Organizar as lutas de resistência do povo trabalhador no Ceará

Página 13 divulga resolução do 8° Congresso da tendência pestista Articulação de Esquerda do Ceará, realizado em 09 de dezembro de 2023. 

Conjuntura

O mundo capitalista vive sob a hegemonia (domínio) do capital financeiro especulativo. São pouquíssimas bilionárias corporações que usam a sua força de bancar empreendimentos rentáveis (para si), nas mais diversas áreas, para interferir nas economias e nos destinos dos povos do mundo.

Desde tecnologias em aplicativos em celulares e inteligência artificial, passando por meios de comunicação, até segurança, espionagem industrial, negócios bélicos e guerras: Nada escapa aos seus tentáculos de domínio.

Isso fica evidente no caso do massacre de expansão colonialista perpetrado pelo governo de Israel na Palestina, com apoio incondicional dos EUA. A incitação ao enfrentamento entre as várias facções políticas no Oriente Médio visa dividir os povos para facilitar suas explorações pelos interesses econômicos estrangeiros.

Este sistema de concentração de riquezas e poder produz uma super exploração cada vez mais brutal e excludente da massa trabalhadora e, ao mesmo tempo, a maior crise ambiental da História, que pode levar todas as sociedades do dito mundo civilizado ao colapso e até a extinção da espécie humana.

Essa burguesia pragmática emergente não vê a necessidade de comprometer-se com o que foi o Estado democrático formal burguês. Muito menos seguir bancando os programas sociais dos governos de coalizão. Esses são custos e fatores que complexificam o seu modelo de superexploração e que, portanto, pretendem eliminar.

Assim sendo, a classe dominante econômica constitui sua própria frente política ou se relaciona com um meio político totalitário, corrupto, reacionário e igualmente explorador em várias partes do mundo.

Seu sucesso também está relacionado a uma “guerra cultural”, ou seja, ao uso massivo de meios digitais para espalhar suas ideologias de manipulação e arregimentar defensores que convalidem suas teses e para suplantação de obstáculos.

Cenário nacional

Sob os auspícios da guerra além-mar, o capital ultraliberal banqueiro, com a tese da “liberdade econômica” propugna a privatização dos serviços públicos e áreas estratégicas e sensíveis, para minimização do Estado de soberania nacional e ampliação de seu domínio de rapina. No Brasil, o poder dominante se encontra assentado na aliança empresarial-ruralista com setores militares e políticos.

E também encontra no conservadorismo, saudosista da ditadura militar, grupos de inspiração neonazi, armamentismo e fanatismo evangélico o território fértil para as ideias de seus think tanks (intelectuais) e no banditismo de milícias e quadrilhas de vários matizes, o suporte necessário para impor sua agenda de destruição.

A agenda apocalíptica, no entanto, sofreu um revés no país, embora siga avançando em outras partes da América do Sul e do mundo e também tenha se fortalecido, ocupando espaços na institucionalidade e disputando ferozmente as narrativas nas mídias sociais.

O cenário de criminalização do PT e do ideário de esquerda, possibilitado pelas irregularidades e perseguições (lawfare) da Lava-Jato, indo desde o golpe que derrubou a presidenta Dilma até a prisão ilegal de Lula foram os fatores que possibilitaram mais facilmente a ascensão da extrema direita.

Enfrentando a poderosa máquina de interferência, deslegitimação e compra de votos na eleição, com denúncias de uso de verbas públicas desde o “orçamento secreto”, o derrame de empréstimos consignados e benesses até a tentativa de golpe em 8 de janeiro, a vitória de Lula presidente pela terceira vez foi capaz de aglutinar as forças sociais em torno de um programa mediado de conquistas sociais com desenvolvimento.

Com menos condições de incidência e postergações vem à tona escândalos de crimes de desvios e provas das práticas genocidas durante os seis anos de desmandos e ataques aos direitos, desde o golpe de 2016. Isso afeta a narrativa direitista mas não a impede de prosseguir no discurso de ódio cotidiano subterrâneo, além de ter se fortalecido em representações de mandatos e governos dos estados.

