Pois bem, por que defender a reforma agrária? É simples e até racional. A distribuição de terras gera postos de trabalho e renda
Por Rogerio Favoretti e Samir Serôdio (*)
A Lei nº 601 foi publicada em 18 de setembro de 1850. Conhecida como a primeira Lei de Terras, ocorreu no período do Imperador D. Pedro II, portanto, há pouco mais de 173 anos. A partir da referida Lei, um processo de concentração latifundiária se consolida, mas esse processo remete ao Brasil colônia, com Sesmarias, e a criação de um Estado com dimensão territorial que pode ser chamado de continental. A concentração de grandes latifúndios gerados ao longo de nossa história nega ao pequeno agricultor, ao ex-escravizado alforriado ou ao imigrante recém-chegado a possibilidade de adquirir terras, pois a única forma de aquisição seria pela compra direta, tanto de áreas devolutas quanto as áreas privadas.
O resultado de um Brasil colonial concentrador de terras levou aos conflitos entre aqueles que se tornaram sem terra com aqueles que cresceram suas áreas se tornando a elite agrária do país.
Resultado: um atraso sem precedentes, com o qual até hoje somos penalizados em todas as dimensões, seja a social, a econômica e a ambiental. As extensas áreas de terras permitiram que os fazendeiros mudassem suas plantações de lugar sempre que determinada área de terra se esgotava, ou seja, imprópria para produção, avançando e derrubando florestas em busca de terras virgens. Cresce a concentração de terras, de renda, e não ocorre o cumprimento da função social da terra, de produzir.
Nos dias atuais, ainda pouco serviu para alterar aquilo que é estrutural, permanecendo uma estrutura fundiária desigual com grande concentração de terras. No Brasil e no Espírito Santo não há muita diferença. A concentração de terras existe e ainda causa desigualdade social. Do total de 108.014 estabelecimentos rurais do Estado, 80.775 são da agricultura familiar e concentram 33,2% das áreas, enquanto médios e grandes proprietários ocupam 66,8% das áreas. Um dado importante é que de seis a cada dez pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários são da agricultura familiar, vejamos: de 357.258 pessoas ocupadas no Espírito Santo nos estabelecimentos rurais, 213.357 pessoas são da agricultura familiar, aquele que possui até quatro módulos fiscais de acordo com a Lei Federal 11.326/2006, e 143.701 pessoas ocupadas estão nos médios e grandes estabelecimentos.
Pois bem, por que defender a reforma agrária? É simples e até racional. A distribuição de terras gera postos de trabalho e renda e, consequentemente, diminui a pobreza no campo, diminui a concentração de gente nos grandes centros urbanos, melhora a qualidade de vida e desenvolve a sociedade economicamente e socialmente. Destaca-se ainda que os assentados têm foco na produção de alimentos agroecológicos, primam pelo mercado alimentar local, regional e interno; e possuem como regra a preservação ambiental.
Para melhor entenderem a produção agrícola e agropecuária da agricultura familiar, portanto, dos assentados da reforma agrária, apresento alguns dados estatísticos do IBGE/2017 que provam a participação da categoria frente ao agronegócio: alho (94%), cebola (94%), gengibre (92%), repolho (87%), chuchu (83%), feijão (80%), inhame (82%), abacaxi (96%). Nas lavouras permanentes tem-se: laranja (70%), banana (58%), abacate (67%), acerola (70%), café arábica (57%), café conilon (51%).
Esses são alguns exemplos de como a reforma agrária é importante para uma nação. Temos essa forte produção em nosso Estado por ser numeroso em pequenas propriedades, havendo quase 100 assentamentos de trabalhadores rurais da reforma agrária. Entretanto, essa relevante produção não concentra a metade das áreas de terras e ainda produz o maior número de postos de trabalho no campo, enquanto as grandes propriedades são agroexportadoras de commodities e gera riqueza a poucos.
A reforma agrária distribui a riqueza igualando a distribuição da renda. Só por isso ela já se justifica.
Há ainda a legalidade, o ordenamento jurídico e o direito à propriedade privada, que é garantida. Nosso ordenamento jurídico pátrio (CF/1988) diz que: propriedade que não cumpre sua função social deve ser destinada para fins de reforma agrária, e que compete à União, conforme estabelece o art. 184, da CF/1988. Há também outros casos para desapropriação, quando a propriedade é utilizada para fins ilícitos. O art. 186 também da CF/1988 ainda prescreve que a pequena e média propriedade, quando o proprietário não possua outra, e a propriedade, quando produtiva, independentemente do tamanho da sua área, são insuscetíveis de desapropriação.
Portanto, existem regramentos legais que asseguram o direito à propriedade privada desde que cumprida sua função social e quando produtiva.
Sendo assim, para que serve a reforma agrária? Para gerar empregos no campo, reduzir as desigualdades e produzir alimentos para o povo brasileiro, retirando o Brasil novamente do mapa da fome, bem como realizar a justiça social e ainda preservar o meio ambiente por meio de práticas conservacionistas.
(*) Rogerio Favoretti e Samir Serôdio são, respectivamente, subsecretário de Estado da Agricultura Familiar (Favoretti); Gerente de Desenvolvimento Agrário