriqueira, de interpelação da realidade à luz do conhecimento produzido nas ciências sociais, que não merece o estardalhaço artificialmente criado sobre ela”, ao que emenda “A única coisa que não é corriqueira é a situação atual do Brasil, sobre a qual a disciplina se debruçará”. Em outras palavras, a disciplina se propõe a um exercício de análise de conjuntura, uma das mais sofisticadas e intricadas vertentes teórico-epistemológicas.
A nota emitida pelo Ministério da Educação enxerga como “ataque às instituições brasileiras”, uma proposta de discussão e debate em alto nível sobre a realidade social no país após 2016.
Esta Associação reafirma seu compromisso com a defesa da autonomia universitária e estimula iniciativas que busquem aprofundar a análise do atual cenário político e midiático brasileiro.
Atenciosamente,
Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (COMPOLÍTICA)
Nota de repúdio da diretoria nacional do ANDES-SN aos ataques à liberdade acadêmica e à autonomia universitária
Os variados ataques às instituições públicas de ensino superior (Universidades, Institutos Federais e CEFETs) e aos seus professores e professoras têm se intensificado no último período, com o aprofundamento nos cortes de verbas – o que limita a autonomia e o desenvolvimento do tripé ensino-pesquisa-extensão -, a ampliação das denúncias que buscam a desmoralização das Instituições públicas de ensino e as ações que visam desqualificação e perseguir acadêmica e politicamente o corpo docente. Exemplos disso são a perseguição direta ao professor Luis Felipe Miguel, do departamento de Ciências Políticas da UnB, com a manifestação do Ministério da Educação (MEC) de que interviria para cancelar uma disciplina ofertada pelo docente; e o achincalhamento ideológico nas redes sociais à professora Erlenia Sobral do Vale, do curso de Serviço Social, da UECE.
Essas ações, aliadas a tantas outras, como o projeto da Escola sem Partido e a censura às expressões culturais, apontam para o recrudescimento do conservadorismo histórico das elites da nossa sociedade e para a tentativa de esvaziamento do sentido republicano, laico e civilizatório da educação pública, caracterizando-se como um ataque direto à autonomia das instituições de ensino superior, claramente estabelecida no texto da Constituição Federal, no artigo 207, e à liberdade acadêmica, política e ideológica dos professores e professoras.
Mais uma vez a direção deste sindicato reafirma seu compromisso com a defesa da Universidade Pública, gratuita, de qualidade, laica, democrática e socialmente referenciada, e se solidariza com os professores e as professoras. Posiciona-se, ainda, de forma veemente em defesa da autonomia universitária, da liberdade acadêmica e contra todas as formas de autoritarismo e cerceamento político e/ou ideológico do trabalho docente.
Brasília, 22 de fevereiro de 2018.
Diretoria Nacional do ANDES-SN