Como desdobramento do golpe do impeachment em 2016 e dos abusos da farsesca Lava-Jato, emergiu o governo anti-povo de Bolsonaro para fortalecer a política burguesa de rapinagem dos direitos e do patrimônio público, que não se dá só pelos discursos ameaçadores, mas especialmente pela depreciação salarial, destruição ambiental, genocídio sistemático dos povos indígenas, bem como por meio de privatizações e artimanhas legais ou não.

Diante disso, o desafio é muito maior para um terceiro mandato do presidente Lula, eleito por uma pequena margem e com um Congresso composto majoritariamente pelo Centrão e a bancada “BBB” (Boi, Bíblia e Bala). Um governo de coalizão, com mediações e acordos “por cima” com segmentos liberais e abertamente golpistas, será capaz de implementar desde medidas emergenciais, como recomposição do aumento real de salários, até reformas estruturais necessárias e almejadas pelo meio popular, sem mobilizações de massas?

Cenário estadual

No Ceará, embora essas questões interfiram no quadro local, a situação difere após dezesseis anos de gestões petistas, ou com a participação de petistas, no governo do estado. No entanto, a base conservadora sempre deu a tônica nas gestões e seu peso decisivo têm se mantido e ampliado.

Desde o domínio pelos brancos portugueses que expulsou o enclave holandês em Fortaleza, passando pela ocupação do território pelas bandeiras do gado, o massacre dos povos indígenas, a Confederação do Equador, as lutas de resistência dos jangadeiros para abolição da escravatura, o ciclo do algodão e os flagelos das secas, o coronelismo até a ascensão de Tasso Jereissati e o Centro Industrial do Ceará – em todos os episódios de uma rápida passagem histórica, o conservadorismo (da classe) dominante por sucessivas gerações, como não poderia deixar de ser, sempre deu as cartas de mando da política local.

Quando o PT surge no Ceará, na passagem dos anos 1970-1980, sua formação resultou das lutas populares de resistência contra a ditadura militar, contra a carestia e pela redemocratização do país. O advento de uma numerosa classe operária fabril, de tecelagem principalmente, não fazia frente à característica marcante de produção agropecuária e forte presença do setor de comércio e serviços. O que aponta a existência de uma massa de trabalhadores(as) rurais e urbanos precarizados, com tantas demandas sociais que vão aos poucos se identificando com as bandeiras de luta da esquerda e distanciando das alternativas eleitorais viciadas dos partidos patronais.

Isso sempre produziu fortes embates, como por exemplo na inesperada vitória da então petista Maria Luiza na prefeitura de Fortaleza, em 1985, mas o reacionarismo das ditas elites dominantes sempre também operou para tentar “domesticar” o PT, seduzindo seus dirigentes e lideranças para a conciliação e administração compartilhada dos ônus das crises gestadas por elas.

Até que em 2002, devido aos desgastes do domínio da era tucana, àquela altura tendo a frente Lúcio Alcântara e também embalado pela “onda Lula”, o ex-prefeito de Icapuí, José Airton Cirilo (PT) chegou ao segundo turno e quase realizou o feito de vencer a eleição para governador.

Na eleição seguinte, em 2006, o empenho do setor majoritário do PT foi no sentido de promover um acordo com a família Ferreira Gomes, que havia deixado o PSDB e o PPS e havia se abrigado no PSB. Os neo-“socialistas” advinham de uma oligarquia conservadora de Sobral, aliada do mudancismo de Tasso, cuja figura mais proeminente era o ex-governador Ciro Gomes.

A aliança tendo o irmão dele, Cid Gomes, como candidato a governador se viabilizou tendo entre outros objetivos a garantia de apoio para reeleição da então prefeita petista Luizianne Lins na capital. Professor Pinheiro (PT) era o vice da chapa.

PT chega aos governos

As marcas da coalizão que marcou os dois governos (2007-2014) e os dois seguintes (2015-2022), que por força das circunstâncias teve Camilo Santana, filiado ao PT como governador

foram a de gestões alinhadas aos interesses empresariais no Estado e com alguma abertura à participação social, muitas vezes tão somente validadoras dos planos tecnocráticos advindos dessa diretiva: o modelo dos investimentos e desonerações fiscais para promoção da exploração do trabalho, das terras, das águas, da biodiversidade para exportação, turismo predatório e concentração de renda e riquezas.

