Sem novas hidrelétricas nossos carros serão movidos por energia elétrica produzida com combustíveis importados, caros e poluentes

Por Ivo Pugnaloni (*)

O programa MOVER quer que os veículos sejam movidos por energia elétrica. Isso é muito bom.

Mas, antes de batermos palmas entusiasmadas vejamos se essa não é mais uma casca de banana no caminho do presidente Lula no importante setor da energia elétrica. Como a anulação da desoneração dos combustíveis no dia primeiro de janeiro de 2023 teria sido aumentando o preço de tudo já no primeiro dia do novo governo, com consequências certas no dia oito do mesmo mês.

A casca de banana é que, se continuarmos sem construir novas hidrelétricas, a energia dos carros elétricos vai ser produzida por usinas termelétricas usando óleo diesel, gasolina, carvão, óleo combustível ou gás natural. Porque sem novas hidrelétricas, não existe outra fonte de energia limpa para carregar as baterias desses carros de noite e de madrugada.

Assim, os novos e maravilhosos veículos elétricos no Brasil, servirão para emitir milhões de toneladas de gases de efeito estufa por dia nas usinas que os alimentam, na periferia das grandes cidades. A poluição sairá do centro e irá para a periferia. As quantidades de poluentes serão maiores devido às perdas em produzir energia com motores à explosão e não com geradores elétricos movidos por turbinas hidráulicas. Sem falar no preço oito vezes mais caro das termoelétricas com relação às hidrelétricas. E nem na sobrecarga dos sistemas de transmissão e distribuição que essa “transição ao contrário” vai provocar, ao criarmos dezenas de novos GW de carga para alimentar, de uma hora para a outra. A trapalhada é tanta que dá a impressão que não existe ninguém no planejamento do setor elétrico no governo federal. Afinal, decidindo sobre algo como mobilidade elétrica não estava nem mesmo o ministro de minas e energia na hora de assinar a papelada. Ou então, se existir alguém planejando, ele está planejando o caos. Pois não pensa no desenvolvimento sustentável nem nos consumidores de energia, mas apenas em esfolar vivos esses consumidores. Exatamente porque talvez entenda muito sobre como fazer isso sem chamar a atenção, com muita propaganda de margarina e sabonete.

Se existir é alguém que não quer que o Brasil possa crescer. Alguém que quer de propósito que nossas indústrias continuem pagando a segunda energia mais cara do mundo, atrás só da Alemanha, para favorecer às indústrias dos países concorrentes e criar lá fora os empregos que queremos no Brasil.

Nós, no Setorial de Energia do PT, contribuímos durante o ano de 2022 com o Programa de Governo da Federação formada com o PCdoB e o PV, pois fomos oficialmente convidados a isso. Cumprimos nossa parte, entregando as nossas teses exatamente no prazo e com a quantidade de participantes exigidas. Tivemos contribuições de todas as especialidades: de biólogos a geólogos, a sociólogos, engenheiros, advogados, mestres e doutores. Infelizmente a comissão de elaboradores do texto final colocados no comando da campanha do presidente excluíram qualquer menção às hidrelétricas. Nem uma linha foi admitida, com exercício de censura explícita. Nenhuma justificativa política, técnica, e muito menos científica, para esse “cancelamento silencioso”, na linguagem das redes. E deu no que deu: o texto final saiu sem mencionar nem as hidrelétricas nem o nome de um único profissional do setor elétrico que tenha aceitado “vetar” do programa exatamente a nossa maior riqueza natural que é renovável: o enorme potencial hídrico e hidrelétrico do Brasil. Um potencial que, segundo avaliação da Agência Internacional de Energia, tem valor maior até do que o valor das nossas reservas de petróleo e de outros minerais, já que essas são finitas. Toda essa estranha exclusão foi feita sem a assinatura um único profissional responsável técnico por essa escolha não debatida. Sem nenhuma justificativa. Apenas ficamos sabendo que “Hidrelétricas Não”. Risca essa palavra e pronto. No melhor estilo “Manda quem pode. E obedece quem tem juízo e quer um carguinho no terceiro escalão”.

