Respostas a perspectivas sombrias

Por Wladimir Pomar (*)

Como temos visto, o Brasil parece, cada vez mais, um palco de acontecimentos desagradáveis. A pandemia ultrapassou 250 mil mortos e mais de 10 milhões de infectados. Não bastasse isso, além da Ford, da Mercedes, e de diversas outras empresas de capitais estrangeiros que deram por encerradas suas atividades industriais no Brasil, há um ambiente crescente de fuga de indústrias para outros países.

A decisão dessas empresas estaria relacionada, segundo as justificativas de algumas delas, ao ambiente econômico brasileiro desfavorável, de alto custo, agravado pela pandemia. Para alguns setores do governo, porém, tais empresas teriam obtido vários bilhões de reais em subsídios, deveriam alguns milhões de reais ao BNDES, e não teriam motivos para encerrar suas atividades produtivas no Brasil. A grande burguesia nativa quer convencer a todos que tais transferências se devem à falta das reformas neoliberais prometidas, mas não realizadas pelo governo, o que também estaria levando alguns de seus integrantes a procurar outras terras.

Por outro lado, as multinacionais em mudança nada dizem que esclareça convenientemente o assunto. Ou apenas declaram, como fez a Ford, na perspectiva essencialmente capitalista, estar mudando para um modelo enxuto de negócios, com poucos ativos, de alta tecnologia, alta produtividade, poucos trabalhadores, e acesso ágil a insumos. Na mesma linha, membros do governo Bolsonaro preocuparam-se em dizer que a saída dessas empresas nada teria a ver com a situação política, econômica e jurídica do Brasil, e sim com o desejo proclamado de fabricarem modelos “mais rentáveis”.

Só faltam dizer e confirmar que não é possível fabricar modelos mais rentáveis no Brasil, apesar das vantagens que os governos brasileiros, desde os anos 1950, ofereceram aos investimentos estrangeiros. Segundo vários outros comentaristas, desde então, houve uma lista enorme de “incentivos” às empresas multinacionais para reduzir seus custos de produção e elevar sua lucratividade, incluindo descontos em impostos e financiamentos do BNDES, que somaram centenas de milhões de reais por ano, sem compromisso de manter empregos.

Ampliando os horizontes desses dados para o conjunto da indústria, da agricultura, dos serviços e do sistema financeiro, que representam o secular processo de acumulação de riquezas em menos de 1% da população brasileira, pode-se deduzir que tal acumulação, especialmente a partir dos anos 1990, passou a promoveu, no polo do mercado de trabalho, a ampliação dos sem-sem. Isto é, os sem-emprego, sem-salário, sem-profissão, e sem inúmeras outras condições de vida, que caracterizam os pobres e miseráveis, uma massa de milhões de proprietários de força de trabalho, cada vez mais sem possibilidade de vendê-la como condição básica de sua sobrevivência.

Ou seja, nesse polo social, apesar das medidas dos governos petistas, que chegaram a retirar cerca de 13 milhões das condições miseráveis de vida, o que ocorreu foi a crescente extensão da miséria, com a compressão do consumo, numa dimensão que danifica a circulação das mercadorias e, portanto, do próprio capital. Ao não considerar essa hipótese, parte dos analistas do mercado não consegue explicar porque o Brasil, apesar de diferentes incentivos a diversas empresas industriais, nacionais e estrangeiras, não consegue fazer com que muitas delas, ainda presentes no mercado brasileiro, se considerem em condições para fabricar modelos com alta tecnologia e alta produtividade.

Dizendo de outro modo, na atualidade, o Estado brasileiro não consegue oferecer condições superiores às que promoveram as industrializações dos anos 1950 a 1970. Naquele período, as empresas que investiram no Brasil, e em outros países atrasados, somente demandavam muitos trabalhadores a baixos salários. Para investir em países industrialmente atrasados, como o Brasil, e obter uma lucratividade mais elevada, o capitalismo avançado de então apenas pretendia as vantagens de forças de trabalho abundantes e mais baratas do que as dos Estados Unidos, Europa e Japão, assim como mercados financeiros abertos à circulação do capital.

A contratação de forças de trabalho mais baratas e a ampliação mundial do sistema financeiro, foram as molas propulsoras da globalização capitalista dos anos 1970 em diante. Paralelamente, porém, numa contradição típica desse modo de produção, na busca do aumento constante de sua lucratividade, o capitalismo avançado ingressou num colossal desenvolvimento científico e tecnológico, elevando sua produtividade industrial e, a partir daí, tornando o desemprego tecnológico em seus países desenvolvidos, assim como nos países em desenvolvimento, uma realidade intensamente ameaçadora.