Esse é outro traço comum no Estado capitalista na formação social brasileira: o da privatização do Estado, o seu sequestro pelo patrimonialismo de agrupamentos fisiológicos regionais para o seu próprio favorecimento e autofinanciamento. Patrimonialismo significa não reconhecer os limites entre os interesses público e privado e apropriar-se privativamente do patrimônio público em seu benefício. Fisiologismo, no sentido político, é mover-se na base da troca de favores e favorecimentos, sem nenhuma preocupação ideológica ou com a gestão pública.

Depois de 16 anos desse modelo, que só foi rompido em parte na eleição em 2022, segue a herança de séculos de opressão, desmandos e exclusão que ponteiam na História do Ceará: Para o povo pobre, a chibata. Um terço da população em insegurança alimentar, são cerca de 3 milhões de pessoas; 1,4 milhão recebendo Bolsa Família (2023); a explosão da insegurança social e da violência; retirada de direitos trabalhistas, terceirização e assédio moral sobre os servidores; precariedade na prestação dos serviços públicos nas cidades, notoriamente no atendimento de saúde; o litoral sendo degradado; os mananciais de água sendo aterrados e poluídos; agravamento da desertificação nos sertões sob efeito das mudanças climáticas, etc.

Esse quadro de conjunto, além do ocaso tucano, pode explicar o crescimento das forças de extrema-direita como alternativas eleitoral e de discurso político. Tanto é que um conjunto amplo de forças aliadas a uma parte do conservadorismo tradicional foi necessário se unirem para garantir a vitória de Elmano Freitas (PT) no primeiro turno da última eleição.

A vitória petista se beneficiou em parte da petulância do PDT de Ciro Gomes, ao negar legenda à vice-governadora (então governadora no lugar de Camilo, que havia se desincompatibilizado para concorrer ao Senado) Izolda Cela, e romper a aliança com PT, lançando a candidatura rival do ex-deputado e ex-prefeito da capital Roberto Cláudio. A partir daí, seguiu-se o esfarelamento pedetista nas bases municipais, com prefeitos e parlamentares se evadindo em direção à máquina pública do governo do estado, tendo agora o camilismo como força mais proeminente.

Elmano vem de lutas como advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em seus mandatos na gestão pública e como deputado caracterizou-se por compromissos e mediações com a governabilidade. Elmano deu grandes contribuições enquanto parlamentar mas foi também, por exemplo, um dos deputados petistas que votou a favor da reforma da previdência do funcionalismo estadual.

O governo Elmano tem o desafio de recolocar a agenda das lutas sociais, desvencilhar-se das armadilhas impostas pela aliança conservadora, como a usina de urânio em Santa Quitéria, por exemplo, inverter prioridades e fazer a gestão pública avançar nos direitos e conquistas que interessam à classe trabalhadora.

O início desse governo, no entanto, em que pesem alguns avanços, revela-se decepcionante em vários sentidos. A criação de Secretarias temáticas, por exemplo, figura até agora como respostas sociais meramente decorativas na estrutura do governo, sem previsão orçamentária e sem políticas concretas a serem desempenhadas como centralidade de uma governança de fato conectada aos anseios populares.

O PT no Ceará

A direção do PT Ceará, com maioria da ala do deputado José Guimarães, da tendência CNB e atual um dos vice-presidentes nacionais do PT, passou os 16 anos de governos coalizão petista em silêncio. A ordem unida foi a de não dar vazão a críticas públicas ao governo ou governantes mesmo diante de absurdos, que pudessem ter potencial de desestabilizar o grande acordo de união em favor de seus próprios interesses.

Todas as questões e pendências foram e seguem sendo solucionadas no âmbito da acomodação interna de sua própria corrente e eventualmente aliados pontuais, com a distribuição de benesses e cargos nos governos estadual e agora de volta o federal.

No atual governo, a fórmula tende a se repetir e se agravar, impulsionada por uma enxurrada descontrolada de filiações ao partido, com as bençãos das alas instaladas no condomínio

do governo, incorpora toda sorte de golpistas, (ditos) ex-bolsonaristas e oligarcas conservadores e seus “rebanhos” e rebaixa o perfil ideológico do PT a uma “frente” heterogênea aberta ao oportunismo – um mera legenda conveniente de governistas de ocasião, dispostos a “trocar de camisa” tão facilmente como quando a vestiram.

