Um projeto ecológico-popular para Fortaleza

Página 13 divulga resolução do 8° Congresso da tendência pestista Articulação de Esquerda de  Fortaleza (CE), realizado em 25 de novembro de 2023. 

 Conjuntura local 

 Fortaleza segue sendo governada pela coalizão conservadora desde quando Roberto Cláudio e a tropa do PDT arregimentada no interior, há 12 anos, surrupiou a eleição do sucessor das duas gestões consecutivas de Luizianne Lins (PT), das mãos do então candidato Elmano de Freitas (PT), atual governador do Ceará. 

 Na sua sucessão, oito anos depois, a gestão RC vinha tão desgastada e lutava com Sarto, o seu inexpressivo candidato, que chegou ao 2º. turno com a força do uso da máquina. Na ocasião, se não tivesse mobilizado votos de uma parte do eleitorado de esquerda, teria sido derrotado pela chapa de direita bolsonarista, dada a pequena diferença alcançada para o ex-PM e deputado Wagner. 

 A par das disputas pela gestão municipal, é notável por toda cidade o abandono dos equipamentos públicos, o acúmulo de lixo e sujeira, a insegurança nos bairros, e o anúncio de obras faraônicas e de resultado duvidoso, como o da construção de galerias sob a Av. Heráclito Graça, para escoar as águas do riacho Pajeú canalizado, que inunda a cada período chuvoso. 

 Nesses 12 anos de gestões pedetistas, Fortaleza transitou do elitismo de RC, o “prefeito da Aldeota” (bairro dos ricos), para o governo Sarto, da “cidade sem prefeito”. A inoperância e o caos administrativo são notórios em várias áreas da gestão. No plano ambiental-urbanístico, predomina o abandono de praças e áreas verdes. Ou já começam as intervenções pontuais, de olho no calendário eleitoral. 

 No campo ambiental, sem um plano de adaptação climática para a cidade, a marca da hipocrisia da atual gestão são os tais “xiringadores”, para espirrar água em transeuntes nas vias despidas das árvores que desmataram, dos canteiros que cobriram e impermeabilizaram e das ruas que asfaltaram indiscriminadamente, até as secundárias ou de pouco trânsito. 

 A falta de uma política consistente de regulação urbanística, não é mais uma das marcas da incompetência da gestão, muito pelo contrário, corresponde a uma submissão sistêmica aos interesses da especulação imobiliária movida pelo lobby da construção civil na cidade. 

 Essa gestão frouxa e afrouxada, que continua o desmonte dos mecanismos participativos e Conselhos paritários, que abre mão de suas prerrogativas urbanísticas legais, tem também sua face cruel ao manter inativas ações de cunho social, que poderia se dar por meio da regularização fundiária e política habitacional nas Áreas de Interesse Social. 

 A função social dos vazios e a preservação de mananciais, patrimônio histórico e Unidades de Conservação seguem sendo relegadas a segundo plano, para favorecer o apetite dos diversos segmentos do capital empresarial e financeiro. São esses os setores que pretendem fazer mais uma vez prevalecer sua hegemonia na revisão do atual Plano Diretor. 

 A prefeitura submergiu na pandemia e segue notória a incapacidade da atual administração em sanar os problemas da cidade. Multiplicam-se os burocratas inoperantes e lideranças compradas, que parasitam nos cabides de emprego para nada fazer. 

 Uma das marcas de sua gestão é a de seguir protagonizando sucessivos ataques aos direitos de servidores públicos e da população em geral, como ocorrido na reforma da previdência e na implantação da taxa do lixo.  

 Nenhuma esfera, no entanto, foi mais afetada pelo sofrível desempenho do que a administração da Saúde pública. Trata-se de um massacre diário à população mais carente nos postos de saúde por toda cidade, desde o descaso nas extensas filas de atendimento e marcação de consultas e exames, até as faltas de materiais e insumos básicos, profissionais e medicamentos. 

 Para fazer frente às críticas e tentando melhorar suas possibilidades eleitorais adiante, o bloco partidário de Sarto acenou para composições à direita na Câmara municipal e com a distribuição de benesses na gestão. 

