A situação de São Leopoldo em meio à catástrofe climática

Por Ana Affonso (*)

2024 era para ser um ano extraordinário para nossa cidade, com celebração e muita festa, por conta do bicentenário da chegada dos primeiros imigrantes alemães, em 1824, o que faz com nossa cidade tenha o título nacional de berço da colonização alemã no Brasil.

Os 200 anos era uma data muito aguardada e com muitos planos para festejar essa linda história de todos os povos que aqui chegaram com muitas obras e serviços pra toda a população.

Mas, de repente, tudo mudou.

Estamos passando pela maior catástrofe climática da nossa cidade e de todo o estado de modo geral. Com chuvas excessivas, de 600mm em 48h, o nível do Rio dos Sinos ultrapassou os 8,20m do leito, o que causou o transbordamento do nosso sistema de proteção de cheias, o dique, e danos ao sistema, o desligamento das casas de bombas, falta de energia e de água potável em várias regiões, sendo que as últimas regiões que retomaram água na torneira, ficaram até 27 dias desabastecidas.

Pelos dados da nossa defesa civil, mais de 180 mil pessoas foram afetadas diretamente pelas enchentes, mais de 100 mil pessoas estiveram desalojadas, fora de suas casas, e cerca de 20 mil pessoas precisaram ser acolhidas em 129 abrigos organizados pela prefeitura ou pela sociedade civil. Foram 18 escolas municipais totalmente perdidas, 11 unidades de saúde, quase todos os CRAS, o prédio da prefeitura e a Câmara de Vereadores, comércios, empresas, entidades não governamentais.

Em meio a tudo isso, a solidariedade e a união de esforços entre o poder público, sociedade civil, voluntários da cidade, e de outros estados, foram essenciais para dar conta de tantas frentes, desde o resgate das pessoas atingidas, animais, até o cuidado nos abrigos, produção de marmitas, arrecadação de alimentos, colchões, cobertores, água, roupas, remédios.

O presidente Lula esteve 4 vezes no RS, uma delas aqui em São Leopoldo, trazendo carinho aos abrigados e anunciando muitas ações, desde a criação do Ministério da Reconstrução, liderado pelo ministro  Paulo Pimenta, até o auxílio reconstrução de 5.100 reais por família afetada, recursos para limpeza e hospitais de campanha com a força nacional dos SUS; posteriormente, assumiu o compromisso com um projeto de manutenção do sistema de diques e casas de bombas e, também, garantiu 1 salário mínimo para todos os trabalhadores formais, durante dois meses, com o compromisso de que as empresas garantam os empregos por mais dois meses pela adesão.

As respostas do nosso governo à essa tragédia foram intensas, seja pela liderança incansável do prefeito Vanazzi, que protagonizou a retomada do abastecimento da água em tempo recorde, como as obras emergenciais, que de forma heróica permitiram a reconstrução de dois trechos dos diques rompidos, através do SEMAE, nossa autarquia pública de abastecimento de água da cidade; seja pela política de acesso aos benefícios sociais, a política de distribuição de donativos para desabrigados, a grande força tarefa que está em curso com a limpeza da cidade, e os grupos de trabalho que estão sendo criados com todos os setores da cidade para debater e planejar à reconstrução em todos os setores.

Esse momento de crise que estamos passando é longo, traz enormes desafios ao governo, que pela 4ª vez conduzia a cidade numa crescente de políticas públicas, obras, chegando a 5ª economia do Estado.

Temos três grandes territórios devastados, toda a região oeste, toda a nordeste e parte da norte; há um acirramento enorme das desigualdades sociais, as áreas mais alagadiças são habitadas pelos mais pobres, que perderam tudo, empobreceram abruptamente.

A narrativa do “povo pelo povo” tão presente no período dos resgates e da força tarefa humanitária revela que numa dimensão territorial de 70% da cidade afetada, é humanamente impossível apenas o poder público dar conta das questões emergenciais, principalmente numa situação de calamidade pública.

Mas é um discurso que, quando usado pela oposição de extrema direita, tenta descredibilizar o papel do Estado, promover o desgaste político eleitoral e defender ali na frente privatizações e Estado mínimo, não nos iludamos.

Nós, enquanto cidade, temos um SEMAE que foi herdada com 11 milhões de dívida de energia elétrica, quando retomamos o projeto popular em 2016, sucedendo uma gestão tucana, e hoje investe 17 milhões no sistema de drenagem e macrodrenagem na cidade, diferentemente do DEMAE de Melo em Porto Alegre e da Corsan privatizada por Leite.

Fomos pioneiros na aquisição de bombas móveis para escoar a água de vários bairros alagados, primeira cidade que secou seu território, e cedeu suas bombas para outras cidades.

O “modo guerra” está ativado aqui de forma permanente, tanto pela crise que nos afeta e que será longa, como pelo calendário eleitoral que se avizinha.

Nosso desafio é sermos referência na retomada da confiança da população na própria cidade, garantirmos em curto e médio prazo estabilidade no sentido de não haver reincidência ali na frente, nos períodos de muita chuva, que o RS enfrenta historicamente, o que por si só já é um desafio gigantesco, mas também sermos articuladores de planos de reconstrução das casas junto aos governo federal, da retomada do setor econômico, principalmente os micros e médios empreendedores. E enfrentar o bolsonarismo local, que está articulado nacionalmente, com muito aparato na linha de donativos e com uma estrutura humana potente, presente nas perifierias, como um poder paralelo, muitas vezes superando as condições do poder público de atender o combate à fome, dada as proporções dessa calamidade.

Conduzir uma eleição municipal neste contexto sempre é desfavorável para quem governa, ao fim ao cabo, a fase das perdas se transforma em revolta, e os governos em última análise são os culpados. Aqui, não por omissão ou inércia, muito pelo contrário, mas pela necessidade direta e objetiva precisaremos ser porta-vozes de soluções imediatas e de esperança no futuro, livrando a cidade de projetos neoliberais e trabalhando muito a consciência de que somente um Estado forte, público, de qualidade, com alinhamento federal, será capaz de reconstruir e transformar nossa querida cidade.

(*) Ana Affonso é vereadora pelo PT em São Leopoldo, presidenta do PT da cidade e integrante da direção estadual da tendência Articulação de Esquerda

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