Essa política arcaica revigorada por Camilo, que aprofunda ainda mais a degeneração que sempre foi conduzida desavergonhadamente pelo campo majoritário do PT CE, vai mostrando os perniciosos resultados de um falso “crescimento” a qualquer custo. Diretórios por todo interior desprestigiados, quadros históricos largados à própria sorte, militantes surpreendidos pelo anúncio da noite para o dia do ingresso de adversários locais – Esse é o retrato da mesmice e do inchaço que via de regra toma de assalto a seção cearense do partido que vai deixando de ser “dos trabalhadores”.

O partido de “porteira escancarada”, só não recebeu Cid Gomes e seu séquito, agora desafeto do PDT do irmão, por uma conveniência de Guimarães em manter o controle partidário. Entretanto, o grupo que tende a migrar para outra legenda permanece no radar de possíveis alianças nas eleições municipais em 2024. (Nota: Mais recentemente está anunciada a adesão de Cid e cia. de volta ao PSB, agora presidido por Eudoro Santana, pai de Camilo)

Quadro atual e atuação da AE CE em 2024

A nossa tendência Articulação de Esquerda, que sempre manteve um papel crítico a todo processo histórico de degeneração burocrática da maioria partidária, segue isolada politicamente e alheia a esses entendimentos, ao mesmo tempo com pouco peso de incidência nas definições de uma política estadual cada vez mais engessada, tendo seus centros de decisão deslocados para os mandatos e cargos estratégicos nos governos.

A atuação da tendência foi definhando nos últimos tempos devido a esse sufocamento, das dificuldades econômicas e organizativas crescentes da classe trabalhadora e da desconstrução das estruturas democráticas do partido, convertido cada vez mais num aglomerado de oportunistas buscando seu próprio favorecimento pessoal.

Mas isso se dá também devido às nossas opções diante dos rumos do PT no Ceará e as condições próprias para realizar as disputas. Nossa trajetória política desde o processo de re-constituição da tendência no Ceará nos trouxe até aqui, com nosso erros, acertos e aprendizados.

Para retomar o nosso trabalho político no plano estadual é preciso que: (1) tenhamos foco no trabalho organizado conjunto onde já atuamos para expandi-lo, (2) consigamos potencializar os trabalhos políticos dos meios em que estamos inseridos, (3) possamos ampliar com novas lideranças em bases onde não estamos, (4) consigamos constituir os meios para fazer o acompanhamento desses espaços de atuação.

Precisamos também, portanto, se não apresentarmos candidaturas próprias aos legislativos municipais na capital e nos interiores, com intuito de reforçar nossos nomes de expressão pública e trabalhos já existentes, protagonizar uma política de apoio a candidaturas que, além de ter alguma identidade com o nosso acúmulo e posições políticas, nos permita constituir condições para viabilizar essa plataforma mínima de ações.

Estes são os desafios e tarefas da Direção da AE-CE, mas é também a perspectiva que temos que ter e manter no horizonte para cada militante da nossa corrente.

Atualmente, temos militância ativa em Fortaleza, onde precisamos arregimentar, formar e capacitar militantes para seguirem na organização. Temos militantes no setor da Educação e temos pessoas novas se agregando.

Estamos desenvolvendo atuações no âmbito estadual, com foco na pauta ambiental. Temos potencial de atrair agricultores(as) e interessados(as). Temos presença nos movimentos de mulheres, alguma inserção no meio sindical, porém quase não se registra na juventude.

Como somos um grupo formado por trabalhadores(as), embora possamos ter clareza dos rumos a seguir, só conseguiremos realizar nossos propósitos se soubermos combinar nossos potenciais e atuações coletivamente para termos relevância no cenário das grandes disputas que se configuram no Ceará, no país e no mundo.


(*) redacao@pagina13.org.br

Uma resposta

  1. Concordo com tudo que foi relatado. Agora uma coisa eu tenho certeza, se nós nao fizemos nada o nosso partido vai sucubir.Temos que encontrar uma maneira de apliar essa discussão a nível nacional, e diz que o PT não tem dono.Outra coisa nós não podemo mais eleger para a direção do PT, parlamentares. É por isso que o partido estar nesta situação.

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