A saída de Flávio Dino do PCdoB e os caminhos da esquerda

Por João de Deus Castro (*)

Há 15 anos no PCdoB, a maior parte desse tempo empoderado como deputado federal ou como governador do Maranhão, Flávio Dino deixa o partido para ingressar no PSB. Trata-se de fato importante, digno de nota, reações e análises. E estas têm se dado de diversos lugares e ângulos, sendo mais comum o das consequências e possibilidades para o quadro eleitoral de 2022. Não à toa, pois o movimento tem esse caráter. Dino tem se notabilizado Brasil afora por ter derrubado uma longeva oligarquia no estado, por sua oposição frente ao governo genocida de Bolsonaro, por suas posições contra o golpe de 2016 e em defesa de Lula, e por um governo que avançou em políticas públicas, combate à pobreza e defesa dos direitos humanos.

Porém, há outros ângulos que devem ser levados em conta, sobretudo pelas perspectivas à esquerda. O PCdoB, às vésperas de seu centenário, enfrenta no momento um grave problema, um desafio à sua própria existência e tradição, que deveria ser preocupação de toda a esquerda: a cláusula de barreira, que pode colocar o partido na berlinda. O que não é interessante para nenhum setor da esquerda, pois um dos mais tradicionais partidos da esquerda brasileira está, de certa forma, sob ataque, ou assim deveríamos considerar. O PT também esteve na história recente sob ataque, certamente mais virulento, por razões óbvias; inclusive, nos momentos mais críticos, enfrentando ações judiciais e parlamentares visando sua extinção. Neste processo, foi importante, por parte da maioria da esquerda e de setores (verdadeiramente) democráticos, apoio e solidariedade. Assim, o dilema enfrentado pelo PCdoB pode e deve ser preocupação de toda a esquerda.

Ocorre que Flávio Dino se tornou o mais importante líder do PCdoB e sua saída agrava muito a situação, deixando o partido em extrema dificuldade. É inevitável pensar na metáfora do abandono do navio na iminência do naufrágio. E isso foi sentido, não nas diversas repercussões jornalísticas sobre o tabuleiro político-eleitoral, mas nas diversas reações internas, lamentações, apesar do tom quase sempre cordial. Embora tenha havido manifestações mais ácidas, como a de Orlando Silva (ex-ministro de Lula) ou Dilermando Toni (do Comitê Central do PCdoB). Manuela d’Ávila (RS) lamentou: “não acredito em saída individual para problemas coletivos”. Jandira Feghali (RJ): “nosso partido tem uma trajetória centenária e saberá seguir com força e cabeça erguida”.

Não é para menos, pois dar adeus e “agradeço a acolhida” parece coisa de políticos como Ciro, que tratam partidos como albergues, onde se entra e sai segundo o bom ou mal tempo conjuntural, não de militante que se engaja na construção partidária em vista de objetivos mais profundos de ordem ideológica e programática. Daí sobram também especulações, ressentimentos etc. Sobrou para Lula parte da culpa, na opinião de alguns, que teria “combinado tudo” com o governador, “falta de solidariedade de Lula” e coisas do tipo. Não é para tanto, e sobre isso, a presidenta do PT, Gleisi Hofmann foi incisiva: “Lula não incentivou e nunca incentivaria qualquer desfiliação do PCdoB. (…) Não interessa à esquerda brasileira o enfraquecimento ou desaparecimento de qualquer legenda partidária do campo” (https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/gleisi-lula-nao-incentivou-qualquer-desfiliacao-do-pcdob/).

Sendo assim, analisar é preciso. Por que o governador Flávio Dino deixaria o partido em momento tão complicado? Sem dúvida, é legítimo. Sem dúvida, Dino é um valoroso militante de esquerda determinado a construir melhores condições de vida para o povo. O problema é sempre como se faz isso. O PSB, partido que só muito generosamente pode ser considerado hoje em dia como de centro-esquerda (assim também o PDT); que, dentre outras coisas, dá guarida a parlamentares que votam “sim” pela privatização da Eletrobrás; que, no Maranhão, já albergou oligarcas como Roberto Rocha, Zé Reinaldo e Ricardo Murad, definitivamente não é lugar para comunistas. Por outro lado, há uma linha de relativa coincidência entre PCdoB, PSB, PDT e importantes setores do PT, a saber, uma visão tática dirigida ao “centro”, na busca de uma ampla aliança para derrotar Bolsonaro em 2022, que abrangeria todos os “democratas”, inclusive golpistas-lavajatistas de ontem, ou seja, a famigerada Frente Ampla. Como a realidade não tem contribuído para isto, polarizando mais uma vez o ambiente político entre o PT/Lula e o Bolsonarismo, a tal linha tática se transfigurou e agora tem um novo apelido, “terceira via”.

Em entrevista à CNN, na quinta (17), o governador disse que o “Centro” ainda não reunia condições de apresentar-se, que “esse projeto centrista, liberal, democrático ainda não foi apresentado”. E mais: “eu torço para que seja possível, sim, a formação desta alternativa, chamada de centro, terceira via. Acho que isso enobrece o debate eleitoral do próximo ano e considero que isso nos livraria da possibilidade de o Bolsonaro estar no segundo turno”. Um sonho, não é? Bolsonaro fora do segundo turno!!? Ora, sabemos que a apresentação de uma “terceira via” não garante isso. Em diversas mídias, Dino tem dito que o PSB reúne melhores condições para aglutinar forças nesse sentido. Portanto, é nisso que Dino está empenhado, na terceira via, que ainda não teve condições de se apresentar, que Ciro não foi capaz de aglutinar, mas onde ele (Flávio Dino) pode ser mais exitoso. E, se for, (especular também é preciso) não é para ser candidato a Senador, objetivo para o qual não precisaria sair do PCdoB, partido, aliás, também empenhado na frente ampla/terceira via. Não há garantias de que consiga, mas certamente Flavio Dino vislumbra mais.

De qualquer forma, os que caminham nessa direção perdem de vista o chão da luta. Esquecem que, mais do que uma saída com a esquerda, é preciso construir a saída pela esquerda e junto às ruas. Que não basta tirar Bolsonaro, mas também derrotar seu programa de privatizações, mais financeirização e precarização do trabalho, devastação do meio ambiente etc. Programa este plenamente apoiado pela Globo e todos os setores desse mal denominado centro, que é na verdade o resumo de toda a direita tradicional vende-pátria, que, com golpes e interdições antidemocráticas possibilitaram a ascensão do fascismo ora no governo.

Quem foi às ruas nestes últimos #29M e #19J já entendeu que, antes de 2022 há 2021, e um genocídio de verdade em andamento, não uma metáfora. E que um genocídio colado a um programa econômico de massacre do povo não se espera para o ano que vem, mas é preciso dar combate para barrá-lo agora. Que Bolsonaro fora do segundo turno ainda em 2022 não é sonho, mas uma caricatura de sonho e, não à toa, é o máximo que a perspectiva eleitoralista pode dar. Até lá, quantas mortes mais? E quanto de terra arrasada ficará para reconstruir? Para quem reconstruir? Com que programa? Um programa de “centro” não parece mudar muita coisa. A saída pela esquerda deve advir também de vitórias eleitorais, mas com sustentação em organização e luta das classes trabalhadoras e um programa de transformações à altura das necessidades dos de baixo, com reformas de base, anulação das principais medidas de retrocesso dos governos Temer e Bolsonaro e retomada da soberania nacional.

(*) João de Deus Castro é servidor público e militante do PT/São Luís-Ma


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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