Que fique isso bem claro: o meu partido, o nosso partido, do qual fui fundador em novembro de 1979 em Curitiba, vetou, – sem qualquer explicação -, exatamente a fonte de custo de geração mais barata, totalmente nacional, que gera empregos só no Brasil, de baixíssimas emissões e com os menores impactos ambientais de todas. O PT, aliás, não apenas “vetou” as hidrelétricas, mas conseguiu fazer pior, “cancelando-as”, sem sequer justificativa. Retirou qualquer menção à fonte de energia que também serve para acumular água doce, um recurso natural de enorme importância estratégica, pois serve para amortecer os efeitos das mudanças climáticas como grandes cheias e secas, além de promover a piscicultura e irrigação de frutas e hortaliças. Além do turismo, da navegação e do uso esportivo dos reservatórios.

Chama a atenção que, na relação dos autores do Programa da Federação, existam especialistas de todas as áreas, alguns entre os melhores do mundo, nas áreas da saúde, educação, habitação…

Menos, na área de energia elétrica.

Será que isso teria acontecido por ordem de alguém muito importante, como o Presidente Lula? Ou será que foi por ordem do Vice-Presidente Alkimin que, quando ainda estava no PSDB, governando São Paulo, concluiu um estudo provando que no Estado de São Paulo existiam mais de 4 GW de potenciais para novas hidrelétricas de pequeno porte? Não. Não acredito que Lula ou Alkmin sejam contra as hidrelétricas, pois seria uma enorme incoerência. Mas então a pergunta que precisa ser respondida é : – quem dentro do Governo é assim tão contra hidrelétricas e tem tanta força para tentar pelo método do “cancelamento” a façanha de impedir a sétima economia do mundo de usar essa fonte para a sua reindustrialização? Quem será esse Super Homem ou essa Mulher Maravilha?

De onde virão as costas quentes desses planejadores do caos que está quase pronto para cair sobre o presidente Lula e de seu governo nas próximas eleições e nas viagens internacionais?

Será que esses planejadores seriam os mesmos que planejaram a conclusão de usinas eólicas no Nordeste no governo Dilma, mas não planejaram a construção simultânea das linhas de transmissão para a energia chegar ao Sudeste? Seriam eles os responsáveis pela ELETROBRÁS ter sido obrigada na Justiça a pagar aos donos das eólicas pela energia que não pode ser entregue, pois as linhas de escoamento não ficaram prontas a tempo?

Será que esses planejadores são os mesmos que, por falta de novas hidrelétricas fizeram a participação das termoelétricas na matriz pular de 14% para 29% entre 2001 e 2014? Será que foram eles os mesmos responsáveis para em valor absoluto essa participação ter aumentado 400%, junto com as emissões de particulados e gases do efeito estufa?

Terão tido esses planejadores algo a ver com o apagão nacional que afetou todas as 26 Unidades da Federação, no dia 15 de agosto de 2023, exceto Roraima? Serão eles os mesmos que não explicaram até hoje aos brasileiros que a causa do apagão foi o fato que o Brasil, – por falta de novas hidrelétricas -, estava dependendo da geração de 8,6 GW de eólicas do Nordeste, quando, inesperadamente, ocorreu uma “calmaria” no Atlântico Sul? (Uma calmaria igualzinha às calmarias que acontecem de repente, e que Pedro Alvares Cabral, há 524 anos já sabia que existiam, porque esteve dias parado graças a uma delas). Ou será que esses planejadores do caos, previram as calmarias, mas apostaram na sorte e preferiram “correr o risco” de ligar térmicas dos seus amigos e Parentes, se as eólicas “flopassem” por causa de alguma repentina falta de vento?

Ou que será que esses planejadores são mesmo é adeptos do cheirinho “gostoso” dos combustíveis fósseis importados, caríssimos e extremamente poluentes, exalado das chaminés das usinas termoelétricas?

