Há exatos 45 anos, era assassinado o dirigente comunista Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar, por agentes do Exército, no ataque à residência na Rua Pio XI, no bairro da Lapa
Pedro Pomar e Cândido Portinari, 1947. Foto: Arquivo de Família
Por Pedro Estevam da Rocha Pomar (*)
Há exatos 45 anos, completados neste 16/12/2021, ocorria o assassinato do dirigente comunista Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar, em São Paulo, por agentes do Exército brasileiro. No ataque à residência onde ele se encontrava, na Rua Pio XI, no bairro da Lapa, seria assassinado ainda outro experiente lutador comunista, Angelo Arroyo. Horas antes, no centro de torturas mantido pelo II Exército na Rua Tutóia, no bairro do Paraíso, tombara João Baptista Franco Drummond, outro dirigente comunista que estivera na casa da Lapa até a véspera e fora preso quando se deslocava para outro local.
Naquele dia 16/12/1976 o país vivia sob o terror da Ditadura Militar iniciada em abril de 1964. Os revolucionários Pomar, Arroyo e Drummond eram membros da direção, ou “comitê central”, do então clandestino Partido Comunista do Brasil (PCdoB), um dos grupos de esquerda que se opunham ao regime ditatorial — e que organizara, anos antes, a Guerrilha do Araguaia. Os três haviam participado de quatro dias de reuniões na casa da Rua Pio XI. A operação que os matou, e que ficaria conhecida como Chacina da Lapa (ou Massacre da Lapa), conseguiu também capturar seis militantes do PCdoB: Aldo Arantes, Elza Monnerat, Haroldo Lima, Wladimir Pomar (membros do comitê central), Joaquim Celso de Lima e Maria Trindade. Os quatro primeiros foram torturados no Rio de Janeiro, para onde o Exército os levou inicialmente, e depois em São Paulo. Processados e condenados pela Justiça Militar, passaram anos presos.
Pomar e seus camaradas Arroyo e Drummond foram assassinados numa ação planejada pelo Centro de Informações do Exército (CIEx) e executada pelo famigerado Destacamento de Operações de Informações (DOI) do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) do II Exército (sediado em SP), com a participação também de oficiais do I Exército (RJ). Não resta dúvida de que a ação foi autorizada pelo comandante do II Exército, general Dilermando Gomes Monteiro, e pelo mais alto escalão ditatorial, inclusive pelo próprio ditador, general Ernesto Geisel. (Para saber mais sobre esse episódio, leia Massacre na Lapa, editado pelo Fundação Perseu Abramo)
Pomar e Arroyo eram quadros oriundos do antigo PCB, que desde a fundação se chamava Partido Comunista do Brasil mas mudara de nome, em 1961, para Partido Comunista Brasileiro. Por divergirem desta e de outras mudanças de linha política, que a seu ver subordinavam o partido à política soviética de “coexistência pacífica” com o imperialismo, Pomar, Maurício Grabois, João Amazonas e outros militantes entraram em choque com o grupo majoritário, liderado por Luís Carlos Prestes. Foram expulsos e posteriormente criaram o PCdoB, resgatando o nome original do partido. Em ambos os agrupamentos Pomar exerceu papeis de destaque, assumiu tarefas importantes e foi protagonista de debates estratégicos sobre o caráter do partido da classe operária e sobre a revolução brasileira.
Nasceu em Óbidos, Pará, em 23/9/1913, filho de mãe brasileira, Rosa Araújo, e pai peruano, Felipe Cossio del Pomar. Ainda menino, transferiu-se para Belém a fim de completar os estudos. Na década de 1930, envolveu-se com o movimento estudantil e nas atividades políticas contra o interventor Magalhães Barata (nomeado por Vargas). Em 1932, chegou a tomar parte de escaramuças armadas em trincheiras de rua. Precisou fugir para o Rio de Janeiro, onde foi acolhido pela jornalista e escritora paraense Eneida de Moraes e por seu companheiro Maurício Brant. Voltou a Belém, ingressou na Faculdade de Medicina em 1933, mas abandonou o curso após dois anos.
Foi um dos responsáveis pela mobilização, no Pará, em favor da criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Acusado de participar da revolta de 1935, foi preso em maio de 1936 e só libertado em junho de 1937, quando o Tribunal de Segurança Nacional o absolveu por falta de provas. Preso novamente em 1940, quando já integrava a direção estadual do PCB, conseguiu escapar da cadeia meses depois, com Amazonas e outros companheiros, retornando ao Rio de Janeiro em viagem memorável.
Pomar foi um dos articuladores da Conferência da Mantiqueira (1943), que reorganizou o PCB num momento em que muitos de seus dirigentes — Prestes e Carlos Marighella entre eles — encontravam-se encarcerados pelo Estado Novo. Participou intensamente do processo de reconstrução partidária, inicialmente no Rio de Janeiro e depois em São Paulo. Dirigiu o jornal Tribuna Popular, diário comunista criado no Rio de Janeiro na fase final do Estado Novo. Nas eleições complementares de janeiro de 1947, elegeu-se deputado federal por São Paulo com 135 mil votos, resultado excepcional que refletiu o forte trabalho partidário nos bairros operários da capital.
Embora o ditatorial governo Dutra tenha colocado o PCB na ilegalidade meses depois, e cassado os mandatos dos parlamentares comunistas, Pomar e outro destacado dirigente, Diógenes Arruda, conseguiram manter seus respectivos mandatos até o final, em 1950, porque elegeram-se pela legenda do Partido Social-Progressista (PSP). No período seguinte, Pomar comparece a conferências internacionais, estuda por dois anos na então União Soviética e toma parte ativa na organização da grande greve de 1953 em São Paulo.
O golpe militar de 1964 e a implantação do regime dos generais fizeram com que ele retomasse, ao lado da esposa Catharina e dos filhos, a clandestinidade vivida em períodos anteriores. Participou intensamente da estruturação do PCdoB, da elaboração do Classe Operária, heroico jornal mimeografado do partido, e dos esforços de resistência à Ditadura Militar. Em 1976, Pomar acompanhava com grande atenção o renascer das movimentações da sociedade civil contra o regime militar. As balas assassinas do DOI-Codi o encontraram num momento de plena maturidade intelectual e em meio a intenso debate, quando ele liderava o difícil, doloroso processo interno de avaliação da Guerrilha do Araguaia.
Duas biografias permitem conhecer melhor sua vida e suas ideias. Pedro Pomar, uma Vida em Vermelho, de autoria do escritor Wladimir Pomar (seu filho), pode ser encontrada aqui, em versão digital produzida pela FPA. A edição original, em papel, foi lançada em 2003 pela Editora Xamã. Pedro Pomar – Ideias e Batalhas, de autoria do jornalista Osvaldo Bertolino, foi lançada em 2013 pela Fundação Maurício Grabois.
(*) Pedro Estevam da Rocha Pomar é jornalista
(**) Artigo publicado originalmente em Teoria e Debate