Sobre a transição, a posse, o novo governo e suas medidas

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 27 de novembro de 2023, debateu e aprovou resoluções, entre as quais este texto em que debatemos o processo de transição.

SOBRE A TRANSIÇÃO, A POSSE, O NOVO GOVERNO E SUAS MEDIDAS

1.Acerca do tema da transição, posse e futuro governo, a direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda realizou duas reuniões nacionais, a primeira no dia 9 de novembro e a segunda no dia 17 novembro de 2022. Também dedicamos aos temas transição, posse e futuro governo a edição do programa Antivírus que foi ao ar no dia 21 de novembro. Os temas também foram tratados na reunião que a direção nacional fez, no dia 23 de novembro, com nossa bancada federal e assessores. Integrantes da Dnae também realizaram reuniões com outros setores do partido, inclusive com as maiores chapas que compõem a executiva nacional do PT. Além disso, nossos militantes, assim como militantes de outros setores do Partido estão se mobilizando e debatendo a transição, a posse e o futuro governo federal, nas bancadas, nos governos estaduais e municipais, nos estados, nos setoriais e nos movimentos sociais. A resolução a seguir busca sistematizar nossa opinião preliminar a respeito.

2.Os integrantes da coalizão que venceu as eleições presidenciais, assim como parte importante de nossa base militante e eleitoral, acompanha com atenção os trabalhos da comissão de transição instalada no CCBB, assim como vem discutindo a posse e o futuro governo.

3.Entretanto, nem sempre se está dando a devida atenção para o ambiente internacional; para a ação dos neofascistas; para a chantagem dos neoliberais; e para o pano de fundo do processo, a saber, a desindustrialização do país e todos os seus efeitos. Tratamos destes temas na resolução de conjuntura debatida, no dia 27 de novembro, pela direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. Nesta resolução nos focamos na transição, na posse e na composição do futuro governo.

4.Sobre a transição estrito senso, lembramos que ela se fundamenta na Lei 10.609/2002. A primeira transição foi de FHC para Lula. Não há transição em caso de reeleição, motivo pelo qual ela só voltou a ocorrer em 2010, de Lula para Dilma. Por motivos óbvios, não houve transição depois do golpe de 2016. Voltou a haver transição em 2018, de “temer” para o cavernícola. A atual transição começou oficialmente depois do pronunciamento do cavernícola, admitindo (ainda que sem admitir) a derrota, quando o ministro Ciro Nogueira falou que se faria a transição na forma da lei.

5.A transição em curso tem Geraldo Alckmin como coordenador, uma escolha equivocada, que decorre e potencializa o erro decorrente de sua indicação para vice. Registre-se que o presidente Lula disse explicitamente que Alckmin é o coordenador, mas que não será ministro, uma vez que ele é vice-presidente. Apesar disso ou por causa disso, o vice-presidente se sentiu à vontade para dizer recentemente, em palestra num evento denominado “fórum esfera”, que “não tem reformas a serem desfeitas. A reforma trabalhista é importante. Não vai voltar imposto sindical nem legislado sobre acordado”.

6.A coordenação da transição é composta, além do vice Alckmin, por mais quatro pessoas: Gleisi Hoffmann, que é a coordenadora de relações institucionais (também chamada de “articulação política”); Aloizio Mercadante, coordenador dos grupos temáticos; Rosângela Lula da Silva, mais conhecida como Janja, coordenadora da posse presidencial; e Floriano Pesaro, coordenador executivo. Pesaro, atualmente no PSB, foi vereador em SP e foi deputado federal pelo PSDB, tendo um forte histórico de antipetismo.

7.Vale lembrar que o presidente Lula tem dito, reiteradamente, que estar na transição é uma coisa, estar no governo e ser indicado como ministro é outra. Ou seja, não necessariamente quem está na transição estará no governo. Mas, seja para colaborar na transição, seja para disputar espaço no futuro governo, houve e segue havendo uma forte pressão – vinda de todos os lados, cores e sabores – para participar da transição e/ou para ter contato com quem está na transição.