 Percebendo o fraco desempenho do atual prefeito, no entanto, as forças políticas se organizam para a disputa eleitoral em 2024. Mesmo seus “aliados” de última hora, a ingrata direita, com seus matizes de ultradireita, vão anunciando suas pré-candidaturas para substituir a gestão a qual haviam passado a integrar. 

 E o campo à esquerda também se movimenta com pré-candidaturas petistas já se apresentando no cenário. Um dos fatores porém mais decisivos que incide sobre esta configuração na eleição estratégica da capital é o governo do estado. 

 Dentre as especulações em voga, são apontados os nomes de: Luizianne Lins, Larissa Gaspar, Guilherme Sampaio e Artur Bruno. Podem haver outros. Dentre esses nomes, Luizianne parece o mais bem posicionado quanto ao apoio interno e densidade eleitoral. Luizianne, contudo, enfrenta a mal-disfarçada oposição interna de Camilo e seu bloco. 

 O ex-governador, atual senador e ministro Camilo Santana tem peso no governo Elmano, sendo considerado o grande responsável pelo processo que levou à ruptura da aliança com o PDT, o lançamento do petista e eleição dele como sucessor.  

 Camilo deixa antever sua preferência de indicação do deputado Evandro Leitão (sem partido, ex-PDT), se possível filiando-o ao PT ou numa aliança com o partido que o albergue. (Nota: Evandro de fato filiou-se ao PT em dezembro, mas na ocasião do Congresso ainda era uma especulação) 

 Este processo se dá par-e-passo com a desestruturação do próprio PDT como força política diante de suas contradições internas, entre o adesismo governista e o ensaio de uma oposição a la “terceira via” (nem direita nem esquerda) que se desenha desde o processo eleitoral. 

 Neste cenário, por qual rumo devemos seguir? 

 O governo Elmano repete os passos do antecessor Camilo, ao buscar a composição com setores oligárquicos. O governador, em particular, operou para que o Diretório Municipal do PT nada decidisse por enquanto, empurrando com a barriga para o ano que vem e alimentando a falácia do “consenso progressivo”. 

 Camilo, mesmo petista, se considerava parte do grupo dos Ferreira Gomes, e agora das alas de Cid Gomes e Evandro que rompem com Ciro Gomes / RC / André Figueiredo. Por isso, se apressa em vestir o político tradicional conservador Evandro com o vermelho do PT. 

 A entrada desse agrupamento fisiológico no PT também atenderia ao objetivo de Camilo de tentar constituir uma maioria para assumir o controle da direção partidária, algo que nunca precisou diretamente, posto que o diretório, sob controle de José Guimarães, sempre foi totalmente subserviente aos desígnios do governo. 

 Quanto a isso, a tática do campo majoritário no Ceará, capitaneado pelo deputado e vice-presidente nacional do PT Guimarães foi a de, usando da estrutura do partido, como sempre realizar atividades de fortalecimento e ampliação das suas próprias bases por todo estado. 

 Esta movimentação visa coesionar melhor sua força e assegurar seu poder interno, considerando a enxurrada de adesões de “neo-petistas” ao governismo e também viabilizar seus projetos de futuro, possivelmente numa das vagas ao Senado. 

 Evidentemente, diante desse quadro, nossa opção será sempre a de evitar o “pacto” com os interesses dominantes, garantir o apoio a candidaturas petistas legítimas e a defesa de um programa de avanços concretos para classe trabalhadora, como Norte de nossa política. 

 Por um Programa de Esquerda Ecossocialista para Fortaleza 

 Nosso compromisso político por uma candidatura autenticamente petista para a capital tem a ver com a urgência de um programa alinhado com as inversões de prioridades no Estado, que possam sair dos interesses empresariais dominantes e consolidar os meios para uma governança autônoma participativa, com mais horizontalidade, autogestão e democracia direta. 

 Uma gestão da cidade em que prevaleçam os interesses da classe trabalhadora – no plano imediato combate à fome, à miséria e às injustiças sociais – e que fortaleça o empreendedorismo social comunitário, de uma nova bioeconomia local, colaborativa, comunitária e solidária, relacionada a um plano de adaptação climática para sobrevivência da Humanidade e salvação do Planeta. 