Afinal, sendo eólicas e solares dois tipos de fontes INTERMITENTES, quando elas deixam de produzir, é necessário aumentar a geração de fontes PERMANENTES, que hoje são apenas duas: hidrelétricas movidas com água doce, ou as termelétricas movidas a petróleo, carvão, gás ou urânio. E se eles não planejam novas hidrelétricas, você consegue adivinhar quem lucra e aumenta seu faturamento?

Sobre termoelétricas e parentes no setor elétrico, alguém lembra do motivo da censura ao Estadão em 2013, um fato que o jornal denunciava todos os dias, na primeira página, com uma grande tarja preta de luto, dizendo “O Estadão está sob censura do TJ SP” ?

Alguém lembra quando os Mesquita, – visando tirar Sarney do cargo de presidente do Senado e votar o impeachment três anos antes -, ameaçaram divulgar trechos de gravações do filho do ex-presidente, Fernando, que era dono já naquele tempo de uma rede de 16 enormes termoelétricas fósseis? Lembram como essas termoelétricas faturaram horrores graças ao “trabalho de não-planejamento” dentro do MME, ministério ocupado por Lobão, cria do Sarney?

Lembram quando a TCU, através do Acórdão 0489/15, obrigou a diretoria da ANEEL a não continuar impedindo, ilegalmente, até mesmo a análise de projetos de pequenas hidrelétricas?

Lembram dos Acórdãos 2.164/2008, 1.196/2010 e 1.171/2014 do TCU, denunciando em detalhes essas manobras contra as hidrelétricas, convocando o MME e a EPE a prestarem esclarecimentos sobre por que do não aproveitamento dos 135 GW de potenciais hidrelétricos remanescentes?

Alguém lembra do compromisso firmado pelos representantes desses órgãos com o TCU para agirem a favor do aproveitamento do potencial hidrelétrico nacional?

Nós lembramos de tudo isso. Como militantes do setorial de energia e recursos minerais do nosso partido, nós nos lembramos bem disso. E temos tudo isso em detalhes que publicaremos no site do MDSN a partir da semana que vem, a partir de 8 de janeiro de 2024, segunda-feira.

Para começar, vamos publicar os quatro acórdãos do TCU que protocolaremos no MPF para as providencias exigidas de forma a garantir a soberania do povo brasileiro sobre o estratégico setor da energia. Em seguida, lançaremos com outras entidades, a campanha nacional a favor da realização pelo Governo Federal da primeira Conferência Nacional de Energia Elétrica e Recursos Minerais, tal como existem desde 1932 as Conferências Nacionais, que são instancias da administração destinadas a descentralizar o debate sobre o planejamento da Saúde, da Educação, dos Direitos das Mulheres, dos Negros, dos Indígenas etc. Trazendo-o para os estados e municípios. Pois é nos estados e municípios e não nos gabinetes que planejam o caos, que está o povo, que pela Constituição Federal é o soberano do estado brasileiro.

(*) Ivo Pugnaloni (70 anos) é Engenheiro Eletricista e de Telecomunicações formado pela UFPR, consultor de empresas, atual Diretor-Presidente do MOVIMENTO EM DEFESA DA SOBERANIA NACIONAL e ex-presidente da ABRAPCH, ex-diretor de planejamento da COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA, ex- Presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, ex-membro da Comissão do INSTITUTO CIDADANIA que elaborou as DIRETRIZES DO SETOR ELÉTRICO para o Governo Lula em 2002, ex- diretor para a região Sul do ILUMINA – INSTITUTO DE PLENEJAMENTO ESTRATÉGICO DO SETOR ELETRICO e coordenador provisório encarregado da criação do Setorial de Energia do PT do Paraná em 2021.

https://www.brasil247.com/reindustrializacao/governo-lula-lanca-programa-mover-para-estimular- descarbonizacao-da-frota-de-automoveis-no-brasil

 

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