8.Até o momento, para compor os 31 grupos técnicos que foram criados, foram oficialmente indicados mais de 300 nomes. A maioria desses nomes é de pessoas que foram indicadas para trabalho voluntário.

9.A lei prevê que a equipe oficial, que é nomeada para cargos comissionados remunerados, pode ter até 50 nomes. Os 31 grupos temáticos são os seguintes: 1-Agricultura, pecuária e abastecimento; 2-Cidades; 3-Ciência e tecnologia; 4-Comunicação; 5-Comunicação social; 6-Cultura; 7-Desenvolvimento agrário; 8-Desenvolvimento social; 9-Desenvolvimento regional; 10-Direitos humanos; 11-Economia; 12-Educação; 13-Esporte; 14-Igualdade racial; 15-Indústria e comércio; 16-Infraestrutura; 17-Infância; 18-Justiça e segurança pública; 19-Juventude; 20-Meio ambiente; 21-Minas e energia; 22-Mulheres; 23-Pesca; 24-Planejamento, orçamento e gestão; 25-Povos originários; 26-Previdência social; 27-Relações exteriores; 28-Saúde; 29-Trabalho; 30-Transparência, integridade e controle; 31-Turismo.

10.Em alguns dos grupos temáticos, a composição expressa mais ou menos corretamente o sentido programático do voto dado pela maioria do eleitorado, nos dois turnos da eleição presidencial. Noutros grupos temáticos, há uma representação desproporcional de setores empresariais, neoliberais, conservadores e neoaliados. Além disso, no conjunto da obra há baixa presença de negros e negras, de quadros políticos oriundos do Nordeste e de representações das organizações populares de uma forma geral. Portanto, nesses casos estão subrepresentadas visões importantes, de concepções, de perspectivas de mérito que devem ser levadas em conta na montagem de um governo popular e de esquerda. A baixa participação desses setores na transição, além de passar um sinal ruim, prejudica o mérito do trabalho que irá subsidiar o início do nosso futuro governo.

11.Registramos que não existe um grupo temático sobre Defesa e Forças Armadas. Repete-se, portanto, o gravíssimo erro já cometido desde o debate do Plano de Reconstrução e Transformação, que não diz absolutamente nada sobre o tema; pelo contrário, se decidiu não reafirmar as posições históricas do Partido. Este erro se torna ainda mais grave neste momento, em que os atuais comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército soltaram uma nota afirmando que as manifestações pedindo, direta ou indiretamente, “intervenção militar” constituiriam, na opinião deles, algo protegido pela Constituição. Que os atuais comandantes não entendam que forças armadas existem para defender a soberania nacional, não para interferir na política nacional, é mais uma prova de que a caserna está em estado de sedição. A inexistência de um grupo temático expressa a ausência de política para as forças armadas ou a opção por uma política que não pode ser explicada ou defendida de público.

12.Para além do trabalho de transição propriamente dito – parte do qual já está consubstanciado em um detalhado relatório do TCU – a comissão instalada no CCBB está servindo para diálogos sobre o futuro governo, suas políticas e integrantes.

13.Um dos temas mais importantes, no curto prazo, é a questão do orçamento, resumido na chamada PEC da transição. Nesta batalha já estão visíveis alguns dos problemas de fundo que nosso governo enfrentará, desde as diferenças internas sobre o mérito e procedimentos, até as dificuldades oriundas de um Congresso conservador. Aliás, já fica a questão: o que faremos na eleição das mesas da Câmara e do Senado? Em nossa opinião, a política acertada é não se submeter, nem se comprometer, com o Centrão.

14.Outro problema de fundo, mais estratégico, é qual o protagonismo do PT no futuro governo. Na comissão de transição, segundo levantamento feito pela Folha, há 1/3 de petistas. A conta não inclui o próprio Lula; mas o presidente eleito já disse que “o governo não será petista”. Obviamente isso é verdade. Mas também é verdade que o PT precisa definir qual relação terá com o governo que toma posse dia 1 de janeiro de 2023.

15.No período 2003-2016, os partidos de esquerda, o sindicalismo, os movimentos populares e a intelectualidade democrática se dividiram entre os que faziam oposição (supostamente de esquerda) aos nossos governos, os que apoiavam de maneira acrítica e os que apoiavam ao mesmo tempo que disputavam os rumos. A postura que predominou em amplos setores do PT, durante a maior parte do tempo, foi a de apoiar de maneira acrítica. Um dos exemplos disso foi o ocorrido em 2015, quando 55% dos delegados e delegadas ao congresso partidário realizado em Salvador (BA) avalizaram a política econômica do governo, política econômica cujos efeitos contribuíram objetivamente para o sucesso do golpe de 2016.

16.Hoje, precisamos ter claro o seguinte: se o governo é de coalizão, cabe ao presidente da República arbitrar e cabe ao PT apoiar o governo e ao mesmo tempo liderar a esquerda partidária e social na disputa pelos rumos do governo. Fazer isso (apoiar e disputar) exige capacidade de elaboração, exige debate, exige divisão de trabalho, exige política fina. E nada disso vai existir se pelo menos a direção nacional do Partido não se reunir.

17.Dentro dos limites estreitos do que cabe a uma tendência petista, nós da AE temos feito isso. Nosso principal objetivo é garantir que a transição, a composição e as medidas imediatas do novo governo correspondam ao sentido do voto popular que elegeu Lula presidente. Na prática, trata-se de: a) seguir derrotando a extrema-direita; b) bloquear a chantagem dos setores neoliberais; c) garantir o protagonismo do PT, partidos e movimentos sociais da esquerda democrática, popular e socialista.

18.Em relação a extrema-direita, é preciso manter sob vigilância, denunciar e reprimir as manifestações golpistas; manter as medidas de preservação da vida pessoal e coletiva; e, ao mesmo tempo que devemos estimular o comparecimento popular à festa do dia 1 de janeiro, em Brasília, cabe tomar medidas efetivas de proteção ao deslocamento das caravanas e também a manifestação da posse.

19.Como sempre dissemos, frente a extrema-direita não devemos subestimar, nem devemos ter medo. Para derrotar o neofascismo, é preciso ampliar a mobilização e ampliar a organização. Embora as manifestações da extrema direita sejam repletas de matéria-prima para memes cômicos, é um erro naturalizar (mesmo que através do humor) o que está ocorrendo. Não é coincidência, por exemplo, que o atirador assassino que matou várias pessoas no Espírito Santo, fosse um bolsonarista e estivesse usando a suástica. Assim como não é coincidência que, para ilustrar a matéria que falava deste crime cometido por um jovem branco, o jornal O Estado de São Paulo tenha colocado a foto de uma mão negra segurando uma arma.

20.Episódios de violência política seguem ocorrendo em todo o país, assim como seguem os episódios de racismo, os feminicídios, as violências baseadas no fundamentalismo e no preconceito, as ações criminosas de policiais contra as populações pobres, pretas e periféricas. A tendência é que isto prossiga e inclusive se acentue, não apenas antes e durante a posse, mas inclusive depois, pois está evidente que a extrema direita fará oposição da seguinte forma: uma pata na institucionalidade, outra pata nas ruas e o rabo no crime. E é como criminosos que devem ser tratados, desde ontem, os que ameaçam a posse do dia 1 de janeiro, seja com ameaças de atentados, seja com bloqueios promovidos por empresários de transporte.

21.Em relação aos neoliberais, é preciso: a) denunciar e pressionar pela correção dos desequilíbrios existentes na chamada comissão de transição; b) evitar as armadilhas que tendem a nos colocar sob tutela do Centrão. Por incrível que possa parecer, só agora amplos setores de nossa militância, de nossa base social e eleitoral estão se apercebendo das decorrências das alianças feitas no primeiro turno, com destaque para o papel concedido para um cidadão que – a vida demonstrou – teve seu peso eleitoral superestimado. Nos cabe fazer o maior esforço possível para impedir que esta superestimação se traduza em espaço governamental e em políticas públicas.

22.Em relação ao protagonismo da esquerda, é preciso: a) manter a pressão, para que o governo inicie cumprindo o programa, especialmente aquele voltado aos setores mais populares; b) ampliar a representação dos setores democrático populares no processo de transição; c) orientar os movimentos sociais e sindicais a fazerem pressão direta sobre a chamada comissão de transição.

23.Especificamente em relação ao PT, é preciso que as instâncias partidárias (diretórios municipais e estaduais, setoriais e núcleos em todos os níveis, bancadas e governantes municipais/estaduais) se reúnam e aprovem resoluções sobre o tema transição/composição/medidas imediatas, resoluções que devem ser encaminhadas ao Diretório Nacional e ao conjunto do Partido.

24.A militância e as instâncias municipais, estaduais e nacional da tendência petista Articulação de Esquerda devem contribuir para este processo de “ressureição” das instâncias partidárias e canalizar, através das instâncias, nossas propostas e nossas indicações.

25.Lembramos que em processos anteriores, a composição de governo envolveu convites individuais; indicações de instâncias partidárias, de movimentos e organizações; e consultas mais ou menos formalizadas às tendências. Mas o processo atual possui várias diferenças em relação ao ocorrido em 2002, 2006, 2010 e 2014. Uma destas diferenças é a seguinte: o espaço do conjunto do PT não está garantido. Inclusive por isso, é mais produtivo – para cada setor do PT – que se busque agir coletivamente, enquanto Partido. Portanto, especialmente neste momento, o essencial é lutar para garantir o protagonismo do PT nas definições sobre transição/medidas imediatas/composição.

26.Devemos seguir pressionando para que se realizem imediatamente as reuniões presenciais da Executiva Nacional e do Diretório Nacional do PT; e também para que se constitua oficialmente uma comissão partidária para acompanhar a comissão de transição, comissão partidária que também possa servir de canal através do qual possam ser apresentadas propostas e indicações do PT.

27.Nos espaços partidários, defendemos que pelo menos os seguintes ministérios e áreas sejam dirigidos por militantes de esquerda, de preferência por petistas: Fazenda, Desenvolvimento Agrário, Defesa, Relações exteriores, Trabalho, Saúde, Educação, Cultura, Combate ao racismo, Mulheres, Juventude, Direitos Humanos, Indígenas. Consideramos fundamental, também, que desde a transição até o exercício do governo, a esquerda invista nos mecanismos de participação popular, como os conselhos, conferências e a questão do Orçamento Participativo.

28.Também nos espaços partidários, apoiamos as indicações dos companheiros Edegar Pretto e Célio Moura para compor o governo; assim como apoiaremos as demais indicações que nos sejam apresentadas pelas direções estaduais e setoriais da tendência que se reunirem e formularem propostas, que devem ser encaminhadas para as respectivas direções estaduais e setoriais do PT, com cópia para a Dnae. Também buscaremos apoiar as indicações apresentadas pelas tendências que integram nossa chapa, bem como por movimentos sociais com os quais mantemos forte relação, como o MNLM, a UNE, o MST e a CUT.

29.Finalmente, reiteramos ao conjunto da tendência que a dinâmica predominante na comissão de transição, na composição de governo e na definição das primeiras medidas ainda não é a que gostaríamos. Nos preocupa, em particular, a inexistência de métodos e procedimentos claros, o que acaba estimulando um “reunionismo” improdutivo. Neste sentido, reiteramos que nosso esforço principal segue sendo o de buscar o pleno funcionamento das instâncias e métodos transparentes. E, de imediato, reafirmamos que o Diretório Nacional do PT deve se reunir imediatamente.

 

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