Por Bruno Costa (*)
O período histórico que atravessamos foi simbolicamente inaugurado pela falência do banco Lehman Brothers. Naquele fatídico dia 15 de setembro de 2008, o mundo do capital financeiro desabou, as premissas do liberalismo econômico foram rapidamente deixadas de lado para que os Estados nacionais pudessem socorrer as instituições financeiras, as classes proprietárias desencadearam uma ofensiva contra os direitos das classes trabalhadoras nos mais diversos recantos do planeta e a disputa de hegemonia no cenário geopolítico global adquiriu novos contornos, sobretudo em virtude do declínio relativo da hegemonia dos Estados Unidos e do seu empenho em evitar a consolidação de um mundo multipolar.
É nesse cenário que os manuais de desestabilização de governos não alinhados aos EUA são colocados em prática, em especial na América Latina, onde experiências de governos liderados por forças políticas progressistas contribuíam para o declínio relativo da hegemonia estadunidense. É nesse contexto que as classes proprietárias escancaram seu DNA golpista, seu histórico descompromisso com a democracia e seu apreço pela violência. É nesse ambiente que as ilusões republicanas, pacifistas, eleitoralistas e conciliatórias das esquerdas são colocadas em xeque.
Os golpes de Estado materializados em Honduras (2009), no Paraguai (2012), no Brasil (2016) e na Bolívia (2019), assim como a tentativa permanente de golpe de Estado na Venezuela, revelam o nível de acirramento da disputa de classes na América Latina e no mundo.
O governo Bolsonaro, derivado do golpe de Estado operado em 2016, da prisão política do ex-presidente Lula e de uma campanha eleitoral fraudulenta, possui objetivos bem definidos, que não se limitam à implementação da agenda econômica ultraneoliberal comandada pelo Paulo Guedes e operada pelo Rodrigo Maia no Congresso Nacional. Trata-se de um projeto de poder que busca, em última instância, banir a existência das esquerdas e das organizações políticas das classes trabalhadoras.
O clã Bolsonaro é a caricatura brasileira de uma extrema-direita que avança em escala global, como resultado da crise do capital, da deterioração das condições de vida das classes trabalhadoras e da crise da utopia revolucionária.
Achar que é possível superar esse estado de coisas no Brasil através da próxima eleição presidencial, de uma repactuação entre capital e trabalho ou de uma ampla frente democrática envolvendo frações das classes dominantes significa capitular ao melhorismo e antecipar a próxima derrota, pois o lado de lá já demonstrou inúmeras vezes que tem unidade para acelerar o processo desconstituinte em curso e consagrar a soberania do capital financeiro.
Explorar a desmobilização das massas espoliadas como justificativa para a conciliação de classes ou para o exercício de uma oposição moderada seria mais do que desonesto, uma vez que cabe justamente às esquerdas semear, no cotidiano da ação política, dentro e fora da institucionalidade, a organização e a mobilização das massas.
Aqueles que, três anos antes, vislumbram que a via argentina, marcada pela recente vitória eleitoral peronista, será reconstituída no Brasil, precisam olhar para os últimos acontecimentos na Bolívia e entender que somente a organização e mobilização das classes trabalhadoras poderá garantir a soberania do voto popular e conter a escalada autoritária.
Motivos não faltam para que as organizações políticas das classes trabalhadoras convoquem uma agenda intensa e permanente de mobilização popular. O já mencionado processo desconstituinte engloba não apenas a recém-promulgada reforma da previdência, mas também o aprofundamento da reforma trabalhista, a reforma administrativa e a chamada reforma do pacto federativo, que são facetas de um novo modelo de Estado, marcado pela soberania do capital financeiro, pela precarização e privatização dos serviços públicos, pela máxima exploração das classes trabalhadoras e pela naturalização da miséria.
Ademais, testemunhamos com relativa passividade um intenso processo de privatização do patrimônio nacional e constantes tentativas de supressão de direitos civis e políticos. A recente libertação do ex-presidente Lula não pode ofuscar nossa visão. A caçada contra Lula e as esquerdas persiste, e o governo Bolsonaro entende perfeitamente o potencial de mobilização do ex-presidente Lula, não por acaso ameaça explorar a Lei de Segurança Nacional para interditá-lo novamente.
Faz-se urgente e necessário, portanto, organizar o pessimismo para derrotar a barbárie, mas também para derrotar as próprias ilusões das esquerdas. Lula reassume a condição de forjar esperança e mobilização e de liderar a construção de um projeto de nação, e o Partido dos Trabalhadores continua sendo o principal instrumento de organização das classes trabalhadoras, e por isso mesmo o principal adversário das classes proprietárias nativas e de suas ramificações internacionais. São tempos de guerra. Não podemos sabotar a utopia que é capaz de colocar em movimento nossas tropas.
(*) Bruno Costa é militante do PT DF