Por Daniel Araújo Valença (*)
No ano em que o Peru alcança seu bicentenário, Pedro Castillo, o Peru Libre – partido marxista-leninista-mariateguista e o campesinato indígena derrubaram a maior unidade das burguesias peruanas das últimas décadas. Se Lima votou no projeto que reivindica a ditadura neoliberal corrupta e sanguinária da década de 90, os rincões dos Andes disseram “ya basta”.
A vitória sobre o fujimorismo no segundo turno das eleições presidenciais peruanas provou, uma vez mais, que as elites latino-americanas não têm pudor em flertar com o fascismo para manter a superexploração das classes trabalhadoras. E, também, que inexiste compromisso democrático por parte de tais setores. Derrotados nas urnas, não aceitaram o resultado: eleito, Pedro Castillo lutou por mais de um mês para ser considerado presidente, período no qual meios empresariais de comunicação, militares, e entidades patronais fizeram de tudo para impedir a posse, ou, ao menos, fragilizar o governo eleito e faze-lo recuar quanto à plataforma que saiu das urnas.
Após todo o terrorismo quanto à alta de inflação, quebra da economia, renascimento do Sendero Luminoso, etc, Castillo tomou posse e, ao nomear seu gabinete, o bombardeio aumentou de intensidade. Dentre os nomes, dois causaram mais estardalhaço: o primeiro-ministro, Guido Bellido, marxista do Peru Libre, e Héctor Béjar, advogado e ex-guerrilheiro.
Uma das primeiras medidas do governo foi anunciar o desembarque do Grupo de Lima, articulação de governos de direita da região que tem atuado para desestabilizar os governos progressistas, e a disposição de enfrentar as sanções e embargos à Cuba e Venezuela. Como resposta, re-esquentaram vídeo de Béjar em que afirma ter surgido a luta armada como consequência de uma ação terrorista da Marinha do Peru e, sob pressão, o governo o exonerou, em atitude que contrariou sua base social.
Ainda como parte do açoitamento, a presidenta do Congresso exigiu do ministro da economia a manutenção da autonomia do Banco Central e da política de austeridade. O Ministério Público anunciou investigações quanto ao delito de terrorismo contra Guido Bellido e Vladimir Cerrón, líder do Partido Libre.
Em seu twitter, Castillo propõe unificar o país em uma só direção, abandonando as ideologias para garantir uma unidade em torno de saúde, educação, luta contra a pobreza e crescimento econômico. Em outro momento, convocou os principais meios de comunicação empresariais para uma audiência voltada à impulsionar “un trabajo conjunto que priorice la estabilidad del Perú mediante el respeto al derecho a la información de la ciudadanía y el ejercicio responsable y transparente de la libertad de expresión”.
Com menos de um mês de governo, as burguesias peruanas partiram para um ataque fulminante ao novo governo, impedindo-o de respirar. Há quem diga – como Vladimir Cerrón – que se encontra em curso novo golpe de Estado parlamentar, como o foram Paraguai, Brasil, etc.
Três caminhos possíveis apresentam-se no horizonte: a cooptação do governo aos derrotados nas urnas; o avanço da escalada golpista e a derrubada relâmpago do governo Castillo; uma reorientação política do governo voltada a coesionar as classes trabalhadoras rurais e urbanas e, com o protagonismo do campesinato indígena, alcançar um grau de mobilização que imponha o desejo das urnas.
Castillo deveria voltar seus olhos ao Brasil para refletir que concessões aos inimigos nunca os levam a recuar, apenas criam as condições para que avancem.
(*) Daniel Araújo Valença é professor da Graduação e Mestrado em Direito da UFERSA, Vice-Presidente do PT/RN