Por Breno Altman
1. Nem todo o nacionalismo é positivo.
2. O nacionalismo dos países capitalistas hegemônicos, por exemplo, é profundamente reacionário. Trata-se do discurso imperialista das burguesias centrais.
3. A social-democracia europeia afundou, antes da Primeira Guerra, porque aderiu ao nacionalismo grão-burguês e aceitou apoiar, em cada nação, sua própria classe dominante contra as demais, renunciando à primazia da unidade das classes trabalhadoras contra todas as burguesias. Esse foi o principal motivo da ruptura de Lenin com a II Internacional: critico impiedoso desse tipo de nacionalismo, por ele chamado de “nacionalismo dos opressores”, o líder bolchevique defendia a consigna “guerra à guerra”, entendendo que o inimigo principal do proletariado de cada país europeu era sua própria burguesia.
4. O nacionalismo nos países dependentes, por sua vez, pode ter um caráter progressista e até revolucionário. As classes trabalhadoras dessas nações, afinal, sofrem uma dupla opressão: a dos capitalistas locais e a do imperialismo, que às vezes se choca com interesses de frações das classes dominantes nacionais.
5. Mas não é automático que o nacionalismo seja progressista nos países dependentes. Depende do pensamento hegemônico que esteja no comando. O nacionalismo burguês pode se chocar contra interesses imperialistas, mas não representar nada de bom às classes trabalhadoras. Ao contrário: pode emergir sob a forma de neofascismo, como a ditadura militar durante o período Geisel, alavancando o desenvolvimento industrial com a superexploração do trabalho e a repressão política.
6. Também vale lembrar que o nacionalismo burguês em países atrasados pode representar certas modalidades de subimperialismo, de opressão a outras nações e povos, como era a lógica da ditadura brasileira em relação a outros países sul-americanos.
7. Nos tempos que correm, o nacionalismo somente é progressista quando possui caráter democrático e popular. Isso é, quando a defesa da soberania nacional está estruturalmente vinculada a um programa favorável aos interesses das classes trabalhadoras e ao empoderamento político do povo.
8. Quem considera que a contradição principal dos países dependentes é entre a nação e o imperialismo, portanto, comete um duplo equívoco: aceita como positivo qualquer nacionalismo, mesmo aquele que representa mais opressão às classes trabalhadoras, e se ilude sobre as possibilidades de alguma fração expressiva das classes dominantes ser anti-imperialista.
9. A consolidação do capitalismo rentista levou à subordinação estrutural do capital produtivo e à liquidação de qualquer autonomia ou aspiração independentista das burguesias atrasadas. Muitos são os indivíduos de outras classes que são honestamente contra o imperialismo, inclusive nas Forças Armadas, mas apenas as classes trabalhadoras podem hoje ser a coluna vertebral de um nacionalismo progressista.
10. Essa situação se explica porque a contradição principal nos países capitalistas dependentes também é entre capital e trabalho, embora nas circunstâncias especiais de dominação imperialista. A defesa do Estado nacional, das riquezas pátrias, da soberania e do desenvolvimento são, portanto, bandeiras fundamentais, mas somente adquirem um caráter consequente com a defesa de uma nova ordem social. Nos países dependentes, não se pode pensar a luta anticapitalista sem a questão nacional, é verdade, mas imaginar que a questão nacional possa ser resolvida dentro do capitalismo seria subestimar seu efeito revolucionário sobre todo o sistema, se enganar sobre uma suposta via independente de desenvolvimento ou simplesmente blefar. O “capitalismo nacional” está morto e sepultado, como resultado da segunda fase da etapa imperialista de acumulação, a da financeirização mundial.
11. O nacionalismo progressista, além do mais, somente existe se for internacionalista. No caso específico da América Latina, não há solução anti-imperialista sem integração regional, acasalamento das economias nacionais, unidade política e militar, compartilhamento de infraestrutura e finanças, reparação das desigualdades entre nações e fortalecimento de instituições comuns.
12. Nem mesmo a regionalização do nacionalismo é suficiente: o combate à hegemonia imperialista somente será eficaz se for em escala planetária, com a criação de sistemas e alianças que esvaziem o poder econômico dos Estados capitalistas centrais, ao mesmo tempo em que sejam desgastadas suas vantagens militares, políticas e culturais.
13. Se for para fazer um desenho, tanto a questão nacional quanto a democrática estariam determinadas pela questão social: apenas a hegemonia das classes trabalhadoras e sua perspectiva histórica de uma nova sociedade, de caráter socialista, podem dar natureza progressista à defesa da democracia e da nação.