Livro de Wladimir Pomar, sobre tentativas de construção do socialismo ao longo do século XX, chega a 3° edição e está disponível em formato eletrônico (clique aqui) . A seguir, o leitor e a leitora poderão conferir o prefácio, assinado por Valter Pomar.
BOA LEITURA!
Capa de “Rasgando a cortina”: edição revisada
A trilogia de Wladimir
Wladimir Pomar nasceu em Belém do Pará, a 14 de julho de 1936, filho de Pedro Pomar e Catarina Torres. Desde os cinco anos, conheceu a vida da clandestinidade, pela perseguição que a polícia do Estado Novo de Vargas movia às atividades do Partido Comunista do Brasil (PCB), do qual seu pai era membro.
Começou a trabalhar aos doze anos, como aprendiz de linotipista, ao mesmo tempo que fazia o ginásio. Depois trabalhou como repórter e redator nos jornais Tribuna Popular e Classe Operária. Foi colaborador do jornal Movimento, diretor do Correio Agropecuário, além de repórter e diretor editorial de Brasil Extra.
Adquiriu formação técnica e trabalhou como técnico de planejamento e manutenção de máquinas pesadas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ) e Conselheiro Lafaiete (MG). Foi engenheiro de serviços da General Eletric, no setor de locomotivas, tendo trabalhado junto às estradas de ferro Leopoldina (RJ) e Leste-Brasileira (BA). Também trabalhou como engenheiro de manutenção da Cerâmica do Cariri.
Militante político desde 1949, quando ingressou no PCB, Wladimir Pomar atuou inicialmente no movimento estudantil secundarista. Em 1951, estudou ajustagem mecânica no Senai, trabalhou na Arno e participou no movimento sindical metalúrgico. Em 1962, fez parte do movimento que deu origem ao PCdoB. Em 1964, foi preso na Bahia, por ação de resistência ao golpe militar. Solto no final daquele ano, devido a habeas corpus, foi julgado e condenado à revelia.
Depois de 1964, colaborou com a imprensa partidária e desenvolveu suas atividades políticas principalmente no interior de Goiás e do Ceará, aqui entre os sindicatos de trabalhadores rurais. Viveu na clandestinidade até 1976, quando foi preso novamente. Desta vez, durante uma ação militar que assassinou três dirigentes do PCdoB, no bairro da Lapa (SP), um dos quais seu pai. Foi libertado pouco antes da Anistia, em 1979. Naquele mesmo ano, desligou-se da direção do PCdoB e ingressou no Partido dos Trabalhadores.
De 1984 e 1990, integrou a executiva nacional do PT, onde foi responsável pela secretaria nacional de formação política, atividade que acumulou com a coordenação do Instituto Cajamar. Em 1986, participou da coordenação da campanha de Lula a deputado federal constituinte. Durante as eleições presidenciais de 1989, foi coordenador-geral da campanha Lula. Em 1990, deixou o Diretório Nacional do PT e nos últimos 32 anos atuou como militante, assumindo tarefas diversas, especialmente na formação política e contribuindo regularmente com diversos jornais e revistas, como o Correio da Cidadania, a revista Teoria e Debate e o site Página 13.
Grande parte dos textos de Wladimir ainda não foi organizado para consultas, nem publicado em formato de livro.
Entre suas obras publicadas, uma vertente aborda a dialética marxista (A dialética da história, em quatro tomos).
Outra vertente aborda temas da história do Brasil e da esquerda brasileira. É o caso de Araguaia, o partido e a guerrilha (Brasil Debates) e de Pedro Pomar: uma vida em vermelho (Xamã); Quase lá, Lula e o susto das elites (Brasil Urgente) e Um mundo a ganhar (Viramundo); O Brasil em 1990 e Era Vargas: a modernização conservadora (Ática). Assim como a autobiografia O nome da vida (Fundação Perseu Abramo), Textos e contextos (Editora Página 13) e Brasil, crise internacional e projeto de sociedade (Fundação Perseu Abramo).
A terceira vertente é o debate sobre o socialismo. Wladimir Pomar é autor de diversos estudos e livros sobre a China, entre os quais O enigma chinês: capitalismo ou socialismo (Alfa-ômega e Editora da Fundação Perseu Abramo); China, o dragão do século XXI (Ática); A revolução chinesa (Unesp); China: desfazendo mitos (Editora Página 13 & Editora Publisher).
