Por Valter Pomar (*)
Quando uma mesma notícia sai em vários jornais, das três uma: ou é mentira de certa mídia, ou tem alguém plantando balões de ensaio, ou é verdade.
No caso, refiro-me a proposta de antecipar a eleição da nova presidência do PT para dezembro de 2024.
Um exemplo do que vem sendo divulgado: Lula quer adiantar eleições da direção do PT para dezembro – Cn7 – Sem medo da notícia
Na dúvida, vamos por partes.
A atual direção do PT foi eleita em 2019.
Em 2023, deveria ter ocorrido a eleição de uma nova direção.
O Diretório Nacional do PT decidiu, por maioria, prorrogar o mandato da direção eleita em 2019.
A direção é eleita no chamado PED: processo de eleição direta das direções partidárias.
Para que o PED ocorra, é necessário um conjunto de procedimentos previstos no estatuto.
É impossível realizar estes procedimentos estatutários entre 28 de outubro e 31 de dezembro.
Portanto, o único jeito de antecipar para dezembro as eleições da direção seria alterando o estatuto.
Para alterar o estatuto, seria necessário reunir o Diretório Nacional e este aprovar, por maioria qualificada, as alterações.
Obviamente, se tem alguém pensando em fazer algo assim, deve estar supondo que estas coisas são simples e fáceis de fazer.
Levando em conta a correlação de forças no atual Diretório Nacional, as divisões existentes no grupo atualmente majoritário e, também, levando em conta o reclamo geral por um balanço do processo eleitoral, o mínimo que se pode dizer é que não seria nada fácil fazer uma operação de alteração do estatuto, com o objetivo de eleger uma nova direção ainda em dezembro de 2024.
Seria impossível? Não, não seria. Mas o efeito prático de uma manobra deste tipo seria tão imponderável, que é difícil acreditar que exista mesmo alguém defendendo isso.
Até porque tudo de que não necessitamos é de novas direções eleitas no afogadilho, sem debate qualificado, sem ampla participação do conjunto dos filiados.
Lembrando, aliás, que não se trata apenas de eleger uma nova direção nacional, mas também de eleger direções estaduais e municipais em todo o Brasil.
Isto posto, será que tem alguém falando uma coisa e pensando noutra?
A saber, será que tem alguém pensando em antecipar a substituição da presidenta nacional do PT?
O estatuto do Partido diz que a presidência nacional é eleita diretamente pela base do Partido, ao mesmo tempo e no mesmo processo que se elege o conjunto do diretório nacional.
Mas, se no meio do mandato a pessoa que ocupa a presidência nacional tem que se afastar do cargo, cabe ao Diretório Nacional fazer a substituição.
É o que ocorreu, por exemplo, quando Lula foi candidato à presidência da República em 1994. Ele se licenciou e, no lugar de Lula, Rui Falcão assumiu interinamente a presidência do Partido.
É o que ocorreu, também, quando Zé Dirceu assumiu um ministério no Governo Lula 1, em 2003. Ele se licenciou e, no lugar de Dirceu, José Genoíno assumiu interinamente a presidência do Partido.
É o que ocorreu, ainda, quando Genoíno se afastou da presidência, em 2005. No lugar de Genoíno, Tarso Genro assumiu interinamente a presidência do Partido. Supostamente Genro seria candidato à presidência nacional do Partido, mas ele acabou desistindo.
Mais detalhes sobre este episódio estão aqui: Valter Pomar: Argumentos para quem quer votar no PT
Outra substituição ocorreu quando Ricardo Berzoini, em 2006, se afastou da presidência do Partido e, no seu lugar, assumiu Marco Aurélio Garcia.
Nova substituição ocorreu quando José Eduardo Dutra, por razões de saúde, se afastou da presidência nacional do PT, sendo substituído no dia 29 de abril de 2011 por Rui Falcão. Posteriormente, Rui seria candidato e eleito presidente nacional do Partido, no PED de novembro de 2013.
Desde então não houve mais nenhuma substituição: Gleisi Hoffmann foi eleita em 2016 e reeleita em 2019.
Moral da história: o estatuto prevê a possibilidade de uma substituição interina. Nesse caso, qualquer membro (titular ou suplente) do Diretório Nacional pode assumir interinamente a presidência, até que se realize o processo normal de eleição.
Será que tem alguém pensando nisso? Espero sinceramente que não. Pois nosso problema, a essa altura do campeonato, é ganhar o segundo turno. E, depois disso, fazer um debate profundo, sobre o resultado eleitoral, sobre a situação política em geral e sobre nossas tarefas. É com base neste debate que deve ocorrer a eleição da nova direção partidária, inclusive da pessoa que presidirá o Partido.
Escolher interinamente um presidente, para depois fazer o debate e em seguida a eleição das direções e presidência definitiva, causaria muita confusão e nenhuma solução.
Isto posto, espero que tudo não passe de mentira ou balão de ensaio.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT