Serpente, lábia da mente

Por Fausto Antonio (*)

Epigrafia  do nascimento simultâneo de Adão  e  Eva.

Eva  nasceu da  costela de Adão? Sim, pelo menos fisicamente. A rigor, ela nasce como mulher ao dividir, com Adão, o chamado  fruto  proibido.  A costela é  sinônimo de  separação; a unidade andrógina foi  desfeita.   Do mesmo modo, Adão nasceu de Eva. O  ovo era  Eva; o  ovo  era Adão, tanto  faz.  No texto “Serpente, a  lábia  da  mente”, Anaya nasce de Dolincar e Dolincar de Anaya; a  criação, sexo e  mente, desde senpre,  é fruto do feminino e  do masculino.  Quem nasceu primeiro, Adão  ou  Eva? A  resposta  gera  aquele  riso típico de Anaya, que é  misto da memória  ancestral  e, no  espelho de  lembranças, imagem das profundezas.    

 ***

O  amor  são dois.

Um, o desejo,

come a  boca

que  engole  a si mesma.

Outro,no inverso,

deseja aquele lábio do paraíso.

Quem sou, no  amor,

indaga a boca esquecida?

Em silêncio, a  outra boca

enlaça o  beijo e forma um caracol.

No  visgo das línguas,

olho no  escuro,

enquanto  a  saliva tenta pegar,

no   céu do sonho, o  sal.

À   revelia  do  não, no  amor,

a  boca que nega o  sim

abre um não, que na  carne

é sim e  envolve em caracol a  boca.

***

Anaya leu a  mensagem fixada  pelo texto e riu, primeiro, imaginando a presença de Dolincar Tosufa Onitona, depois, riu  pela  densidade  do  escrito e, ainda, pela dúvida eterna: era um poema ou  elo fronteiriço de  prosa poética?  Independentemente  do que  pensara Dolincar,  Anaya  estava  com um pé no significado  fixo da  palavra  e, outro, no  movediço limbo da linguagem. Saía  daí  o  riso que, antes de mover os  lábios, abria  os  olhos e  retinha inteira  a paisagem; espécie de texto de objetos.

Era a  dimensão externa, fixa, e, portanto,  sem a  alma dos  coisas. Fechada parcialmente  a janela  externa, outras abriram e se fecharam  por  dentro.  No  rosto, então, o  vinco , aos sessenta  anos, salientou o tempo vivido. Da  paisagem  ao  espaço; alma das  coisas,   foi ,num átimo, o salto e  com  ele  a  queda, na  cruz,  que possibilitou o encontro com o  corpo e  com  aquela boca. Como subira, com o  movimento a blusa, ela viu espelhado o seu umbigo na porta envidraçada. Subirá, ao olhar o  início  e  o fim, o útero externo da vida e  a  sua semente ofertada. Abismo engolfando o abismo, pensou Anaya. No  caracol, circular fio entre planos de existência, era  uma  boca  em  cruz; como  o  era, igualmente,  o umbigo lugar  e símbolo do  início  e  do  fim.  A encruzilhada não era apenas uma  palavra ou metáfora.

Enquanto seguia  o  umbigo,  no espelho, a boca de Eva  serpenteando aquele fogo imemorial  acordou Adão nela. Era  a  boca  do  desejo na  trindade encaracolada pelo ar, raio e fogo. Adão, que nascera dela,  estava pronto pela semente do  amor  e da mente; Eva  e Adão, ativados, estavam encapsulados  pela semente. Antes de  ser mente, semente, é  preciso ser carne; o desejo do fruto é a criação, serpente e lábia da  mente. Anaya riu novamente. Eva  não  nascera da  costela de Adão, o primogênito do gênero humano? Eles  nasceram, no  mítico paraíso,  da separação dos  sexos.

Eva  nasceu da  costela de Adão? Sim, pelo menos fisicamente. A rigor, ela nasce como mulher ao dividir, com Adão, o chamado  fruto  proibido.  A costela é  sinônimo de  separação; a unidade andrógina foi  desfeita.   Do mesmo modo, Adão nasceu de Eva.  O  ovo era  Eva; o  ovo  era Adão, tanto  faz.   No texto “Serpente, a  lábia  da  mente”, Anaya nasce de Dolincar e Dolincar de Anaya; a  criação, sexo e  mente, desde senpre,  é fruto do feminino e  do masculino.  Quem nasceu primeiro, Adão  ou  Eva? A  resposta  gera  aquele  riso típico de Anaya, que é  misto da memória  ancestral  e, no  espelho de  lembranças, imagem das profundezas. O  chamado  fruto proibido é  gerador daquele  riso contido. Eva  criara  Adão nela e com a  carne e com o  sangue. A  parábola  da  costela é  para  revelar a quem cabe a doação  e  a quem cabe a gestação   da  criação. Era  a  volta  ao  paraíso.  No  retorno, o  paraíso  exige  a  queda. No  retorno, há  o paraíso  e  antes  ainda a  caverna e  mais  e mais  do  paraíso, que  se  abre;  boca insaciável.

(*) Fausto Antonio  é  escritor, poeta , dramaturgo e professor  da  Unilab – Bahia.

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