É autor, também, de uma trilogia sobre a teoria e a prática das tentativas de construção do socialismo, ao longo do século 20: Rasgando a cortina (Brasil Urgente), Miragem do mercado (Brasil urgente) e A ilusão dos inocentes (Scritta).
Esta trilogia começou a ser elaborada logo no início dos anos 1990, depois de Wladimir deixar o Diretório Nacional do PT. Duas décadas depois, em 2010, a Editora Página 13 publicou uma segunda edição eletrônica de Rasgando e de Miragem. A presente terceira edição da trilogia foi precedida de uma revisão e preparação dos originais.
Publicar estes textos neste ano de 2022 atende aos mesmos motivos que nos levaram a propor e contribuir para a realização, em 2021, das “13 Jornadas de debates sobre o socialismo no Século 21”, uma iniciativa conjunta da Fundação Perseu Abramo, da Escola e da Secretaria de Formação do PT. As referidas “13 jornadas” incluíram
24 mesas de debate com 96 palestrantes, brasileiros e estrangeiros, de vários partidos, mas principalmente petistas, entre os quais destaco Olívio Dutra, José Dirceu, Tarso Genro, Rui Falcão, Ricardo Berzoini, José Genoíno, Fernando Haddad e Dilma Rousseff. Wladimir Pomar também participou. A planejada e esperada mesa final do
ciclo, com Lula e Gleisi Hoffmann, não aconteceu.
Entre nossos motivos está o seguinte: para vencer o bolsonarismo e o neoliberalismo, é preciso também vencer a chamada guerra cultural. E para isso não basta falar de Lula, nem da herança dos governos petistas. Para vencer a guerra cultural deles contra nós, é preciso travar uma guerra cultural nossa contra eles, o que inclui apresentar um programa emergencial e estrutural de transformações para o país, que dê materialidade às nossas propostas de soberania nacional, liberdades democráticas, bem-estar social, desenvolvimento de novo tipo e… socialismo.
Parte importante de nosso partido não está de acordo com isso, ou seja, não concorda em destacar o socialismo como objetivo a ser defendido aqui e agora. Alguns setores do nosso partido nunca foram socialistas, outros deixaram de ser, pelo menos no sentido em que interpretamos a palavra socialismo: como anticapitalismo prático, como movimento de superação do modo de produção capitalista, como processo de transição para uma sociedade em que não haja mais exploração nem opressão de nenhum tipo, onde os produtores decidam o que produzir, como produzir e como distribuir, onde a natureza e a humanidade possam conviver noutras bases.
E há uma parte do PT que, embora seja socialista, aderiu a uma variante do etapismo que caracterizou boa parte do movimento socialista nos séculos 19 e 20. Ou seja, considera que o socialismo é uma tarefa a ser buscada “depois”. “Depois” de derrotar Bolsonaro, “depois” de voltarmos a governar o país, “depois” de superarmos o neoliberalismo, “depois” de encontrarmos nosso caminho para o desenvolvimento e assim por diante.
Este jeito podia ter alguma justificativa lógica quando o mundo não era capitalista. Mas hoje, quando o capitalismo é hegemônico em escala mundial, e além de hegemônico vive uma profunda crise, aquela maneira etapista de raciocinar faz do socialismo algo absolutamente inútil. Afinal, se o socialismo seria uma alternativa prematura até mesmo nos momentos de crise capitalista, por qual motivo ele seria uma alternativa promissora “depois”, ou seja, nos momentos em que o capitalismo estiver “funcionando bem”? Se o socialismo não é uma alternativa prática à situação criada pela crise do capitalismo, mundial e nacional, por que mesmo defendemos o socialismo?
Verdade seja dita, esta atitude frente ao socialismo não é monopólio de um setor do PT ou de um setor da esquerda brasileira. Hoje em dia, em certos meios, é mais comum ouvir falar em “crise da civilização humana”, do que ouvir falar em fim do capitalismo e sua substituição por uma alternativa socialista.
Isso é em certa medida paradoxal, afinal, isso que chamamos de “crise sistêmica” – ou seja, a conjugação orgânica de inúmeras crises: ambiental, sanitária, social, econômica, política, nacional, geopolítica, cultural – é a crise sistêmica de uma sociedade capitalista, ou seja, de uma sociedade organizada pela dinâmica da acumulação de capital.