Ou seja, ao invés do desenvolvimento industrial manter sua linha de intensificar o emprego da força de trabalho, passou a incrementar o desemprego à medida que eleva sua produtividade. Ou seja, paralelamente, e como consequência nefasta, passou a comprimir a capacidade de compra de parcelas sociais crescentes, estreitando o mercado, e obrigando a produção de novos modelos, como informou a Ford, “mais baratos”. Tudo de modo a fazer com que a circulação do capital continue gerando mais valor.

Ou seja, o desenvolvimento capitalista passou a se relacionar, ainda mais, ao desenvolvimento científico e tecnológico e à elevação crescente da produtividade, fazendo com que a força de trabalho desempenhe um papel cada vez mais secundário no processo produtivo, na geração do lucro, e na circulação das mercadorias.

Com isso, trouxe à tona, e à vista de todos, a brutal contradição entre a crescente capacidade produtiva e a enorme redução do poder de compra, levando o capital, cada vez mais, a apelar para o lucro fictício financeiro, ou a mercados que ainda sejam capazes de adquirir sua produção. Em países como o Brasil, em que o desenvolvimento científico e tecnológico foi reduzido, e em que os mercados foram comprimidos, em virtude de políticas econômicas que visavam o enriquecimento de apenas parcelas insignificantes da população, os problemas de lucratividade das empresas industriais se tornaram ainda mais graves, muitas vezes obrigando-as a mudanças geográficas.

Ou seja, além de sinalizar que o Brasil está passando por um processo mais intenso de desindustrialização, a crescente saída de empresas industriais aponta fortemente que o Brasil está sendo colocado fora da cadeia global de produção de insumos industriais, e obrigado a retornar à posição colonial de importador de bens industriais e de simples produtor e exportador de matérias primas minerais e agrícolas.

É verdade que alguns publicitários a serviço do agronegócio tentam fazer crer que “o agro é a verdadeira indústria do Brasil”. Porém, as máquinas e outros insumos industriais utilizados na produção dos campos brasileiros são importados. E a tendência tecnológica geral desse setor econômico também é de redução da força de trabalho.

Para piorar, as desencontradas políticas governamentais bolsonaristas (se é que se pode chamar de “políticas” as ordens erráticas do capitão do Planalto), se esforçam em reduzir ou liquidar os programas de combate à pobreza e à miséria, deixadas pelo petismo, comprimindo ainda mais os mercados das empresas industriais. Além disso, querem substituir o serviço público civil pela ampliação da polícia militar sob comando federal, armar legalmente os milicianos, transformar as florestas em desertos de “minerações ou pastagens produtivas”, além de fingir que transferem renda aos pobres e miseráveis em virtude da pandemia. Já as “reformas” buscadas pelos neoliberais, por outro lado, se empenham em transformar todos os órgãos públicos de intervenção no mercado em órgãos sob comando do setor privado, reduzir ainda mais os tributos sobre os mais ricos, vender a preço de banana as estatais, e sucatear totalmente os serviços públicos de atendimento aos pobres e remediados

Em sentido contrário, porém, para reforçar o mercado interno e criar condições para o desenvolvimento econômico e social brasileiro, será fundamental estabelecer linhas múltiplas de financiamento de novos projetos industriais, pequenos, médios e grandes, estatais e privados, tendo a ciência e a tecnologia como impulsionadoras, e tendo a melhoria ecológica como condição importante.

Ou seja, ao invés de apenas evitar que os pobres morram de fome, será fundamental incentivar materialmente a população brasileira a ampliar o mercado interno e a participar ativamente da reindustrialização, através de projetos de diferentes dimensões, de propriedade estatal, cooperativa e privada, bancadas e orientadas pelo Estado. O que também pode voltar a interessar empresas estrangeiras, tecnologicamente avançadas, a investirem e produzirem no Brasil, mesmo sob a condição de transferirem novas e altas tecnologias para as empresas brasileiras.

É essa combinação estatal e empresarial, voltada para a criação de condições materiais de ingresso num novo patamar de desenvolvimento econômico e social, que pode fazer o Brasil escapar da desindustrialização em curso e evitar as distorções, seja das industrializações dos anos 1950 e 1970, seja da desindustrialização atual.

Os propagandistas do mercado financeiro, da burguesia alienada, e do bolsonarismo errático e destrutivo, certamente vão afirmar que tais propostas, mesmo que criem um poderoso mercado interno, capaz de consumir plenamente seus produtos, são “socialistas” e/ou “comunistas”. Mas isso já é assunto para a história futura.

(*) Wladimir Pomar é jornalista, escritor e militante do PT


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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