Por Quelen Tanize Alves da Silva (*)
Maio de 2024. Momento histórico no Rio Grande do Sul (RS) que ficará marcado em nossas memórias, devido à grande catástrofe relacionada às enchentes que atingiram 476 municípios gaúchos, com um total 95% dos municípios atingidos, afetando 2.392.686 pessoas.
Anteriormente a essa situação, a saúde pública do RS já vinha em debate, por diferentes questões, demandas assistenciais reprimidas devido à priorização de atendimentos a pacientes em situação clínica agudizada durante a Pandemia da Covid, uma cobertura de saúde de Atenção Primária à Saúde/ Atenção Básica em Saúde ( aquelas referentes aos serviços de saúde que localizam nos bairros, que alguns ainda denominam de “postinhos”) quase suficiente em números registrados, mas que não contemplam as necessidades de saúde da população em alguns territórios. Unidades de Pronto Atendimento e Emergências lotadas, insuficiência de referências em especialidades médicas no nível ambulatorial ou hospitalar para os municípios, descredenciamento de prestadores de serviços, fechamento de hospitais estaduais e, ainda, repercutindo nesse cenário a ameaça de desligamento de hospitais do IPE Saúde (Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Estaduais e seus dependentes) que são responsáveis por um grande número de atendimentos.
Várias são as causas desse cenário e que expressam escolhas políticas do atual governo do estado e nesse momento não serão aqui analisados, mas é um aspecto importante a ser debatido em momento oportuno, o qual não poderá ser muito postergado frente as necessidades que são eminentes. Ressalta-se, aqui, esse cenário para compreensão que as cheias no RS agravaram uma situação que já apresentava desafios do acesso dos usuários aos serviços de saúde.
Assim, as enchentes no RS trouxeram sobrecargas a um sistema que continha estrangulamentos e obstáculos a operacionalização de princípios do Sistema Único de Saúde, pois trouxeram como efeitos serviços de saúde com danos às suas estruturas físicas e que ficaram total ou parcialmente interditados, além de perdas de medicamentos e insumos, trabalhadoras e trabalhadores de saúde atingidos pelas enchentes e com dificuldades de assumirem seus postos de trabalho, dificuldades de acesso pelos usuários aos serviços, a consultas e exames agendados, novas cargas de doenças (como a leptospirose), uma demanda para atenção em saúde mental, um demanda de maior financiamento em saúde e a exigência de políticas públicas e ações intersetoriais.
Diferentemente, do cenário pandêmico e político da COVI-19, agora o Governo Federal do presidente Lula, desde o primeiro momento, esteve presente buscando coordenar as ações e respondendo demandas apresentadas, dialogando e pactuando com estado e municípios na estruturação das respostas e observando em suas ações a complexidade da situação da saúde apresentada. Ressalta-se que a resposta no âmbito da saúde pública, mais uma vez, aconteceu por meio do Estado, ou seja, a partir das ações e coordenação do Sistema Único de Saúde. O SUS segue estratégico na defesa da vida.
“Reconstruir a saúde do Rio Grande do Sul é um esforço gigantesco”, afirmou a ministra Nísia Trindade e a esse esforço como apoio e assistência à população do Rio Grande do Sul; o Ministério da Saúde desenvolveu as seguintes ações: criação de grupo de trabalho para discutir a reconstrução das ações de assistência, atuação da Força Nacional do SUS em diferentes regiões, liberação de R$ 1,5 bilhão em recursos para o estado e os municípios gaúchos ( com antecipação de alguns repasses como da assistência farmacêutica para os municípios gaúchos); recursos para reconstrução de Unidades Básicas de Saúde e para os hospitais atingidos, instalação de 04 hospitais de campanha, flexibilização da retirada de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular, garantia de repasse de recurso para o pagamento do Piso da Enfermagem, garantia de vacinação através do envio de 1,2 milhão de doses de vacinas contra tétano, difteria, hepatites A e B, coqueluche, meningite, rotavírus, sarampo, caxumba, rubéola, raiva e picadas de animais; envio de kits emergência, com 32 tipos de medicamentos e 16 tipos de insumos, como luvas, seringas e ataduras em cada kit, com capacidade de atender até 150 mil pessoas em um mês; 73 mil frascos de insulina, 617 mil canetas e 2,8 milhões de agulhas de aplicação; 8 milhões de medicamentos e insumos dos componentes Básico, Estratégico e Especializado; 600 doses de imunoglobulina; 200 caixas térmicas de alta qualidade; 4,8 mil bobinas de resfriamento, elaboração de um Plano em Atendimento em Saúde Mental e ampliação de leitos hospitalares.
Importante afirmar que a saúde da população é resultado das relações sociais em determinado contexto político e social, sendo garantido por políticas públicas e tendo como determinantes e condicionantes o emprego, moradia, alimentação, educação, lazer, meio ambiente, saneamento básico e acesso a bens e serviços. A saúde é um indicativo de qualidade de vida e um direito a ser garantido, uma vez que permite a produção e reprodução de vida.
Nesse sentido, as ações do governo federal devem ser elaboradas, apesar dos limites institucionais e de governo, em monitoramento e articulação com outros demandas sociais que determinam a saúde da população. O Governo Federal, a partir de sua representação máxima, o Presidente Lula, afirmou que recursos não faltará para a reconstrução no estado e vem apresentando respostas em diferentes setores na garantia de dignidade e defesa da vida.
A reestruturação da saúde no RS deve orientar-se pela estratégia de fortalecimento do Sistema Único de Saúde, a partir de uma gestão pública com oferta de atenção em saúde qualificada e resolutiva aos cidadãos, para isso torna-se necessário observar alguns desafios que esse processo apresenta:
-Nosso país é configurado por um pacto federativo e esse se interpõe, também, no âmbito da saúde apresentando desafios na efetivação e operacionalização das políticas e ações públicas em respostas a esse momento. A reconstrução da assistência à saúde no RS é responsabilidade de todos os entes federados envolvidos, sendo necessário que governo do Estado e municípios garantam a continuidade e qualificação das ações. Em um momento que se configura eleições municipais em que a pauta da saúde segue sendo uma das prioridades da população e presente nos debates, a disputa política de projetos de saúde, mais uma vez se coloca em relação e isso pode capturar o desenvolvimento local das ações.
-A reconstrução de um sistema de saúde universal pressupõe financiamento suficiente para o desenvolvimento de suas ações orientadas pela integralidade da atenção da saúde. As respostas ao cenário das enchentes no RS pressupõem financiamentos mínimos e obrigatórios ao sistema público de saúde.
-O envolvimento da população para que exerçam participação social, com condições de fiscalização e debate das políticas e ações necessárias para reconstrução do SUS. Nossa população segue com pouco envolvimento conhecimento sobre seu direito constitucional e, assim, as deliberações dos espaços de participação social têm dificuldades de serem acolhidas por gestores e trabalhadores do SUS.
-As políticas de saúde pública no RS devem ser pautadas pelos princípios e diretrizes. Assim, as ações devem ser organizadas observando a estruturação de Redes de Atenção à Saúde e em articulação intersetorial.
Os desafios acimas expostos colocam tarefas organizativas e políticas ao campo democrático e popular, que defende o SUS e seu fortalecimento, para que a reconstrução e transformação do RS caminhe no sentido da redução das desigualdades e da garantia dos direitos sociais, o que implica em combater a lógica mercantil, privatizadora e de sucateamento do SUS, defendida pelas forças políticas, sociais e econômicas alinhadas ao neoliberalismo.
(*) Quelen Tanize Alves da Silva é militante da Saúde, do PT e da direção estadual da tendência Articulação de Esquerda