 Não basta mudar gestores em torno do mais do mesmo. É preciso uma transformação profunda e radical do modelo de governança. Podemos ter alguma incidência nessa definição programática, no planejamento e execução de uma eventual gestão petista. Devemos, portanto, operar enquanto esquerda partidária pelas melhores condições para alcançarmos esta meta. 

 Tática da Esquerda Petista em Fortaleza 

 Frente a esses acontecimentos constata-se um processo de gradual desidratação do campo à esquerda do espectro partidário. O retorno de Lula à presidência, os sucessivos governos de coalizão, as negociações em torno de espaços e cargos na institucionalidade vão interditando o debate político e promovendo a ascensão de neo-petistas em torno de nichos de poder reconfigurado. 

 O processo generalizado de degeneração burocrática das direções das entidades e movimentos sociais vai se firmando como regra de condição de espaço político para construção de qualquer coisa em comum: de lutas sociais a políticas públicas. 

 Ao mesmo tempo, há que se reconhecer que a nossa capacidade de incidência no cenário é bastante limitada, praticamente se reduz à prática de chancela das decisões já tomadas em instâncias pretensamente democráticas. 

 A exclusão do campo à esquerda de qualquer processo decisivo serve ao propósito eliminar críticas à adaptação de composição com setores de direita para governar e favorecer seus próprios interesses. 

 A relação com as outras tendências e grupos dentro e fora do PT tem trazido pouco resultado, predominando o isolamento político que vem desde a pandemia. 

 Considerando tudo isso, nossas tarefas devem estar relacionadas à fortalecer nossa capacidade organizativa e de incidência política, de duas formas principais: 

 1.Melhorar nossa capacidade organizativa interna, com levantamento de filiações e visitas na base, incorporação de militantes e formação política de quadros dirigentes;

 2. Realizar um projeto social de escala dentro das principais bases populares de atuação, conjugando alternativas de autogestão em empreendimentos sociais solidários, geração de renda, segurança alimentar e saúde.

 Ademais, o espaço que podemos ocupar no cenário do processo eleitoral a seguir seria na perspectiva de nos fortalecer reverberando nosso programa com nossa própria voz. Ou ao menos compondo com mandatos comprometidos, que defendam nossas causas em comum, e que possam de alguma forma apoiar nossas construções políticas. 

 Por outro lado, depois de inúmeras discussões, lançar uma candidatura de militante orgânico não se configura no momento. Diante disso, a melhor alternativa aponta no sentido de buscar alguma aliança dentro do campo da esquerda partidária, que melhor se coadune com o objetivo pragmático de fortalecer nossas construções sociais e partidárias. Neste sentido, se há alguma perspectiva de sinalização progressista com altivez está ligada aos rumos de Luizianne.  

 Na disputa interna e na sociedade, Luizianne Lins é o mais bem posicionado para esse enfrentamento. Não apenas pelo recall de seu nome nas pesquisas de opinião, sua força e eleitorado fiel está relacionado com a memória dos inúmeros legados de sua gestão para a cidade: o Hospital da Mulher; o Vila do Mar; a Sabiaguaba conservada; os Cucas da juventude; o Orçamento Participativo e os Conselhos, os postos de saúde 24h; a tarifa de ônibus congelada por quase oito anos; o transporte, fardamento, lanche de qualidade nas escolas municipais; os ganhos do funcionalismo, etc. 

 Enfim, não basta retomar o que foi desvirtuado ou desmontado, é preciso avançar ainda mais em torno de um programa sintonizado com os desafios do momento, escutando sempre as demandas da população mais vulnerável, o direito à cidade, a segurança cidadã, a diversidade e a emergência climática.  

 O exercício das tarefas elencadas como um objetivo comum da militância e direção da corrente, conjugada com a movimentação de aproximação política pode nos ajudar a superar as dificuldades e retomar nossa capacidade organizativa em torno de uma alternativa popular dos trabalhadores e das trabalhadoras em Fortaleza. 


(*) redacao@pagina13.org.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *