Sobre armas e letras

Por Thaís Ribeira de Paula (*)

A palavra “Quixotesco”, ao fazer referência ao cavaleiro da triste figura, pode ter alguns sentidos diferentes, mas é frequentemente utilizada de forma pejorativa, para ridicularizar aqueles que, de um certo ponto de vista, apresentam ideias pouco realistas, impraticáveis e até mesmo utópicas.

Às vezes penso que não deve ter sido nada fácil ser um socialista no “mundo ocidental” nos anos que sucederam a queda do muro de Berlim. Homens e mulheres que não caíram em cantos de sereia, e que mantiveram os pés firmes no chão e os olhos voltados para aquilo que importa, durante muitos anos devem ter sido vistos como verdadeiros “Quixotes”, enxergando gigantes onde só haviam moinhos de vento.

E ser socialista no Brasil então? E no PT nos últimos vinte, vinte e cinco anos? Que loucura! Muita gente deve ter preferido manter distância segura, diante do risco de ser confundido com aqueles alucinados incapazes de perceberem que não tinha o que dar errado.

Afinal de contas a gente se tornou governo, a Globo estava do nosso lado, como afirmou um nada desprezível quadro do nosso Partido. Tínhamos finalmente chegado ao poder, como acreditaram tantos. E nesse cenário, um socialista não pode ser outra coisa que não um Quixote.

Enquanto isso, nosso Partido foi se metamorfoseando de um partido de armas, para um partido de letras. Um partido que nasceu da força da organização da classe trabalhadora, paulatinamente foi deixando de lado a importância que essa força tem, passando a ter nas letras e nas instituições o centro da sua atenção.

Mas vejam o que dizia Dom Quixote a esse respeito:

“Saiam da minha frente os que afirmam que levam as letras vantagem sobre as armas; lhes direi, sejam quem forem, que não sabem o que falam.”

Mas não, nosso Partido não tirou as lições de Dom Quixote e seguiu achando que as letras se sobrepunham às armas. A tomar por base nossa amostra joseense, não é difícil conceber quantos companheiros devem ter acreditado, durante as últimas décadas, e ainda hoje acreditam, que podemos fazer a boa gestão do Estado burguês a partir da nossa capacidade de ler, interpretar e criar projetos de lei, tarefa outrora reservada aos representantes da classe dominante.

Despriorizamos a força das ruas, porque achamos que a força das letras, essa de que historicamente nos privaram, seria suficiente para implementarmos aquilo que acreditávamos. Claro que sim! Agora a gente aprendeu a implementar!

Talvez tudo tivesse sido diferente se tivéssemos ouvido Dom Quixote, que lembrou:

“… diz-se que, sem as letras, não se poderiam sustentar as armas, porque também tem a guerra as suas leis e a estas se sujeita, e o estudo das leis pertence às letras e aos letrados. A isso respondem as armas, dizendo que não se poderão as leis manter sem elas, porque com as armas se defendem as repúblicas, se conservam os remos, se guardam as cidades, se asseguram os caminhos, se livram os mares dos corsários e, finalmente, não fossem as armas, estariam as repúblicas, os reinos, as monarquias, as cidades, os caminhos de terra e mar sujeitos ao rigor e à confusão que acarreta a guerra, enquanto dura e tem licença de usar seus privilégios e forças.”

Nosso Partido passou por um intenso processo de pequeno-aburguesamento. O Partido conhecido por sua militância vietnamita hoje tem enormes dificuldades para dialogar com grandes parcelas do povo, porque as acha “burras” demais para o seu intelecto superior. Afinal, só um burro pode votar em Bolsonaro, e só milhões de burros podem votar em Bolsonaro.

Nossos anos como partido de armas não nos levaram a entender, como Dom Quixote, que:

“Chegar alguém a ser eminente nas letras, é coisa que custa tempo, vigílias, fome, nudez, dores de cabeça, indigestões de estômago e outras coisas conexas; mas chegar a ser bom soldado custa tudo isso porque passa o estudante, e em muito maior grau, que não tem comparação, porque se acha a pique, a cada passo, de perder a vida.”

Se ser de letras é por certo mais seguro e confortável do que ser soldado, ser soldado é a tarefa que nos cabe cumprir, nesse imenso esforço de fazer esse Partido voltar a ser um partido de soldados, um partido que saiba que as armas se sobrepõem às letras, e onde predomine a impertinência que admira Dom Quixote, quando afirma:

“O que mais admira é que, mal cai um em sítio donde não se poderá mais levantar até o fim do mundo, logo outro ocupa o seu posto; e se este também cai ao mar, que o aguarda como a um inimigo, outro e mais outro lhe sucedem, sem dar tempo ao tempo de suas mortes – o maior exemplo de valentia e atrevimento que se pode achar em todos os transes da guerra.”

Por fim, se “quixotesco” é adjetivo atribuído aos idealistas, aos que defendem coisas irreais, impraticáveis e até mesmo utópicas, no Brasil de 2025 fica cada vez mais claro que não há nada mais idealista, mais impraticável e mais utópico do que acreditar que será possível transformar a realidade do povo com uma representação nossa no Executivo que não conte com a força das ruas, ou sem que tenhamos um partido de soldados, ou que tão somente nos ocupemos de disputar eleição após eleição, ou que será possível “dialogar” com setores da classe dominante, ou, ainda, que a Globo e o Estadão vão nos tolerar e dizer verdades a nosso respeito.

Por essa razão, porque não somos idealistas, embora muito sonhadores, porque somos otimistas simplesmente porque não temos a opção de ser pessimistas, e porque somos também muito gratos àqueles e àquelas que resistiram e enfrentaram a árdua tarefa de defender o socialismo e de defender o PT, quando a esmagadora maioria do Partido, inclusive tantos que hoje estão alinhados conosco, acreditou que seria possível qualquer outra coisa menos “radical”, é que seguiremos lutando para que o PT esteja à altura da tarefa de comandar o processo de superação do capitalismo no Brasil.

E um passo fundamental dessa tarefa é no dia 06 de julho eleger Valter Pomar presidente nacional do Partido dos Trabalhadores e Jandyra Uehara presidenta estadual do partido em São Paulo.

No Brasil de 2025, ser realista é ser socialista.

Até a vitória, companheiros e companheiras!

(*) Thaís Ribeira de Paula, militante do PT e da AE em São José dos Campos/SP

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