E o núcleo desta crise sistêmica não é a pandemia, não é a desigualdade, não é a disputa pela hegemonia mundial. O núcleo desta crise sistêmica é uma crise de acumulação, ou seja, a crescente dificuldade que o capitalismo enfrenta para se reproduzir de forma ampliada.
Essa crescente dificuldade não impede que haja acumulação e inclusive expansão do capital, mas gera contra tendências muito poderosas. Por conta disso, cada ciclo de acumulação do capital exige um esforço relativamente maior, para produzir um resultado proporcionalmente menor e gerando ao mesmo tempo resíduos cada vez mais tóxicos.
As guerras, a crise ambiental, a crise sanitária, a crise social, a crise política, a crise geopolítica e inclusive a crise cultural – expressa por exemplo no crescimento do irracionalismo – que nós estamos experimentando são, a rigor, desdobramentos diretos ou indiretos desta dinâmica de crise na acumulação de capital. Claro que o capitalismo é um modo de produção “crísico”, que evolui graças e através de suas contradições internas.
Neste sentido, a crise, o desequilíbrio, a desarmonia, são o estado permanente do capitalismo. Entretanto, mais ou menos como acontece numa usina nuclear, em condições normais a explosão é evitada por contra tendências, tais como a existência de novas fronteiras de expansão, a existência da competição intercapitalista e, inclusive, as conquistas da classe trabalhadora. Entretanto, estes fatores evitam a explosão apenas temporariamente, produzindo uma ameaça futura ainda maior.
Contudo, em determinadas circunstâncias históricas, ocorre um “efeito cascata”, uma sequência de acontecimentos que neutraliza as contra tendências e empurra o sistema para uma espécie de “crise perfeita”, a tal crise sistêmica.
Foi o que aconteceu na primeira metade do século 20 e que incluiu a Grande Guerra de 1914-18, a crise de 1929, a ascensão do nazifascismo e a Segunda Guerra Mundial. Hoje, está ocorrendo algo parecido.
Considerando a história pregressa, existem três desfechos possíveis para este tipo de situação. O primeiro deles é o colapso geral da sociedade, uma versão Global Mad Max daquilo que os dois velhos barbudos chamavam de “destruição das classes em luta”.
O segundo desfecho possível é um novo ciclo longo de expansão capitalista. Mas, para que isso ocorra, não basta o que já está acontecendo, não basta aprofundar a concentração e centralização de capitais, não basta aprofundar a exploração da classe trabalhadora, não basta aprofundar a exploração das periferias pelos centros,
não bastam as mudanças tecnológicas que já vêm ocorrendo.
Para que ocorra um novo ciclo longo de expansão, seria necessário OU bem a abertura de uma nova fronteira de investimentos (como a exploração em larga escala do fundo do mar ou de outros planetas), OU bem uma reconstrução em larga escala (o que, por sua vez, pressuporia uma grande destruição prévia, ao estilo do que foi a Segunda Guerra).
O terceiro desfecho possível é que, da atual crise sistêmica, brote uma alternativa sistêmica, ou seja, um novo ciclo de experiências socialistas.
Quando falamos que existem três grandes desfechos possíveis, podemos passar a impressão de que estamos diante de variantes que se excluem: ou a barbárie absoluta, ou o capitalismo, ou o socialismo. Mas não é assim: do ponto de vista histórico, o mais provável é que, durante algum tempo, aquelas variantes ou algo parecido com elas coexistam simultaneamente.
Ou seja, é provável que ao mesmo tempo que parte da humanidade é empurrada para um capitalismo com cada vez mais barbárie, outra parte esteja buscando realizar uma transição socialista com cada vez menos capitalismo.
Sendo essas as variantes, seria de esperar que nós petistas apostássemos todas as nossas fichas no socialismo. Infelizmente, uma parte da esquerda brasileira e uma parte do PT seguem acreditando que, nesse momento, o máximo que podemos alcançar é a elevação dos níveis de bem-estar, de liberdades democráticas e de relações civilizadas, mas tudo isso dentro do capitalismo.
Evidentemente, a opinião da tendência petista Articulação de Esquerda e, portanto, da Editora Página 13 é bem diferente. Motivo mais do que suficiente para a publicação de uma nova edição desta trilogia, exatamente neste momento.
Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT e diretor da Fundação Perseu Abramo.